"Por meio de suas imagens, pulsa o coração de muitas mulheres, com suas dores, emoções e desejos"
Por Hiago Trindade*
Certamente, cada um(a) de nós já viu em livros, exposições ou até em sites na internet, diversas obras de arte em que as mulheres figuram como modelo e, em muitas dessas obras, não é raro que elas estejam nuas. Contudo, se por um lado é significativa a quantidade de telas, quadros, fotografias etc, focadas nas mulheres e em seus corpos despidos de vestes, por outro, ainda é bastante reduzido o número de artistas do sexo feminino que conseguem expor suas obras nos museus, indicando que a desigualdade de gênero também se expressa no mundo da arte. Por isso, nesse mês de março, em que são levantadas bandeiras e são travadas lutas em defesa das mulheres, há que endossar, dentre outras pautas, coro com o que já propunha o grupo Guerrilla Girls: que as mulheres não necessitem estar nuas para entrar nos museus!
Rayra (@rayraretratista), mulher, artista, nordestina, não precisou estar nua para entrar no Centro Cultural do Banco do Nordeste (CCBNB), localizado na cidade de Sousa-PB. Nesse espaço, sob a curadoria de Fabiana Cordeiro, ela está apresentando a exposição VOU CUIDAR (de mim como se fosse a filha que não pude ter), a qual permanecerá aberta ao público até o dia 06 de abril.
Na exposição, Rayra fala sobre si e sobre outras tantas companheiras. O próprio título já chama atenção e nos remete às problemáticas vivenciadas pelas mulheres na sociedade contemporânea. Ora, se atentarmos para as normas da língua portuguesa, vamos perceber que um dos usos recomendados para o “parênteses” ocorre quando precisamos apresentar uma informação ao texto, mas a mesma é considerada acessória. Dessa forma, quando a artista dá ênfase ao CUIDAR e, ao mesmo tempo, se coloca entre parênteses, chama atenção para o fato de as mulheres estarem desempenhando inúmeras funções de cuidado (com filhos, com pessoas idosas, com seus companheiros etc) de modo invisível, naturalizado, opressivo e deslegitimado, na grande maioria das vezes.
Do título às imagens que dão forma à exposição, as mulheres – sempre no plural – em suas múltiplas dimensões continuam sendo evidenciadas. A partir de autorretratos, a artista se mostra coberta por uma manta e cria, com ela, movimentos, sensações e reflexões que levam o(a) expectador(a) a um prazeroso estado de inquietação. A imagem de um rio que deságua de suas próprias entranhas; a cena de uma mãe com sua prole – cuidadosa mas sufocada, ou ainda o retrato da mulher que dança e daquela que não pode mostrar-se integralmente, são algumas das possibilidades de interpretar e mergulhar na poética contida em seus retratos.
Mas, se a análise de fotografias individuais já se mostram extraordinárias, a observação de como a artista reuniu suas fotos, do conjunto da obra, também fala muito sobre sua visão de mundo e sobre o lugar que a mulher nela ocupa: Rayra dispôs as fotografias em formato triangular, segundo suas próprias palavras, para representar “o útero e sua força de renovação da vida”.
É por isso que, mesmo ganhando materialidade a partir de autorretratos, a exposição da artista consegue ser universal. Por meio de suas imagens, pulsa o coração de muitas mulheres, com suas dores, prazeres, desejos, emoções e passos, sobretudo aqueles que se trilham pelos caminhos ora áridos ora encharcados do sertão paraibano. Que a obra de Rayra seja inspiração e nos motive a empreender esforços para fotografar um mundo novo para as mulheres e para a humanidade.
SOBRE A ARTISTA
Natural de Sousa, no sertão da Paraíba, Rayra Retratista trabalha com fotografia digital de forma itinerante desde 2013; transita por várias vertentes desta área, mas gosta mesmo de bater retratos das pessoas fora de datas comemorativas com o objetivo de formar acervo para recordação pessoal das pessoas que a contratam.
Como artista, seu trabalho conta com autorretratos, fotografias, instalações e textos que trazem reflexões sobre ser mulher a partir de sua experiência e do que observa no mundo.
*HiagoTrindade é Doutor em Serviço Social pela UFRJ e estudante do curso de Bacharelado em Arte e Mídia pela UFCG
**Esta é uma coluna de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
Edição: Polyanna Gomes