Movimentos sociais urbanos e do campo realizam nesta terça-feira (21) um Ato pela Prorrogação da ADPF 828. A iniciativa visa suspender as ordens de remoção e despejo da população mais vulnerável, que é a parcela mais afetada pela pandemia no âmbito econômico/financeiro.
No dia 1° de dezembro de 2022, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, em resposta a pedido do Psol, Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e da Campanha Despejo Zero, decidiu estender a suspensão de despejos e remoções até 31 de março de 2022. Em 07 de abril, por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a medida liminar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso, estendendo-a até o próximo dia 30 de junho. Os movimentos sociais irão se concentrar em frente aos Tribunais das principais capitais e também do Supremo Tribunal de Justiça para pedir uma nova extensão desse prazo.
Entendendo o processo
Durante a pandemia, a Comissão de Habitação na ONU realizou uma primeira publicação denunciando os casos de despejos pelo mundo, principalmente porque a recomendação geral era para que as pessoas fizessem quarentena, em função da Covid-19.
Esta comissão argumentou que as atividades econômicas, de emprego, salário e renda dos trabalhadores estavam em plena recessão, com maiores consequências para as pessoas que moram em situações ditas irregulares ou subnormais - termos usados pelo IBGE.
Foi então que diversas organizações da luta campesina e urbana se uniram para criar a Campanha nacional Despejo Zero.
A Campanha exigiu a paralisação dos despejos durante a pandemia. Em seguida, órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional de Direitos Humanos iniciaram recomendações aos juízes para que não despejassem as famílias naquele momento.
“Mas recomendações são medidas que não necessariamente passam a ser executadas. Elas são recomendações, você segue ou não. Como diz no direito, a decisão de um juiz é monocrática, muitas vezes é da cabeça de um juiz, e ele pode rever a sua decisão e aí só uma outra instância”, avalia Gleyson Melo, do MTD.
Na Paraíba, a campanha esteva ligada à ‘Comissão de Violência no Campo e na Cidade’ que trata da questão dos despejos irregulares, principalmente durante a pandemia.
::MORADIA | Campanha Despejo Zero, por proteção à moradia durante a pandemia, é lançada na PB
Esta Comissão, no entanto, ainda não foi regularizada. O Governador da Paraíba baixou um decreto, mas até hoje não homologou a Comissão no Diário Oficial. O movimento pede uma audiência pública com o governador para que ele dê encaminhamento a esse decreto.
Gleyson Melo - Reprodução / Foto
O momento agora é de lidar com as consequências da pandemia: “O que está acontecendo agora é que a gente está num período em que, de fato, a pandemia não está no pico da crise, mas ela vai e volta. Mas tem sobretudo a situação concreta das famílias, da renda do trabalhador que reduziu, da inflação que está corroendo o pouco que tem de renda, o desemprego, a miséria, a fome, todos esses dados que a gente conhece e que por trás deles existem pessoas”, comenta Gleyson.
No Congresso Nacional, uma lei da Deputada Natália Bonavides (PT) foi aprovado em outubro passado. “Desde o início da pandemia lutamos pela suspensão dos despejos. Foram inúmeros casos de despejos e remoções forçadas, jogando o povo na rua no momento em que a principal medida para salvar vidas era, e continua sendo, a de ter uma casa para ficar. Foi uma imensa luta para sensibilizar o parlamento para aprovar essa lei e também depois para derrubar o veto de Bolsonaro. Essa, sem dúvida, é uma grande vitória da mobilização de todas e todos que lutam em defesa do direito à moradia e para salvar vidas na pandemia.”, disse a deputada.
Na Paraíba, ato também pede a homologação do decreto do Governador
Por decreto, o Governador João Azevedo empossou a Comissão de Combate à Violência no Campo e na Cidade, composta por 15 membros de órgãos e instituições estaduais, federal e sociedade civil, em solenidade virtual, em dezembro de 2020.
Solenidade virtual com o governador João Azevêdo, em dez 2020
No entanto, até hoje a Comissão não foi homologada em Diário Oficial. Esta também será uma das pautas do ato desta terça-feira.
::DIREITOS SOCIAIS | Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade é empossada
“A gente tem uma Comissão de Combate à Violência no Campo e na Cidade, um avanço fundamental, em outras estados se chama grupo de gerenciamento de crise ou grupo de mediação de conflito. Ela estabelece minimamente parâmetros, tanto dos movimentos como do sistema de Justiça com a Polícia, que é a executora dos despejos, e as entidades. No entanto, o Governo do Estado ainda não publicou, está na mesa do Governador há mais de um ano”, conta Gleyson.
O Governador da Paraíba baixou um decreto, mas até hoje não referendou no Diário Oficial. O movimento pede uma audiência pública com para que ele encaminhe esse decreto - são mais de três mil famílias em vias de despejo e remoção no estado, precisando desta regulamentação.
“O decreto dispõe de um protocolo de remoções onde define exatamente o quê e como fazer o despejo, para que não seja alguma coisa mais desumana do que já é”, define Gleyson
Outra audiência requisistada pelo movimento é com o Tribunal de Justiça da Paraíba, que já foi protocolada mas até agora não obtiveram retorno.
Caso Dubai
O caso mais emblemático de despejos irregulares durante a pandemia foi o da comunidade Dubai, na capital, João Pessoa. Cerca de 400 famílias foram desalojadas, entre elas, crianças, idosos e deficientes, grupos vulneráveis que contam com especial proteção do Direito e das instituições.
Famílias de Dubai alojadas no ginásio Hermes Taurino - entre o que restou e sem privacidade. / Foto: Heloisa de Sousa
Foram despejadas durante a pandemia, contrariando as recomendações do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Direitos Humanos. A Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade (COECV) repudiou o que chamou de "violações aos direitos fundamentais das mais de 400 famílias removidas da ocupação Dubai, em João Pessoa". Para a Comissão, a "condição improvisada e precária dos alojamentos para os quais as famílias desalojadas foram levadas” demonstravam a falta de planejamento para o despejo na pandemia e que tal fato é uma continuidade das violações contra a dignidade humana que as famílias de Dubai estavam passando.
As pessoas foram amontoadas numa escola, fato que potencializou ainda mais o grau de vulnerabilidade das famílias que, imediatamente, pegaram covid e até outras doenças como a doença do pombo.
Situação das crianças desocupadas de Dubai. / Instagram Todos Pelo Aratu
Outros despejos aconteceram durante a pandemia, embora com menor impacto, como por exemplo, uma família no bairro José Américo e algumas famílias na Praia do Sol, também outras no Valentina. Todos casos pequenos comparados à destruição e truculência praticados na comunidade Dubai.
Ocupacao Ladeira São Francisco - 13 familias ocupam há cinco anos uma casa da Pefeitura, no centro de João Pessoa. Sem a prorrogação, temem um despejo. Vivem de catação de resíduos sólidos e de bicos pelo centro da cidade / Foto Reprodução
Para Gilmar Felipe, liderança do MST na Paraíba, o ato desta terça-feira tem o intuito de sensibilizar o Poder Judiciário. “Precisamos sensibilizar o Supremo e os políticos desse país para pensar nessas pessoas que hoje vivem desempregados e na miséria, e não têm para onde ir. O acampamento tem sido esse lugar de produção e reprodução da vida num período tão difícil, e para aqueles que lutam pelaReforma Agrária, os acampamentos são instrumentos de luta, pela conquista de um pedaço de chão para produzir alimento e para poder viver”.
Gilmar lembra ainda que no período de pandemia tem-se fortalecido as ações de solidariedade com o povo da cidade na doação de alimentos: “Levamos comida para a mesa dos brasileiro e se essas família todas que estão em acampamento forem despejada num período tão difícil desse? Então esse ato de amanhã, essa mobilização é que prorrogue a ADPF que garanta que não haja despejos, não só por causa da pandemia, mas também por todo esse contexto histórico e político e que essas famílias continuem tendo o direito de viver, de produzir, de ter um lugar ainda pra viver”
Edição: Heloisa de Sousa