Pensa sobre quem você quer colocar no senado, na câmara dos deputados e na presidência.
Por Rosa Marques*
Quero falar para você leitora ou leitor desse escrito, que minhas reflexões perpassam pelas minhas experiências de mulher negra, militante, socióloga, e meu compromisso na luta contra o racismo/patriarcado/sexismo, quaisquer formas de discriminação, e pelo direito à vida!
Então, você considera que a pandemia gerou desigualdades sociais e raciais no Brasil, ou essas desigualdades já estavam aqui e foram intensificadas? Eu penso que elas nunca deixaram de existir, porém tudo foi ficando bem pior, não necessariamente apenas por conta da pandemia, mas principalmente por termos um projeto político para o país pautado no racismo, no patriarcado, no classicismo, na discriminação, onde a insensibilidade, a ganância, o descaso, a ausência, lentidão e efetivação de políticas públicas eficazes são reais.
É fato que as consequências da pandemia contribuíram para uma insegurança alimentar gritante, e empobrecimento mais ainda da população negra. As pessoas já não fazem mais as três refeições diárias, e o miojo se tornou nas periferias a possiblidade mais viável para “alimentar” a família. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas1 , “a pobreza nunca esteve tão alta no Brasil quanto em 2021, desde começo da série histórica em 2012”. Essa pobreza tem cor, e ela é preta! Atualmente temos famílias inteiras morando nas ruas, os diversos tipos de violência contra as mulheres, os feminicídios aumentaram absurdamente no período mais crítico da pandemia, e parece que se “firmou como algo natural”.
Ainda estamos subjetivamente presas, presos e preses no que diz respeito à ideia de uma falsa democracia racial. Percebo que ainda não sabemos fazer análise de contextos, de cenários políticos, do que significa, e por que as desigualdades raciais e de gênero são estruturantes, e por que a população negra ainda carrega o estigma social da negatividade.
E fico pensando: Por que nossa Constituição não garante de fato os direitos, princípios fundamentais; os direitos e garantias fundamentais em seus artigos2 1º e 5º na íntegra, por exemplo? O que nos falta? Por que cotidianamente há tratamento diferenciado para ricos, e quando se trata de pretos e pobres, o caminho é o cárcere, a violência, a morte psíquica e física? Já nos perguntamos por que nós pagamos aos governantes para nos representar, e muitos não fazem seu serviço direito, e continuamos garantindo que eles/elas tenham moradias caras, transporte, alimentação, um alto salário, enquanto a maioria da população não tem onde morar e o que comer? O que nos falta para desmontar esse cenário desigual? O que justifica um deputado, senador, por exemplo, ter todos esses benefícios, e a classe trabalhadora que acorda às quatro, cinco ou seis horas para pegar um péssimo transporte, ir trabalhar sem alimentação adequada, e às vezes sem ela, ganhar um mísero salário-mínimo?
Quem terá a capacidade de se desvencilhar de seus privilégios? De propor que seu salário seja o suficiente para realizar a tarefa a ele/a concedida. Quem? Ou 'Quems'? Temos muito que avançar em estratégias de mudanças para uma sociedade justa e igualitária, com representantes exercendo de fato o seu papel em todas as esferas governamentais.
Infelizmente uma grande parte da população ainda está submersa nos moldes de uma educação desarticulada com a vida, dominadora, omissa, tecnicista, excludente, do reconhecimento das diversidades e diferenças culturais deste país, e não libertadora como propunha Paulo Freire, desenvolvendo uma consciência crítica para superar a ideologia da opressão. Penso que o pensamento crítico nos permite conhecer quem somos, nos indignar, respeitar, solidarizar, e no caso das eleições, votar conscientemente.
Nossa ideia é pensar numa eleição que se aproxima, e todas as eleições doravante. Sendo assim, quero chamar atenção do discurso do senso comum, que a pandemia nos deixou mais empobrecidas/os, e com desigualdade sociais (sem pensar no contexto de raça/gênero), sem analisar o passado que reverbera no presente e futuro. E o que isso tem a ver com eleições? Fiquemos em alerta, pois a pandemia será palco para alguns, com justificativa de “garantia de direitos” baixando taxas, doação de vale gás, entre tantas outras malícias, práticas seculares de troca de votos frente à miséria das pessoas, sem propor de fato mudanças. É sabido que essa prática maldita é de bom grado para aquelas pessoas que querem o imediato, e gostam do jeitinho brasileiro de fazer politicagem, sem pensar nas consequências. Penso o quanto é importante nos organizarmos coletivamente, sejam em movimentos, fóruns, grupos de estudos, associações de moradores, entre outros. Embora corroboro com Oliveira3 a partir de suas análises dos escritos de Karl Marx, que,
“consciência de classe conduz, na sociedade capitalista, à formação de associações políticas, (sindicatos, partidos) que buscam a união solidária entre os membros da classe oprimida com vistas à defesa de seus interesses e ao combate aos opressores”.
Infelizmente estes espaços hoje estão desacreditados, por estarem corrompidos por indivíduos com interesses próprios. Mas eles não deixam de ser importantes, pois ainda há pessoas decentes lutando por dias melhores.
As últimas eleições foram um palco de horror, de inverdades, de mediocridade, de violências, mentiras, novas estratégias da politicagem, do descaramento das pessoas de má fé. Tivemos direitos desrespeitados, discurso de ódio contra pessoas negras, indígenas, mulheres, LGBTQI+, até nossa jovem democracia foi minada. Tenho muito medo de quem fala em nome de Deus! Diante disso, fazendo uma analogia à Caverna de Platão4, uma grande maioria da população parece que regrediu e retornou para ela, vendo apenas uma única imagem, uma única verdade, mesmo tendo estado fora dela em algum momento. Para elas não há escuta, a cegueira impera, e até mesmo o desequilíbrio raivoso foi escolhido como estratégia mais comum para dizer o indizível.
Em contraponto a esse cenário caótico, desesperançoso, quero trazer um cenário onde as mulheres negras e trans que estão colocando seus corpos na cena política, enfrentando seus partidos, sociedade, para serem reconhecidas e legitimadas como seres pensantes, atuantes, capazes de mudar a fotografia do parlamento, como diz Vilma Reis, candidata a deputada federal da Bahia, com qualificação e representatividade.
Esse pensamento de Vilma Reis e de tantas outras mulheres negras e trans deste país, só reforça que elas estão no caminho certo. Vejamos, depois de 55 anos de existência do plenário do Senado, só em 2015 foi feito uma reforma para construir banheiro para as mulheres?! O que isso significa? Que leituras fazemos? Imaginem agora, homens brancos, heteronormativos, mulheres brancas admitirem que mulheres negras e trans, periféricas ocupem estes espaços de poder(que deveria ser paritário), em quaisquer das esferas governamentais?! Nós, mulheres negras, somos hoje o segmento mais numeroso no total da população brasileira: somos 28% do total. E somos menos de 3% no Congresso Nacional. Não é muito diferente no nível estadual e no nível municipal.
Em Recife/Pernambuco há uma iniciativa da sociedade civil organizada, a partir da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco5 em parceria com a Casa da Mulher do Nordeste6, que vêm desde o ano de 2019, fortalecendo e estimulando mulheres negras do nordeste para os espaços de poder, á democracia participativa com formações politicas, tais como advocacy e mídia trainer entre tantas outras ações. A última ação pública dessa inciativa aconteceu dia 12 de agosto deste ano em Recife, onde foram apresentadas mais de 30 candidaturas de mulheres negras dos 09 estados do Nordeste - O Encontro de Mulheres Negras do Nordeste: Enegrecendo o Parlamento!, como tantas outras inciativas que possibilitam as mulheres de maneira geral, as mulheres negras, indígenas a ocuparem esses espaços, me faz compreender que ainda há esperança de mudança desse cenário político masculino/branco/heteronormativo. Temos mulheres negras capazes de retomar a construção de uma democracia participativa, representativa, democrática, traçando novos rumos. E brevemente desejamos que uma delas possa assumir a presidência deste país, com apoio da população, e respondendo aos misóginos, fascistas, fundamentalistas que há caminhos outros que não sejam dos privilégios, do enriquecimento e da morte, e que nossa Constituição de fato, seja para todos, sem distinção de cor, raça, credo entre os demais princípios que nela se encontra!
Precisamos resgatar o amor pela nossa bandeira, sem associar a indivíduos, a partido.
Vamos argumentar e não jogar palavras sem sentido! Sensibilização não condiz com achismo! Não podemos perder nossa humanização. Pensa que têm algumas coisas que ainda te deixam na caverna. Lá fora há tempestades, mas há sol, há chuva para refrescar. Eu te pergunto: como você gostaria que alguém te mostrasse caminhos que levassem para fora da caverna?
Então, vamos pesquisar, ler, saber quem são as pessoas que estão no cardápio das eleições que nos querem “representar”, o que elas estão propondo e se você se ver inserida/a/e. Pensa sobre quem você quer colocar no senado, na câmara dos deputados e na presidência. Nada funciona isoladamente, o rumo do país tem que ter consonância de ideais de justiça social e equidade. Uma maçã podre na cesta, já viu né!
Teu voto é importante, mas ele precisa ser crítico e coerente!
Notas
1. Fonte: https://www.cps.fgv.br/cps/bd/docs/Texto - MapaNovaPobreza_Marcelo_Neri_FGV_Social.pdf
2. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
3. OLIVEIRA, Marcia Garcia de; QUINTANEIRO, Tania. Karl Marx. In Um Toque de Clássicos. Ed. UFMG 2002, p. 44.
4. https://www.reaprendentia.org/alegoria-da-caverna-de-platao-e conscienciologia/?gclid=Cj0KCQjwr4eYBhDrARIsANPywCgNkJ3xWpwdY_nf4voh7IOEy1Eb_iVPX4aez5IOMBxpBKmUQsv7aZ4aAr1FEALw_wcB
5. Instagram: redemulheresnegrape e euvotoemnegra
6. Instagram: cmnordeste
*Mestre em Ciências Sociais. Colaboradora do NEABI/PB, e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco.
Edição: Maria Franco