Por Arthur Guimarães*
Torcer ou não torcer? Eis a questão
A Copa do Mundo do Qatar, finalmente, começa para a seleção brasileira. O campeonato organizado pela Fifa vai, aos poucos, aquecendo as mídias e as paixões pelo mundo inteiro. No pentacampeão Brasil, esse processo parece ainda morno, principalmente, em razão de uma questão muito cara a nós: a fissura que o fascismo à brasileira produziu em nossa sociedade, e a captura das cores verde e amarelo como imagem daquele movimento. Consequência disso é o velho dilema entre boicotar a Copa do Mundo e a seleção canarinho ou resgatar o clima de torcida e o afeto de outros tempos não tão distantes.
O futebol é um Fato Social Total. É um fenômeno que ultrapassa as dimensões do lazer e do jogo, transformando-se em uma das principais alegorias das estruturas sociais modernas. Essa característica tão marcante, que talvez nenhuma invenção de nossos tempos apresente com tamanha sutileza, faz do futebol também instrumento passível de utilização para propaganda política e disputas em suas especificidades, entre as linhas de interesse e demandas pelo controle do mesmo espaço.
A imagem de “País do futebol”, alcunha que o Brasil foi fortalecendo ao longo do século passado, por exemplo, é resultado da propaganda nacionalista do governo Getúlio Vargas. Assim como durante a ditadura militar, o futebol e a seleção brasileira também foram capturados, especialmente, durante a Copa do Mundo de 1970.
Mas é preciso dizer, também, que o futebol apresenta uma característica que vai além da institucionalização das marcas, dos clubes e das empresas. O futebol nasce com perspectivas indissociáveis com a coletividade, formando identidades e favorecendo sociabilidades.
O futebol tem a capacidade de transformar e chamar a atenção para questões fundamentais da sociedade. Exemplo disso é a chamada “Democracia Corinthiana”, movimento liderado pelos atletas Sócrates, Casagrande e Wladimir, que representou um modelo de gestão democrática das ações políticas, trabalhistas, econômicas e sociais dentro de um microcosmo específico, mas de imensa repercussão social e midiática, no caso, um clube de futebol.
Por meio daquele movimento, a palavra democracia, antes proibida e pouquíssimo falada nos meios de comunicação, retornou à mídia brasileira em plena ditadura militar e espalhou-se pelas ruas e arquibancadas do país. Além disso, existem vários exemplos mundo afora da utilização do futebol como ferramenta de conscientização e mobilização de debates fundamentais para sociedade. A própria Copa do Mundo do Qatar tem deixado evidente que o futebol e a política são inseparáveis .
Partindo desta perspectiva, torcer para a seleção brasileira, neste contexto atual, é torcer para o futebol e sua representatividade e extensão para o povo brasileiro. É sobre um patrimônio cultural que nos foi usurpado, nesses últimos anos, mas que podemos recuperá-lo. Estamos prestes a virar a chave dos rumos e ares do país. O ano de 2023 será um ano de dificuldades, mas também um período de retomada. O Brasil está recuperando sua posição geopolítica no mundo. O Brasil é, principalmente, graças ao futebol, um dos países mais queridos e simpáticos do planeta.
Mas o fascismo daqui nos trouxe um sentimento negativo de brasilidade, baixa autoestima e ódio. Roubou-nos o sorriso e o gosto pelas coisas nossas. Precisamos superar isso. O futebol pode nos ajudar nessa empreitada. Como dito, o futebol é uma metáfora do mundo e tem imensa capacidade de transformação e mobilização social. O futebol não aliena. O futebol une.
Por isso, devemos sim, vestir a camisa amarela do Brasil e torcer para a Seleção nessa Copa do Mundo, sem perder a crítica, mas com bastante afeto. Pois, como disse nosso presidente Lula: “não existem dois Brasis” e vencer essa Copa do Mundo será simbólico e forte. A catarse de uma vitória vai representar a imagem da nossa retomada histórica. Essa Copa do Mundo será o pontapé inicial de um tempo bom, de um tempo de êxito e crescimento do país. O ano de 2023 será verde e amarelo como a delicadeza do canarinho.
*Arthur Guimarães é sociólogo
Edição: Cida Alves