É importante que seja discutido sobre a diversidade dos povos indígenas e que eles falem sobre si
Por Ivanilza Cinesio Gomes
Leitor(a), o que vem a sua mente quando ouve a palavra indígena? Quais as características físicas dessa pessoa? Onde vive? Como e do que vive? O que veste? Tem acesso a algum tipo de tecnologia? Fala e/ou compreende português?
Muitas vezes precisamos, ainda que em um mundo onde as informações se fazem possível de inúmeras maneiras e o acesso a elas é por vezes gratuito, falar o óbvio. E geralmente esses dados óbvios são a respeito de grupos sociais que se encontram como uma minoria social, ou melhor, que historicamente a garantia de direitos básicos lhes foi negado.
Estamos no mês da visibilidade indígena, mas na maioria dos ambientes essa visibilidade só é realizada especificamente no dia 19 de abril. Data determinada para celebração do Dia dos Povos Indígenas a partir do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que ocorreu no ano de 1940.
Esse é o mês em que escolas, emissoras entre outros debatem ou simplesmente apresentam a temática indígena. Vale refletir que o número de debates e/ou apresentações rasas a respeito é enorme. Além disso, há os casos em que a representação indígena opera como estereotipo¹. Ou seja, um modo preconceituoso de determinar que todas as pessoas indígenas para pertencer a sua etnia devem ter certos padrões físicos. Dessa maneira, o imaginário colonial e desenvolvimentista generaliza os corpos indígenas sobre como acham que devemos ser em nossos aspectos físicos.
Não faz muito tempo que não indígenas passaram a procurar por indígenas para que os próprios apresentassem a realidade a respeito de seu povo e da diversidade que há entre etnias. Podemos parar um pouco e pensarmos nesse momento. O que é ser indígena? O que caracteriza um indígena? A partir de quê consigo saber que alguém é indígena?
No senso comum as respostas seriam facilmente respondidas de acordo com as características físicas e cotidianas da pessoa. Ou seja, seria respondido que ser indígena e o que lhe caracteriza enquanto indígena é ter cabelos lisos, pretos, olhos meio puxados, morar em uma oca (casa de palha), falar a língua originária de seus ancestrais, viver somente da pesca e/ou caça e plantação, andar sem vestimentas, viver com as pinturas e adereços de seu povo entre outros.
Há povos indígenas que se encontram assim, mas muitos povos vivem realidades totalmente diferentes. Vejamos o contexto dos indígenas Potiguara da Paraíba, que devido a exploração de anos, imposição e contato – muitas vezes forçado – com os europeus se encontram por séculos vivenciando os dogmas da civilização². Mesmo diante dessa realidade muitas pessoas ainda reforçam os estereótipos como padrões de existência congelados no tempo da história.
Notando a importância de uma representação indígena no mês de abril, no ano de 2018 uma professora de uma escola municipal que se encontra no Vale de Mamanguape³ nos convidou para que fizéssemos uma apresentação de nossa cultura.
Nesse dia fizemos algumas falas de como vivemos em civilização e ainda assim vivemos nossa cultura, explicamos como é feito o maracá e o significado dele para nosso povo, bem como dos demais adereços. O público que prestigiou o momento tinham faixa etária entre 6 e 13 anos. Todos se mostraram estar bem entusiasmados com a nossa presença. Especialmente com a de Sanderline, que tem cabelos longos, pretos e olhos meio puxados.
Eu que ainda não tinha vestido minha saia e demais adereços que usamos geralmente para dançar o Toré e participar de eventos de nosso povo e, além disso, tenho cabelos cacheados e costumo pintá-los de cores fantasia (verde, azul, roxo) estando no dia de cabelos azuis; parecia estar apenas como curiosa ou simples ajudante.
No início Sanderline conduziu a apresentação informando de onde somos, nossos nomes e o que iríamos fazer naquele dia. Quando tive o momento de fala, já estava com os adereços indígenas (saia, cocar, maracá, com tinta de urucum no rosto) e perguntei se assim que cheguei eles perceberam que eu, assim como Sanderline, era indígena. Todos os participantes afirmaram que não e alguns ainda explicaram que ainda com os adereços eu não era indígena, mas quando eu pintasse meu cabelo de preto seria.
Esse momento foi crucial para que os alunos não apenas passassem a conhecer nossa cultura, o significado que cada pintura e adereços têm para nós, como o fato de que independente de onde e como estejamos não deixamos de ser indígenas. Assim como não é porque alguns usam maracá, cocar e fazem pintura indígena que passarão a ser indígenas. Desse modo, é perceptível o quanto é importante que seja discutido sobre a diversidade e realidade dos povos indígenas e que de preferência esses povos falem sobre si próprio. Possam ser referência e tenham seu lugar de fala.
SOBRE A AUTORA
Indígena Potiguara da Paraíba, Ivanilza Cinesio Gomes nasceu e mora até hoje no território Potiguara no qual a cidade de Marcação está localizada. Graduou-se no ano de 2021 em Letras – Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba. Encontra-se em fase de conclusão de especialização em Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa e Literatura, e atua como professora de Língua Portuguesa na ECII Índio Antonio Sinesio da Silva. A autora tem como foco de estudo: empoderamento, posicionamento, determinismo feminino, mulher Potiguara e papéis sociais; e sociolinguística.
A presente produção dessa coluna é relação de parceria com a Comunidade Colaborativa de Mulheres Afro-brasileiras e Ameríndias – COCAM/RECOSEC/UFPB e Brasil de Fato PB.
REFERÊNCIAS
¹Refere-se aos indígenas que se encontram ainda isolados, que tiveram a possibilidade de manter suas características físicas e culturais por completo (ter cabelos pretos, lisos; manter a língua originária de seus ancestrais, permanecer vivendo apenas da caça, pesca e plantação).
²Dica de Leitura: GOMES, Ivanilza Cinesio. Entrelaces do cristianismo e da religiosidade tradicional nas canções do toré indígena potiguara da paraíba: uma análise literária. 2021. Monografia (Graduação) – Licenciatura em Letras/Língua Portuguesa, João Pessoa, 2021
³As participantes foram Sanderline Ribeiro (nome indígena: Amanacy) e a autora do presente texto.
Foto: A indígena que está no foco da imagem é a autora. É perceptível alguns aspectos culturais como pintura e cocar; e traços que representam os anos de contato com a civilização existentes não apenas na autora como em diversos outros indígenas Potiguara e de outros povos, como cabelos e olhos.
Edição: Polyanna Gomes