Desde as eleições de 2012, as disputas eleitorais no Brasil passaram a contar com um novo tipo de candidaturas: as candidaturas coletivas. Embora ainda não estejam regulamentadas pela legislação eleitoral, com o passar dos anos, as candidaturas coletivas tem despontado em todo país como uma possibilidade de transformar a política institucional a partir de novas formas de organização e participação popular.
Em dez anos, o número de candidaturas coletivas ao legislativo saltou de três, em 2012, para 213 em 2022, conforme aponta o Observatório das Eleições 2022. De acordo com o levantamento do Observatório, neste ano a maior parte das candidaturas vem de partidos de centro-esquerda, com destaque para o PSOL (33%) e o PT (16%), e apresentam mais mulheres e pessoas autodeclaradas pretas do que a média nacional.
Ainda segundo a pesquisa, o Nordeste é a região com a maior quantidade de candidaturas coletivas, com 37% do total. Para entender mais sobre o cenário na Paraíba, o Brasil de Fato PB conversou com representantes da Coletiva Nossa Voz (PT), Poder Delas (UP) e É Nóis a Mudança (PSOL). As duas primeiras concorrem ao legislativo federal e a última, ao legislativo estadual.
Representatividade
Além do fato de serem compostas por mais de uma pessoa, as candidaturas coletivas na Paraíba também são marcadas pelo protagonismo das mulheres. As chapas Nossa Voz e Poder Delas, por exemplo, são formadas exclusivamente por lideranças femininas, enquanto a É Nóis a Mudança é composta por uma mulher (Josi Barbosa) e um homem trans (Luyz Mariano).
Beatriz Firmino, integrante da Poder Delas ao lado de Vitoria Ohara e Luana Mafra, conta que a representatividade feminina foi um dos critérios no processo de construção da candidatura:
“Nós, da Unidade Popular, achamos que seria muito importante uma candidatura de mulheres. Aqui na Paraíba enfrentamos um alto índice de feminicídio e LGBTQIA+fobia, então é urgente um espaço onde possamos nos sentir representadas/es de fato, onde tenhamos um mandato voltado para a classe trabalhadora, a juventude, as mulheres e a comunidade LGBTQIA+”, explicou.
A diversidade e a responsabilidade com as lutas populares também foram fundamentais na composição da Nossa Voz, que conta com uma representante indígena (Jacyara Tabajara), uma professora (Danielle Alexa), uma catadora de materiais recicláveis (Egrinalda Santos) e a militante feminista Heloísa de Sousa. Segundo Heloísa, as eleitoras e eleitores paraibanos “enxergam na candidatura coletiva essa renovação e potência de mulheres que estão na luta não só pela política representativa mas pela melhoria das condições de vida do povo brasileiro”.
“A gente está com essa configuração diversa justamente como forma de fazer com que o povo brasileiro, esse povo diverso, possa estar na cena política, apresentando suas pautas, reivindicando suas necessidades e fazendo da política o que ela deveria ser, do povo brasileiro”, pontuou.
No mesmo sentido, Josi Barbosa, da É Nóis a Mudança, destacou que, além da paridade de gênero, o protagonismo de pessoas negras foi prioridade no processo de construção da chapa.
“O processo da composição da candidatura se deu a partir da decisão do PSOL Paraíba de formar uma chapa coletiva de negras e negros. Isso foi colocado como prioridade. Então os critérios foram os seguintes: serem pessoas negras, com visão alinhada a do partido, que lutam contra a LGBTfobia e o machismo, e que pelo menos 50% da chapa fosse mulher”, detalhou a candidata.
Desafios
Embora todas as chapas sublinhem a boa recepção por parte do eleitorado durante o início da campanha, por trazerem consigo a proposta de renovação da política, as candidaturas coletivas na Paraíba também tem se deparado com uma série de obstáculos e desafios. A falta de recursos e a violência política são alguns deles.
Josi Barbosa, por exemplo, lembra que a equipe da É Nóis a Mudança precisou organizar uma rifa para custear o evento de lançamento da candidatura. Segundo ela, a falta de verba tem dificultado, inclusive, o deslocamento da equipe para divulgar a campanha em regiões dentro e fora da capital.
De acordo com Vitoria Ohara, além da falta de recursos financeiros, a Poder Delas também tem enfrentado episódios de violência política, sobretudo devido ao que ela chama de “fascistização da política”.
“Muitas vezes, quando a gente está na rua, vem algum bolsonarista, alguém que comunga com essas ideias, e nos xinga. Mas o importante é que a gente vê a reação das outras pessoas. A maioria delas não acha nada legal essas atitudes e acaba defendendo o nosso lado”, relata a candidata do UP.
A candidata da Nossa Voz, Egrinalda Santos, acrescenta ainda a descrença das pessoas na política como um desafio a ser superado pelas candidaturas coletivas.
“A construção da nossa candidatura vem pela confiabilidade do povo ao qual a gente representa, né? Então é esse o ponto que a gente sempre coloca: somos pessoas de base. Nós estamos bem intencionadas para com quem já vem diante de sofrimentos aos quais a gente também sente na pele”, disse a representante do Movimento dos Catadores de Material Reciclável.
Participação Popular
Sobre o funcionamento das candidaturas coletivas e possíveis mandatos, no caso de se elegerem, Heloísa de Sousa, da Coletiva Nossa Voz, explica que a falta de uma legislação que regulamente a atuação das chapas ainda é um grande obstáculo, pois, segundo ela, “esses espaços são construídos muito individualmente”.
“Por exemplo, na urna ainda não vai aparecer a foto das quatro. Vai aparecer a minha foto, que eu sou a candidata inscrita pela coletiva Nossa Voz. O TSE reconhece as candidaturas coletivas, mas ainda não está regulamentado que é necessário, por exemplo, que todas as integrantes possam formalmente dizer que são candidatas e, assim, se afastar [dos trabalhos] para poder fazer as campanhas”, ressaltou a candidata.
Sobre a condução de um possível mandato, Heloísa comenta que a Nossa Voz conta com um “conselho político amplo e plural” que define a linha política e os passos da candidatura.
“Tudo o que a gente decide, todas as propostas, os passos, tudo vem do consenso das candidatas. Das candidatas que, por sua vez, não representam a si mesmas, mas representam movimentos populares. Então cada uma de nós é a síntese do que está sendo debatido e do que pensam esses movimentos”, esclareceu.
Segundo Luana Mafra, a participação popular também tem fundamentado todas as decisões e ações desenvolvidas pela Poder Delas. Para a candidata, o propósito de um mandato coletivo é justamente “chamar as pessoas para compor esse mandato, para se organizarem”.
“A gente ainda nem foi eleita, mas o nosso programa, inclusive, já está sendo construído dessa forma. Chamando as pessoas para dizer o que é que nós estamos precisando. Então o mandato vai ser da mesma forma”, concluiu.
“Para além de chamar as pessoas pra votar no dia dois de outubro, a gente tem chamado as pessoas pra construir junto e tem dado muito certo”, acrescentou a companheira de chapa, Vitoria Ohara.
Na mesma linha, Josi Barbosa, do É Nóis a Mudança, reforça: “Sendo eleitos, nós pretendemos buscar a democracia, como estamos buscando desde o início da nossa pré-campanha. Ouvir as pautas um do outro e dialogar em todo momento. Esse é um acordo nosso que precisamos e queremos levar seguramente à frente”.
Edição: Maria Franco