"Ser mulher, estar mulher e se tornar mulher é um desafio e um desespero velado."
Por Michaella Araujo Farias
Mês das mulheres, dia da mulher, eu mulher, acordo cedo, mais um dia de lutas invisibilizadas se inicia como em todos os outros dias, ponho a mesa para as crias.
Ligo a televisão, ainda que meio sem escolher a programação. As mulheres sendo homenageadas em um dia, no mesmo canal que feminicídios diariamente notícia. Minutos depois, eu assisto a estudante mulher e uma mulher trans recebendo na véspera do "seu dia" balas de borracha nos peitos, apenas por lutar pelo direito de ir e vir. 4,70 é mais um assalto, mais um direito roubado.
Descarado é o tratamento que é nos dado.
Quando nascemos, nossos corpos já são tomados pelo Estado, vamos crescendo sendo oprimidas pelo patriarcado.
Se um homem escolhe anular o seu falo, se vê diminuído e pormenorizado.
Ser mulher, estar mulher e se tornar mulher é um desafio e um desespero velado.
Independente da escolha, da identidade que se cria parece não adiantar muito, sempre será o lado errado.
Só não vê quem não quer ver.
A mesma mão que flores entrega é a mão que agride.
A mesma boca que felicita é a que viola nossa integridade e nos julga imorais.
Os mesmos olhos que marejam nas homenagens são os que cegam diante das injustiças.
Os mesmos braços que abraçam neste dia são os que negam colo a nossas crias.
Os mesmos ouvidos que ouvem nossos agradecimentos pelas homenagens de um dia são os que se ensurdecem aos nossos pedidos de ajuda, todos os dias.
O que os sentidos captam dia 08, ou até no março inteiro, é insignificante para o que se sente na pele, nos ouvidos, nas mentes, nos olhos e nos corpos desde criança objetificados e para o lugar da subserviência destinados.
Diferente do Natal, o dia da mulher não é um dia que nos concedem desejos. Se assim fosse, que assim seja, pediria para ser, viver e existir em uma outra forma de vida em que eu não fosse diminuída, em que eu não fosse diluída, que eu não fosse destinada a somente doar, gestar, parir, amamentar, alimentar, cuidar e calar.
*Michaella Araujo Farias é mulher, mãe, professora, integrante da Coletiva Pachamamá, autora de materiais didáticos e poetisa nas horas em que divaga . Vê no escrever um subterfúgio, uma fuga do silenciamento e um portal para criação de outras realidades.
Edição: Polyanna Gomes