Paraíba

CERCEAMENTO

Evento sobre desinformação e democracia sofre censura parcial por parte de superiores do MPF/PB

Seminário teve de ser deslocado para o Espaço Cultural pra que pudesse ter liberdade de acontecer com o seu público alvo

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Reprodução - Card: Reprodução

Um seminário sobre “Desinformação, Letramento Midiático e Democracia” acabou se tornando objeto de censura por setores da ala superior do Ministério Público Federal da Paraíba.

Marcado (inicialmente) para o dia 4 de agosto, no auditório do MPF, o evento provocou objeção por parte de alguns procuradores, o que resultou numa censura por parte do procurador-chefe do MPF, Guilherme Ferraz, que resolveu restringir as vagas para a participação no evento. 

Ele determinou que apenas 60% da capacidade do auditório - que é de 100 pessoas - estivesse disponível. Ferraz também determinou que não liberassem o acesso sem inscrição prévia, e sugeriu a escolha de outro espaço para a realização do evento caso quisessem manter a configuração inicial. 

“O entendimento externado por eles em reuniões interna foi de que a mesa redonda poderia gerar ‘conotações político-partidárias’, em decorrência da polarização política existente no Brasil. Esta visão foi exposta pela procuradora-geral eleitoral, Acácia Suassuna, durante reunião virtual, ocorrida na última sexta-feira (29) e posteriormente em memorando encaminhado por ela ao procurador-chefe do MPF, Guilherme Ferraz”, escreveu Suetoni Souto em seu blog de notícias.

O seminário é uma promoção do MPF (através do procurador da República, José Godoy), do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac-PB), juntamente com o Observatório Paraibano de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba, e o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, organização que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil.

O Findac-PB tem centrado suas atenções, nos últimos meses, no monitoramento da relação entre mídia e violência na Grande João Pessoa, identificando as violações de direitos humanos cometidas por programas exibidos nas TV’s e Rádios. Este, inclusive, é o tema principal do evento e também alvo de apuração conduzida por José Godoy. Apesar disso, entendem os procuradores, a amplitude do público e da temática acessória poderiam trazer desdobramentos que resvalem na discussão política.

Godoy: “Eu entendo que houve um equívoco, uma interpretação equivocada sobre o evento, sobre o direito à comunicação, que é um direito fundamental. Mas, para evitar um desgaste maior, resolvemos levá-lo para outro espaço, o Espaço Cultural. O movimento não tem conotação política alguma. Trata-se de um direito fundamental à comunicação onde a ONU vem debatendo, chamando a atenção dos estados-membros, para dar ênfase especial à comunicação dos grupos vulneráveis, grupos minoritários. E o Ministério Público Federal cumpre seu papel, e não tem conotação política em hipótese alguma”.

E ele explica a sonegação de direitos: “Este é um evento importante e é papel do ministério público atuar na defesa desse direito constitucional, Artigo 129, inciso 2 e Artigo 220 da Constituição Federal. E queremos convidar as pessoas para participar, porque será um evento muito rico para debatermos o que é o direito à comunicação, que é um direito fundamental que vem sendo sonegado aos movimentos minoritários, e que esta sonegação silencia os grupos minoritários impedidos de participar dos debates, e consequentemente de formulação de políticas públicas, e de ter voz”.

Entre os convidados para o evento estão desde Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Procuradoria Regional Eleitoral (PGE) e Defensoria Pública (do Estado e da União), a representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Associação Paraibana de Imprensa (API) e os já citados Coletivo de Mulheres do PT e Coletivo de Mulheres do Psol. 

A lista de convidados incomodou setores do MPF a ponto de se criar uma discussão interna. Entre os argumentos está a ‘preservação da imagem’ da Procuradoria Regional da República, conforme trecho do memorando abaixo:

“As ponderações feitas pela titular da PRE e por diversos outros Procuradores desta unidade merecem detido exame, considerando que, embora o evento em si não se volte a promover atos de cunho eleitoral, comporta riscos de deturpações diante da amplitude e heterogeneidade do público externo a estar presente, num momento tão próximo de pleito eleitoral caracterizado por notório acirramento de posições e divergências políticas. E, de fato, esse tipo de ocorrência pode ser danoso à imagem do MPF perante segmentos da sociedade local”, disse Guilherme Ferraz, em memorando o qual o blog do Suetoni teve acesso.

Veja a lista dos órgãos e entidades convidados:

Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba – TRE/PB
Procuradoria Regional Eleitoral da Paraíba – PRE
Defensoria Pública da União – DPU
Defensoria Pública do Estado – DPE
Ordem dos Advogados do Brasil Seccional da Paraíba – OAB/PB
Comissão de Direitos Humanos da OAB/PB
Comissão de Combate a Violência e Impunidade contra a Mulher da
OAB/PB
CUT
CPT
API
Cunhã coletivo feminista
ADUF
Centro da mulher 8 de março
MEL
Maria Quitéria
Projeto Lis
Coletivo de mulheres PSOL
Coletivo mulheres PT
Coletivo Pachamama
Coletivo de mulheres negras Abayomi
Associação das Travestis
Comitê de politicas de prevenção e enfrentamento à violência contra as
mulheres da UFPB
Nivea Carneiro
Regina Negreiros

“É primordial a participação dos grupos marginalizados, mulheres, negros, quilombolas, indígenas, população LGBTQIAP+, e também jornalistas. E agora, para evitar qualquer tipo de discussão, nós estamos estendendo a todos os partidos políticos também”, conclui José Godoy.

O evento também será transmitido pelo YouTube do MPF/PB. 

Sobre o evento

O seminário sobre “Desinformação, Letramento Midiático e Democracia” irá discutir a desinformação, a democracia e o letramento midiático (habilidade para compreender como funcionam as mídias e os produtos informacionais). A mesa terá palestra da professora Eliara Santana, pesquisadora do Observatório das Eleições e da Democracia (INCT/IDDC/UFMG), em estágio de pós-doc, e que desenvolve pesquisas sobre o sistema de informação no Brasil (estratégias de produção do discurso midiático, com a tese sobre o Jornal Nacional já publicada em livro), as estruturas da desinformação no Brasil, a desinfodemia (pandemia de desinformação) no país e o papel do letramento midiático. Eliara também é pesquisadora do IEL/Unicamp e do Grupo de Pesquisa Mídia e Opinião Pública nas Relações Internacionais da UFPB.


Reprodução / Card: Reprodução

O evento ocorrerá no Espaço Cultural, no dia 04/08, às 13h30, na capital, e é promovido pelo MPF, Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac-PB), Observatório Paraibano de Jornalismo da Universidade Federal da Paraíba, e pelo Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, organização que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil.

O objetivo do evento é discutir com o público paraibano o fenômeno da desinformação, que tem atingido as democracias em diversos países, prejudicando o debate público por meio de manipulação e intolerância político-ideológica. São esperadas presenças de representantes dos diversos segmentos da sociedade atingidos pela pandemia de fake news, como movimentos sociais, organizações de comunicação, órgãos públicos e diversas entidades.

A palestrante Eliara Santana também é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela PUC-MG, com especialização em análise do discurso. Santana é co-autora do livro ‘Jornal Nacional, um projeto de poder’, no qual, em parceria com  ngela Carrato e Juarez Guimarães, analisam o papel político do telejornal e questionam o discurso de isenção de um dos principais noticiários do país. Eliara Santana também é autora do livro “Jornal Nacional, um ator político em cena”, no qual discorre sobre qual foi a contribuição das estratégias discursivas do telejornal no processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Inscrições e cartilha – O evento é gratuito, aberto a todas as pessoas que se interessem pelo tema e espera-se a participação de segmentos da sociedade atingidos pelo fenômeno da desinformação. Para participar, basta preencher o formulário de inscrição disponível no endereço: https://bit.ly/3IsQsZl

Os primeiros inscritos receberão a cartilha Desinformação: Ameaça ao Direito à Comunicação Muito Além das Fake News, produzida pelo Coletivo Intervozes, em 2019, para discutir o impacto desse fenômeno na política e na vida social.

A preocupação sobre desinformação tem mobilizado esforços no Brasil, na Colômbia, nos EUA, na Índia, na França, na Nigéria e em diversos países. Entretanto, a palavra “fake news” lida mal com a complexidade de um problema maior que o simples julgamento sobre a verdade ou a falsidade de um conteúdo. Ciente disso, o Intervozes, que tem acompanhado a questão em uma perspectiva de defesa do direito à comunicação, considera que a chave da questão é a desinformação. Na cartilha, o Intervozes retoma as discussões sobre as origens das “fake news”, impactos na política e na liberdade de expressão e apresenta possíveis saídas para esse problema.

Com informações de suetonisoutomaior.com.br e  Assessoria do MPF/PB.

 

Edição: Maria Franco