Paraíba

CULTURA

Gustavo Lima: o Fiscal da Lei Rouanet diz que não fiscaliza orçamento municipal

'Desde o governo Temer popularizou-se a crítica aos artistas que tinham projeto incentivados pela Lei Rouanet'

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Internet - Imagem Reprodução

Por Antônio Sobreira*

A polêmica sobre os gastos com Lei Rouanet (Lei de Incentivo à Cultura) por parte de conservadores teve seu estopim no momento em que o ex-presidente Michel Temer, em 2016, quis extinguir o Ministério da Cultura e artistas e produtores culturais reagiram  e ocuparam prédios do MinC em seus estados, criando o Ocupa-MinC. 

Naquele momento foi estabelecida uma audiência pública na Câmara Federal entre deputados e enviados das ocupações para dialogar sobre a manutenção do MinC. Alguns deputados criaram tumultos e foram retirados da sala, porque acusavam entre outras coisas abrir uma CPI da Lei Rouanet. 

Em 2017 foi aberta a CPI da lei Rouanet para encontrar desvios e problemas com artistas e só encontrou um caso de desvio. O relatório final dessa CPI da lei Rouanet chegou às mesmas conclusões de artistas e críticos, que são basicamente: concentração de recursos no Sudeste, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro e seletividade de projetos pelas empresas e o relatório indicou que seriam importante descentralizar, desconcentrar, interiorizar e abranger segmentos culturais menos escolhidos pelos incentivadores/empresas.

Desde o governo Temer popularizou-se a crítica aos artistas que tinham projeto incentivados pela Lei Rouanet pinçando projetos de artistas próximos à esquerda ou críticos ao governo e chamando o acesso a esses recursos de mamata. Essa palavra mamata correu o mundo de conservadores com viés de censura e perseguição de artistas, invadindo apresentações e criando tumultos.

Recentemente Gustavo Lima deu uma declaração que ele não dependia da Lei Rouanet nem que precisa de impostos para sua carreira. Essa crítica veio na esteira de uma polêmica entre o Zé Neto com cantora Anitta que tem se posicionado contra o atual governo.

A primeira coisa que devemos extrair disso é o timing ou oportunismo decorrente da estagnação do atual presidente nas pesquisa eleitorais e entre tantas pautas conservadoras surgem essas polêmicas  direcionadas a artistas que são adversários desse governo. Gustavo Lima e Zé Neto não estão criando essas polêmicas do nada, estão agindo de forma direcionada, pois nunca se soube desses que tenham feito algo parecido sobre outro assunto relevante e muito menos que tenham tratado de algum tema relacionado à política cultural.

Em resposta à crítica de Gustavo Lima, saiu na imprensa que um show o qual a sua empresa será contratada para realizar na 24a Vaquejada de e 13a Feira de Agronegócio que ocorrerá na cidade de São Luis (Roraima) em dezembro de 2022 e que será pago um cachê à sua empresa de R$800 mil, numa cidade que tem 8 mil habitantes. Isso daria o valor do show R$100,00 para cada habitante se fosse dividido. 

Diante disso, o Ministério Público do Estado de Roraima – MPRR, abriu um processo de investigação. Este evento não gastará apenas esse valor, pois outros artistas do segmento sertanejo também se apresentarão e o valor de cachês para todos esses é de R$3 milhões em 3 dias de evento.

A repercussão desses valores de cachê explodiu na mídia e se voltou para Gustavo Lima, que se defendeu através de seu empresário que as contratações são legais e seguiram aos processos licitatórios, dizendo portanto e se eximindo ao dizer que ele não era fiscal de gestão pública de municípios. Essa defesa não surtiu efeito e de fato sua contratação não é ilegal e recai sobre o gestor de São Luis-RR que declarou que um gestor precisa ser ousado e coisas desse tipo que o MPRR irá investigar.

Gustavo Lima tomou uma invertida que revelou a indústria dos cachês de artistas contratados por estados e municípios que vem de longe. Vejam, em 2016 ocorreu uma polêmica semelhante com Wesley Safadão sobre um show em Caruaru, que se cobrou  R$ 575 mil. O valor da mesma apresentação em Campina Grande foi  de R$ 195 mil naquele ano. Segue o mesmo padrão de Gustavo Lima, não é ilegal, mas parece imoral. O que o prefeito quer com isso é visibilidade, publicidade e marketing, só que com dinheiro que não é dele, mas do cidadão.

Isso não algo distante da Paraíba. Em 2017 o orçamento de Guarabira-PB para a pasta de Cultura estava em R$2 milhões, metade desse valor era para pagamento da manutenção de pessoal, insumos e pensões e aposentadorias. O outro milhão foi gasto em uma semana na tradicional da Festa da Luz. Foram shows de R$200 mil, e diversos de R$50 mil. Depois desta semana a cidade se esvaziava de atividades culturais até o ano seguinte. Essa é a realidade da maioria dos municípios do Brasil.

A polêmica de Gustavo Lima pode abrir portas para que se comece a discutir os limites de grandes contratos com produtos culturais comerciais que podem ser financiados por empresários e não com recursos públicos. 

O que todos esses fiscais da lei Rouanet precisam considerar é que a Lei Rouanet é mais transparente que um processo licitatório de prefeitura, pois um projeto para receber aprovação é analisado por 2 ou mais pareceristas, depois pode ser encaminhado para IPHAN, FUNARTE, IBRAM, Biblioteca Nacional, IBAMA, FUNAI e Fundação Palmares. Encerrada essa etapa será submetido à análise do Conselho Nacional de Incentivo à Cultura – CNIC e o proponente irá captar o valor aprovado em empresas de lucro real, que é um crivo mais severo. Ir atrás de empresas é muito difícil e um projeto pode receber incentivo de financeiras e outras empresas que lançam editais como a Petrobrás, Vale e Itau, como exemplos. Assim, um projeto da Lei Rouanet dependerá de no mínimo 3 seleções até obter os recursos, enquanto o poder público estabelecerá o valor mediante a apresentação de 03 contratos do produto cultural.

Até 2019 se podia pagar cachê para um cantor até R$35.000,00 pela Lei Rouanet, que vem sendo reduzido, até que em 2022 o cachê individual para cantor e cantora foi reduzido para R$3.500,00. Por assim dizer, o cachê de R$35.000,00 é muito inferior aos que os sertanejos recebem e hoje nenhum deles concorreria por conta dessa limitação. Em razão disso são essas críticas de artistas conservadores falsa polêmicas, falácias e a mais pura e cristalina má-fé, enquanto isso, o poder público necessita apenas de 03 contratos apresentados anteriores com valores que comprovem de seu cachê. Apenas isso! Não há mérito! Há preço de mercado!

Gustavo Lima traz uma falsa polêmica e bastante ideologizada que se virou contra ele e para todos artistas comerciais que possuem boa relação com municípios e alguns governos de estado, afinal, quando ele apontou o dedo para Lei Rouanet abriu-se a caixa pandora de todos os municípios que torram seus orçamentos em um ou três dias de evento.

O fiscal da lei Rouanet que se diz não ser fiscal dos orçamentos municipais que o contrata permitiu com essa polêmica a discutir esses cachês altos que servem de publicidade para os prefeitos e governadores. Tanto a Lei Rouanet como uma prefeitura pagam shows com recursos de impostos. A diferença é que a prefeitura usa para marketing político, em geral torram 50% ou mais do orçamento para Difusão em Cultura e abandonam a cidade para ações culturais no restante do ano.

Temos agora com essa discussão provocar todos os municípios que optam por usar o orçamento para sua publicidade em shows comerciais e nunca lançam editais de cultura, nunca estabelecem oficinas culturais regulares, nunca destinam verbas à cultura popular ou quando pagam é o transporte e lanchinho e em uma semana São Luis-RR irá torrar R$3 milhões que irão embora da economia do município em 3 dias de evento.

*Antônio Sobreira, ex-servidor da Secretaria de Estado da Cultura da Paraíba entre os anos de 2017 a 2018

Edição: Heloisa de Sousa