É nesse momento que revertemos a lógica do patriarcado e do capitalismo selvagem
Joana D’arck Ribeiro*
Na última sexta-feira, a creche de meu filho me ligou informando que o mesmo estava doente, e que uma virose estava vindo. O coração da mulher, mãe e trabalhadora logo se angustia e muitas são as perguntas. Com quem vou deixar minha criança? Vou faltar trabalho? E se eu perder meu emprego? Certamente você que também é mãe, mulher e trabalha fora de casa sabe como são tensas essas questões. Pois bem, tem sido dias difíceis…
Ontem recebi uma ligação de minha mãe informando que o quadro da cria havia piorado, saí do trabalho as pressas, ainda mesmo que gozando do meu privilégio de ter um carro, busquei meu filho e o levei ao hospital público, referência da Cidade. Lá vai fila, demora e fluxo, o que é comum nos requisitos para um atendimento. Lá se vai o tempo… as horas… a angústia aumenta, vem com ela o medo do desconhecido, afinal eu sou pedagoga de formação, apesar de a experiência materna fazer com que a gente entenda os riscos de quadro virais em um hospital lotado, sem cadeiras para que todas pudessem se acomodar, enquanto a espera é a nossa principal aliada.
Queremos dar voz à luta cotidiana das mulheres negras, indígenas, ciganas
Poderia traçar aqui enúmeras linhas sobre a situação do serviço público que nos é ofertado e não que isso seja menos importante, mas é o menor de tudo que presenciei por la.
Eram por volta das 15h quando iniciei a percorrer o fluxo de entrada de minha cria no hospital e nem imaginava que só por volta das 23h que estaria me despedindo daquele caos. Foram longas horas entre ficha com os dados da criança, triagem médica, exames, medicação e retorno à médica.
Durante todo esse tempo, o que percebo mais uma vez é a força do poder feminino, seja na recepção, nas médicas, enfermeiras, funcionárias dos serviços gerais, nutricionista, seja sobretudo das mulheres mães que ali estavam.
São essas mulheres que, mesmo exaustas da lida diária, revindicam o direito de um bom atendimento, do acesso à alimentação às suas crianças, que brigam para que a medicação seja dada na hora certa, que choram sobre as dificuldades de seus filhos e filhas. Ao mesmo tempo em que o caos estava instalado, pois não haviam cadeiras para todas nós, imperava naquele cenário o poder da solidariedade das mulheres mães na construção da sororidade tão falada no feminismo.
Não vou aqui me deter a uma visão romantizada desta solidariedade, muito menos do excesso da carga que nós mulheres carregamos diariamente, mas quero enfatizar a preocupação e o cuidado de umas com as outras. De guardar comida para aquelas que chegam depois que a nutricionista passa, de buscar água para quem tem sede, de cuidar de mais uma criança enquanto se vai ao banheiro, de chamar a enfermeira quando o soro acaba e, sobretudo, da partilha da luta frequente que a diversidade que aquelas mães ali carregavam nas costas.
Escutei falar de algumas doenças, deficiêncas comuns em algumas crianças que ainda me eram desconhecidas. Entre lágrimas e sorrisos percebi nessa experiência sobre a importância dos momentos de partilha, de diálogo, assim como os que acompanho na Coletiva Pachamamá. Estou aliviada! Foi a frase que ecoou ontem enquanto nos separávamos para seguir o fluxo do atendimento. Certamente, ou talvez, eu nunca mais as encontre, mas a lição ficará guardada.
O coração da mulher, mãe e trabalhadora logo se angustia e muitas são as perguntas
É esse o poder feminino! O nosso grande diferencial! É nesse momento que revertemos a lógica do patriarcado e do capitalismo selvagem e enraizado que nos coloca em patamares de disputas, somos na verdade o poder que move as estruturas que nos acorrenta, somos luta, cuidados, confiabilidade, parceria. Somos a voz!
A luta das mulheres por equidade e respeito na sociedade vem de muitos séculos. Desde as bruxas perseguidas na Idade Média, até as sufragistas que foram às ruas para conquistar o direito ao voto, é impossível separar os períodos importantes da humanidade das conquistas femininas que acompanharam o passar dos anos.
O combate à estrutura patriarcal ainda vai para além do que possamos reunir em palavras, queremos desconstruir a romantização da maternidade, do cuidado e politizar a pauta (sabemos que se o ato de cuidar fosse masculino seria uma função muito bem remunerada). Queremos dar voz à luta cotidiana das mulheres negras, indígenas, ciganas que, por si só, quando paramos para pensar em todo o processo que nos trouxe até aqui, foi sempre visto como um problema.
Obviamente, não pela discussão - que além de necessária é um direito das mulheres - mas sim pela morosidade, pelo silenciamento vital que ocorre para que nós mulheres-mães exercitemos a nossa liberdade de falar abertamente sobre nossas vontades, sonhos e necessidades.
*Joana D’arck Ribeiro – mulher, feminista, mãe de três filhos, participante da Coletiva Pachamama, pedagoga e bacharelanda em Administração Pública pela UFPB
Edição: Cida Alves