No atual Governo Federal, abre-se possibilidades históricas para a (re)conquista de direitos sociais
Por Rafael Faleiros de Padua
Nesse início de fevereiro aconteceu na Fundação de Defesa dos Direitos Humanos a reunião ampliada do Fórum Estadual de Reforma Urbana da Paraíba, o FERURB-PB. A sala de reuniões da Fundação estava lotada de representantes dos mais diversos movimentos sociais, associações de moradores, entidades de defesa de direitos sociais, como Movimento de Moradia Mãos Dadas, Movimento Nacional de Luta pela Moradia, União Nacional de Luta pela Moradia, Movimento de Moradia e Luta Comunitária, Movimento de Lutas nos Bairros Vilas e Favelas, Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves, Movimento dos Trabalhadores por Direitos, Movimento Espírito Lilás, Centro de Mulheres Jardim Esperança, Associação dos Ambulantes e Trabalhadores em Geral da Paraíba, Associação dos Moradores do Assentamento Margarida Alves de Barra do Gramame e Praia do Sol, Instituto Voz Popular, Federação Paraibana do Movimento Comunitário, representante de Mandato Popular da Câmara dos Vereadores, Grupo de Estudos Urbanos/UFPB, entre outras entidades presentes.
Todo esse conjunto de movimentos e entidades representa a diversidade das lutas realizadas cotidianamente pelos grupos sociais que resistem e buscam por direitos nas cidades. Lutam nas mais diversas esferas de atuação, desde resistência contra a violência das expulsões de seus lugares de moradia até a busca por conquistas de direitos básicos para as parcelas da população que mais sofrem com as opressões da sociedade em que vivemos. Em resumo, são movimentos que buscam a melhoria de vida para os grupos que não têm direitos sociais garantidos concretamente. Por essa diversidade de lutas e suas especificidades, assim como por suas convergências na busca pela transformação social, essa reunião representou um importantíssimo momento de renovação e de fortalecimento do FERURB-PB.
O Fórum existe há quase duas décadas e vem atuando no esforço de construir melhores condições para as ações dos movimentos e das entidades que o compõem. Nos últimos 6 anos, em uma conjuntura nacional que foi um tempo de destruição de direitos sociais e de violência contra os movimentos sociais e os defensores dos direitos da classe trabalhadora, o Fórum resistiu trabalhando para que todos/todas permanecessem em articulação, inclusive cumprindo um papel importante no período da pandemia de Covid-19 organizando a distribuição de alimentos entre as entidades.
No momento atual, a conjuntura para os movimentos sociais mudou sensivelmente. Agora, com o novo Governo Federal que está reconstruindo os canais democráticos de debate com a sociedade civil e seus diversos grupos, abre-se novas possibilidades históricas para a conquista de direitos sociais. Por isso é de extrema importância o acolhimento que os movimentos sociais e entidades as mais diversas fizeram do chamado para virem se reunir no FERURB, sendo que muitas das entidades já fizeram parte e voltaram, e outras chegam nesse momento, porque se apresentam agora novas perspectivas para o avanço no debate sobre os direitos dos grupos sociais mais oprimidos na nossa sociedade e sobre os direitos da classe trabalhadora em geral.
Nesse sentido, a reunião dos movimentos e das entidades no Fórum fortalece muito a luta de todos, por diversas razões:
1-A socialização das lutas específicas de cada movimento e entidade junto com os outros movimentos pode ao mesmo tempo contribuir com a luta de cada movimento, assim como fazer com que haja reuniões de pautas e fortalecimento das lutas;
2-O Fórum não é uma entidade fechada, com uma pauta definida, mas um lugar de encontro das diversas lutas. Nesse sentido, funciona também como um lugar privilegiado de circulação das informações e conhecimentos das lutas populares em sua diversidade, sendo, portanto, também um lugar de construção de um conhecimento coletivo dessas lutas e para o fortalecimento delas.
3-As lutas por direitos são lutas por reconhecimento das demandas, das desigualdades denunciadas, dos problemas sociais vividos, das injustiças e também são enunciações das possibilidades de transformação social. A reunião das lutas num Fórum potencializa tanto as denúncias e as lutas por reconhecimento das demandas urgentes ou de longo prazo, mas também evidencia a esperança das conquistas de direitos e aponta para novas frentes de lutas possíveis.
4-A presença de uma grande quantidade de lutas sociais representadas no FERURB-PB dá visibilidade a essas lutas. Na sociedade em que vivemos, a opressão e violência sobre os movimentos sociais e sobre a classe trabalhadora faz com que haja uma invisibilização das lutas, muitas vezes criminalizando-as. É preciso que as lutas sejam difundidas e visibilizadas. A reunião delas no Fórum é uma forma de fortalecê-las enquanto mediações legítimas de grupos da sociedade que buscam direitos não conquistados ou ampliação de direitos.
5-O Fórum pode ser a possibilidade de construção coletiva de uma proposta de cidade como o lugar da vida de toda a sociedade, diferente da cidade totalmente voltada aos propósitos do mercado, produzida e pensada hegemonicamente enquanto mercadoria;
6-Coloca-se a necessidade também de uma ampliação do FERURB-PB para outras regiões da Paraíba. As lutas e os debates sobre elas se concentram nas grandes cidades, sobretudo em João Pessoa e região, mas se coloca como uma questão prioritária o envolvimento das lutas de outras regiões do Estado, tanto para o fortalecimento do Fórum, como para a potencialização das lutas nos lugares;
7-O fortalecimento do FERURB-PB, que só se efetiva com a ampla participação da diversidade das entidades e movimentos sociais, possibilitará uma ampliação do debate das lutas sociais da Paraíba com outras esferas de debate e de luta, como o Fórum Nacional de Reforma Urbana, que historicamente tem desempenhado um papel fundamental no avanço das conquistas de direitos no espaço urbano brasileiro. Essa aproximação com o FNRU é urgente e necessária, tanto para que as lutas realizadas na Paraíba sejam levadas para esferas nacionais de debates, como para que os debates mais gerais da escala nacional cheguem de forma mais regular aos debates e ações do FERURB-PB.
Nos debates da reunião do dia 1 de fevereiro ficou evidente que há a necessidade de uma compreensão mais ampla do sentido de reforma urbana e também do direito à cidade. O recurso ao conceito e muitas vezes palavra de ordem "direito à cidade" ilumina o fato de que as lutas abrangem as questões de moradia e serviços básicos para a reprodução da vida com dignidade nos espaços urbanos, mas têm que envolver também as lutas das mulheres; dos comerciantes ambulantes; da população LGBTQIA+; dos catadores de material de reciclagem; das comunidades ameaçadas de expulsão de seus lugares; a potencialização das lutas comunitárias, enfim, revela que o direito à cidade é algo em construção permanente e que, a partir dessas lutas, podem ser geradas novas lutas que vão em direção a uma cidade da apropriação concreta e real pelas pessoas em sua diversidade e em suas diferenças.
A ideia orientadora, ou um horizonte para a ação, que é o direito à cidade em sua prática nas lutas sociais diversas, aponta para a necessária inversão de perspectiva da compreensão da cidade, não como uma mercadoria manejada segundo as estratégias dos sujeitos econômicos hegemônicos que avançam sobre os direitos e sobre o espaço da vida de toda a população, sobretudo da população mais pobre, mas a cidade como o lugar da reprodução e de realização da vida de toda a sociedade. O direito à cidade não é uma fórmula mágica, mas um horizonte que revela a cidade como possibilidade de realização plena da vida. Esse é um debate possível a partir das ações e debates dos movimentos sociais e entidades que se encontram no FERURB-PB e que podem avançar muito com sua reunião de forças em busca de uma cidade mais humana.
*
Edição: Polyanna Gomes