A cidade de montadas, no semiárido paraibano, com seus 5,8 mil habitantes tornou-se palco de um ato de importância mundial, nesta quinta-feira (16). Trata-se da 14ª edição da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, que, novamente, este ano, denuncia as contradições na produção industrial da energia renovável.
Durante toda a manhã, cerca de cinco mil mulheres agricultoras evidenciaram os problemas oriundos do modelo industrial de energia eólica e solar, que avança com rapidez em diversos territórios do Semiárido brasileiro, justamente quando as energias renováveis são apontadas como caminho para substituir a matriz energética dos combustíveis fósseis (algo que contribui para o aumento da temperatura do globo, por exemplo".
Embora seja considerada limpa, a energia renovável, gerada de forma centralizada, causa uma série de perturbações que conduzem as famílias rurais ao empobrecimento, adoecimento e abandono do campo.
Poucos conhecem este lado da história, tanto a população do campo, quanto da cidade. E foi justamente para combater esta desinformação que o Movimento de Mulheres de um coletivo de sindicatos rurais – o Polo da Borborema - elegeu a defesa do território onde vivem como tema, pelo segundo ano consecutivo, da 14ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia.
“O que queremos aqui é dizer para a sociedade e para os políticos que a energia que nos interessa é a energia descentralizada. Esta, sim, vem para contribuir com a economia das vidas das famílias agricultoras e do município”, afirma no palco montado para a Marcha, a liderança sindical Ana Paula Cândido.
Mas não foi só para deixar recado para os políticos e para quem mora em áreas urbanas que as mulheres se encontraram na praça central de Montadas. Foi, principalmente, para espalhar as informações no próprio território, onde as empresas buscam as famílias para que assinem contratos completamente prejudiciais aos proprietários das terras.
“Vocês vão assinar o contrato?”, perguntou a personagem Jerusa do teatro apresentado no palco antes das mulheres saírem em marcha. Um sonoro “não” foi a resposta em uníssono do público que assistia atento e indignado à esquete.
Enquanto rolava a apresentação da peça, que retratava a forma como as empresas entram em contato com as famílias e os argumentos que usam. Na platéia, quatro pessoas em especial se arrepiavam com o que viam e ouviam.
Trata-se de Roselma, sua filha Gleice, a prima Quelaine, e a vizinha Núbia, que vieram direto da comunidade Sobradinho, em Caetés, Pernambuco. As quatro moram há oito anos ao lado das gigantes torres eólicas. O arrepio era porque o palco imitava direitinho a vida delas.
No fim da peça, as quatro subiram ao palco e deixaram seus depoimentos. Roselma foi a primeira a falar. “Queria que o nosso reencontro [ela participou da Marcha do ano passado] fosse por um motivo bom. Mas não é. O que tenho a dizer a vocês aqui é que ‘pensem bem’. A gente não assinou o contrato, mas também somos prejudicados. Foi uma riqueza conseguir as nossas cisternas (que guardam água da chuva para beber e cozinhar). Antes a gente tinha que caminhar de dois a três quilômetros para pegar água. Hoje, o pó que as hélices soltam contamina a água da cisterna, contamina o solo e o nosso alimento. Quando as empresas chegaram, a gente pensava que era bom pra a gente. Mas não tem dinheiro no mundo que pague e devolva o nosso sossego. Parabéns pela organização de vocês. Se fôssemos como vocês, a gente não estaria nessa situação. Estou falando em nome de 60 famílias de nossa comunidade’, arrematou ela.
Núbia também falou: “Muitos que assinaram não tinham consciência do que realmente ia acontecer. O que é 8 a 10 meses de trabalho comparados com uma vida inteira? A gente já dorme e acorda pensando no perigo que é viver ao lado das torres”.
Em seguida, a Marcha ganhou as ruas de Montadas. Uma das mulheres que seguravam uma bandeira com a marca da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia foi dona Carminha. Maria do Carmo Barbosa, que vai completar 69 anos no dia 9 de abril.
-Qual foi o melhor momento da Marcha até agora, dona Carminha? “Ah, gostei da fala das meninas que estavam no palco falando no microfone. A gente tem que aproveitar a fala delas, porque tudo o que elas falaram é verdade”, respondeu de primeira.
-E a senhora sabia desses problemas que são causados para as famílias pelas torres eólicas? “Não sabia! E, quando voltar para Pocinhos vou avisar pro povo que não aceite, porque junto com isso só vem doença”, declarou ela.
Pocinhos é um município vizinho a Montadas e onde dona Carminha mora desde que o marido morreu, há 14 anos. Pocinhos também é o endereço de oito parques eólicos do Complexo Serra da Borborema, da empresa EDP Renováveis, além de três usinas fotovoltaicas nos nomes das empresas Sices Brasil SA e Arigo Solar Energia SPE Ltda.
Antes da Marcha voltar ao palco, uma parada para outra encenação no chão. Vestidas a caráter, mulheres agricultoras munidas de matraca (instrumento usado para fazer covas para as sementes) e de sementes de milho crioulas, elas fizeram um círculo bem na frente da igreja católica matriz de Montadas.
Do carro de som, Roselita Vitor cantou ‘Plantadeiras’, a princípio, sem acompanhamento de instrumentos. Depois, imbuída da emoção trazida pela mística, Rose bradou “Viva as plantadeiras do Polo da Borborema. Viva todas as mulheres que semeiam a vida e semeiam a esperança. Queremos outro modelo de produção de energia para o nosso território. Somos semeadeiras da vida. Somos semeadeiras da vida. Somos semeadeiras da esperança!”
Em seguida, todas voltaram a se aglomerar na frente do palco para ouvir, cantar e cirandar com Lia de Itamaracá, as filhas de Baracho e os músicos da banda. As cirandeiras são grandes parceiras da Marcha de Mulheres do agreste da Paraíba.
Edição: Polyanna Gomes