Desde 2018, as eleições brasileiras (gerais e municipais) têm sido marcadas pelo forte embate ideológico protagonizado, sobretudo, por setores políticos de extrema-direta. Alimentados por redes de desinformação e sistemas de produção massiva de notícias falsas (fake news), os debates e campanhas políticas tem substituído os tradicionais temas da saúde, emprego, moradia, educação e segurança por outros mais subjetivos e que envolvem termos como “ideologia de gênero”, “anticomunismo” e a defesa “da família, dos valores e do cidadão de bem”.
De acordo com Gilmar Felipe, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra da Paraíba (MST-PB), além de esvaziar a discussão política, essa mudança de estratégia das campanhas tem como objetivo fazer com que a população esqueça do que, segundo ele, “é central para a vida povo”.
Ao avaliar as campanhas no primeiro turno e considerar os desafios que se impõem no segundo turno das Eleições 2022, Gilmar comenta que é fundamental que os setores progressistas aproveitem a campanha eleitoral para “retomar para a centralidade do debate aquilo que é estruturante para a sociedade” e não caiam no “campo raso da política que Bolsonaro tenta empurrar pra gente”. Neste sentido, para ele, a questão da volta da fome deveria ser o principal assunto do segundo na Paraíba.
“O que está em pauta [no segundo turno] é uma disputa de projeto de sociedade, de concepção do mundo, de concepção de relação humana. E é isso que tem que pautar a nossa vida. A gente está em um momento onde a fome se espalhou na nossa sociedade. A fome tomou conta da vida do nosso povo. A miséria, o povo morando na rua. É importante todo mundo ficar atento a isso”, pontuou.
Agricultor familiar e assentado do MST há mais de 20 anos, Gilmar explica que mais do que a apresentação de políticas assistencialistas, o tema da fome, por si só, envolve uma gama de discussões que envolve desde a desigualdade social até a produção agroecológica de alimentos.
“Você não pode dialogar com a fome sem dialogar com a concentração da terra, sem dialogar com o latifúndio e sem trazer como alternativa a reforma agrária, a agricultura familiar e a produção de alimentos sem veneno para o povo. Nós não podemos nunca esquecer a desigualdade que é provocada pela propriedade privada dos meios de produção e pela propriedade privada da terra. Eu acho que esses são temas que devem ocupar a nossa vida política”, concluiu.
Organização Popular
Ainda em relação às Eleições 2022 na Paraíba, o coordenador do MST concorda que, de fato, neste momento, a conquista de votos para os candidatos que defendem os direitos da classe trabalhadora deve ser o principal objetivo de movimentos, partidos, organizações e militantes. Principalmente no atual contexto de escalada da extrema-direita e de ataques à democracia em âmbito federal e estadual.
Porém, além disso, Gilmar observa que a campanha eleitoral pode ser aproveitada como um processo de organização popular capaz de fomentar debates e articulações políticas que, inclusive, se estendem para além do processo eleitoral. Neste sentido, ele destaca a experiência dos comitês populares de luta, criados logo no início das campanhas no primeiro turno.
“Na nossa avaliação, os comitês populares foram o principal instrumento de organização popular atuando dentro do processo eleitoral, dando um outro conteúdo, um conteúdo mais ampliado. Nos assentamentos do MST, por exemplo, tiveram vários comitês populares que ajudaram a fortalecer o debate político entre o próprio povo. E assim foi em todo território da Paraíba”, explicou.
Segundo Gilmar, mais de 80 comitês foram criados em todas as regiões do estado ao longo do primeiro turno. Em relação ao debate político promovido nesses espaços, ele acrescentou:
“Esses comitês tem se tornado centrais para a continuidade do debate com a população sobre os desafios que a gente vai enfrentar na sociedade de agora em diante no enfrentamento ao fascismo. A gente não pode confundir a disputa eleitoral com a luta maior que é a luta de classes, que é esse enfrentamento que se dá entre os dominados e os dominantes. Muitas vezes o processo eleitoral não representa as nossas pautas de verdade, aquilo que a gente almeja como movimentos sociais, como movimentos que representam a classe trabalhadora”, afirmou.
Além dos comitês populares, em algumas cidades foram organizados comitês municipais com organizações em torno da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Mesmo que, às vezes, todo mundo estivesse com suas candidaturas ‘domésticas’, a nível nacional a gente está alinhado a um mesmo processo, a um projeto. Entre esses comitês municipais de luta pró-Lula eu destacaria o de Campina Grande, que foi fundamental para que Lula saísse na frente na cidade”, ressaltou.
Segundo turno
Sobre a campanha no segundo turno na Paraíba, Gilmar aposta no fortalecimento dos instrumentos de organização popular e na unidade das organizações dos setores progressistas no estado em torno da candidatura de Lula e da luta contra o fascismo.
“As organizações tiveram suas candidaturas, seus processos, e agora, no segundo turno, acreditamos que vamos construir uma unidade maior em torno do processo eleitoral. Eu acredito que gente avança muito mais com outros instrumentos e estruturas de organização popular como, por exemplo, as brigadas. A gente vai colocar o MST junto com o Levante, CPT [Comissão Pastoral da Terra] e MAB [Movimento de Atingidos por Barragens] tanto aqui em João Pessoa como em Campina Grande para fazer trabalho de base na periferia para combatermos o fascismo”, destacou o coordenador do MST.
Edição: Maria Franco