Às vésperas das eleições de 2022, grupos de garimpeiros ilegais se tornaram canais de propagação de notícias falsas e ataques a políticos do campo democrático. A principal vítima da campanha de desinformação é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No pleito deste ano, o petista promete acabar com a mineração irregular e interromper as crescentes invasões em Terras Indígenas (TIs). Jair Bolsonaro (PL), principal rival de Lula, estimulou publicamente o garimpo em terras indígenas e tentou minar a proteção constitucional sobre os territórios ancestrais.
A reportagem monitorou grupos no Facebook e no WhatsApp integrados por garimpeiros que atuam em três das TIs mais afetadas pela atividade predatória: Yanomami (RR), Kayapó (PA) e Munduruku (PA).
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A análise do Brasil de Fato revela que o candidato à presidência com mais menções favoráveis nos fóruns virtuais da mineração ilegal é Bolsonaro. Já os ataques e as notícias falsas se concentram em Lula, visto como uma ameaça à continuidade das atividades.
A Lula, as publicações atribuem a ameaça da "volta do comunismo" e um falso acordo entre o petista e banqueiros para acabar com o Pix. Uma montagem falsa mostra o ex-presidente usando uma tornozeleira eletrônica no debate entre presidenciáveis da Globo. E um internauta comenta: "meus amigos garimpeiros, não votem no PT".
"PT quer quebrar a nossa região"
Um dos grupos reúne mineradores de um dos polos mundiais da extração ilegal de ouro, Itaituba (PA). A atividade afeta diretamente a TI Munduruku, no rio Tapajós, onde 100% dos indígenas estavam contaminados por mercúrio, segundo estudo publicado pela Fiocruz em parceria com o WWF-Brasil em 2020.
No mesmo grupo, anúncios de prostituição e de compras de celular via satélite dividem espaço com a mensagem: “PT Quebrou o Brasil! Agora querem Quebrar nossa Região. Quero dizer aqui... Meus Amigos Garimpeiros não Votem no PT”.
Publicação em grupo de Itaituba (PA), um dos polos mundiais da mineração ilegal: "Querem quebrar nossa região" / Reprodução/Facebook
Alguns mineradores ilegais se decepcionaram com Bolsonaro. Um deles publicou um vídeo gravado no garimpo conhecido como “Creporizão”, no rio Crepori, que deságua no Tapajós. As imagens mostravam balsas e escavadeiras pegando fogo, supostamente após uma operação do Ibama. No vídeo, o autor da gravação responsabiliza Bolsonaro pelo prejuízo financeiro e manda um recado ao atual presidente: “A população vai escarrar você que nem Jesus fez com o diabo”.
A reação dos bolsonaristas é imediata. Uma apoiadora argumenta que a ordem para destruir o maquinário não parte do presidente, mas sim do Supremo Tribunal Federal (STF). “Esse decreto [que permite destruição de maquinários do garimpo] foi feito no Governo Lula. Prestem atenção, eles querem que o povo pense que essa ordem vem do Presidente Jair Bolsonaro. Não existe isso. Só leigos para não entender, infelizmente”, diz a resposta.
Montagem de Lula no debate da Globo
Outro fórum virtual tem mineradores de Ourilândia do Norte (PA), município sobreposto à TI Kayapó e uma das principais cidades garimpeiras do Brasil. Em meio a anúncios de venda de maquinário usado na mineração, uma imagem traz a manchete “Banqueiros definem apoio à Lula em troca da revogação do PIX”.
A notícia falsa simula a identidade visual do portal G1 e afirma que o pix fez com que banqueiros “perdessem bilhões”. O Brasil de Fato já mostrou que o discurso, propagado pelo próprio Bolsonaro, não corresponde à realidade, já que os bancos brasileiros tiveram lucros recordes durante o governo Bolsonaro.
Mais fake news: "Adeus Pix, se Lula for eleito" / Reprodução/WhatsApp
Uma das postagens apela para o falso clichê do “perigo comunista”, caso Lula vença as eleições. “A culpa é do povo que vota nessa esquerda comunista maldita, demagoga, opressora, populista, hipócrita, totalitária, socialista, do ‘fomiséria’”, diz trecho da mensagem.
Outro grupo reúne mineradores ilegais que atuam na TI Kayapó. Após o debate entre candidatos à presidência transmitido pela Globo na quinta-feira (29), circulou uma foto de Lula nos estúdios da emissora de TV. A imagem foi adulterada, e Lula foi mostrado com uma tornozeleira eletrônica. “Isso a Globo não mostra”, diz a legenda.
Montagem adultera foto de Lula no debate da Globo e inclui tornozeleira eletrônica / Reprodução/Facebook
Fake news requentada circula entre invasores da TI Yanomami
Na internet, garimpeiros discutem livremente o dia a dia da atividade ilegal na TI Yanomami. É comum encontrar anúncios de empregos em casas de prostituição e oferecimento de serviços, como telefone e internet. O sofrimento dos indígenas, que vivem uma tragédia humanitária provocada pela exploração do ouro, nunca é sequer mencionado.
Ultimamente fake news eleitorais contra Lula têm movimentado o grupo. Um vídeo diz que o petista foi responsável por “transformar a educação em prostituição”. O locutor o acusa de corrupção, citando processos da operação Lava Jato nos quais o ex-presidente já foi inocentado. Na publicação, um comentário se refere a Lula: “Um misera desse merecia estar debaixo de 7 palmos”.
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Em outro vídeo, o locutor promete revelar o “plano de governo secreto” do ex-metalúrgico, que incluiria “liberar o aborto”, “destruir a família”, “liberar drogas”, “destruir a classe média” e “perseguir violentamente os religiosos”. O candidato jamais defendeu nenhuma dessas propostas, que costumam ser usadas de maneira mentirosa para demonizar o petista entre eleitores conservadores.
Em outra fake news requentada, um vídeo mostra uma mulher convocando um protesto chamado de “maconhaço” em apoio à Lula. Na publicação, um texto afirma que ela é filha da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS). Mas nada disso é verdade. A mulher que aparece no vídeo é uma personagem criada pela humorista Rafaella Gappo. A notícia falsa foi mais uma vez desmentida em maio deste por uma checagem do jornal O Estado de S. Paulo.
Edição: Glauco Faria
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