É difícil para uma sociedade conservadora e misógina ver uma mulher se posicionar politicamente
Por Joel Martins Cavalcante
Nesta última quinta-feira, véspera do feriado de Tiradentes, peguei um ônibus para ir ao centro. Como é comum na capital paraibana, a demora foi considerável e o busão estava lotado. Assim que chegou na Vasco da Gama, em Jaguaribe, passageiros começaram a sair e consegui sentar na parte de trás.
Dois passageiros conversavam sobre política. Um senhor já com idade bastante avançada e outro de aparentemente quarenta anos, discorriam sobre os rumos do país, drogas, desemprego, falando muito mal do governo Lula e a prosa acabou chegando na primeira-dama Janja da Silva.
Leitor(a), não sei você, mas nunca vi um governo tão atacado nos primeiros tempos do que o Lula III. Parece que ele devia ter uma varinha mágica para resolver os problemas econômicos, sociais, políticos, ambientais, internacionais do Brasil num passe de mágica. Antes de assumir a presidência, logo após o resultado do segundo turno, a grande mídia e os setores empresariais, já cobravam providências urgentes, quando o presidente ainda era aquele cujo nome não deve ser pronunciado.
O governo atual teve, infelizmente, que fazer muitas concessões para formar seu ministério. Quem não lembra da Simone Tebet que queria ser ministra do desenvolvimento social para ficar na vitrine tendo em foco as eleições de 2026?
“Mas ela devia ser ministra do que quiser. Lula só ganhou por causa dela.” - diziam.
"E ela devia votar no Bolsonaro?" - indaguei para alguns interlocutores.
“Não, mas Lula deve a vitória a ela”. - afirmavam.
"Ela foi fundamental para vitória de Lula no segundo turno ou para impedir que a eleição fosse liquidada já no dia 02 de outubro?" - questionei.
Ficaram sem resposta.
Lula ganhou por margem estreita. Entregou ministérios a partidos que não o apoiou e que tem ideias econômicas e sociais bem distintas das do Partido dos Trabalhadores (as) - como o União Brasil - , e vem governando bem, a meu ver, diante do cenário de terra arrasada encontrada, mesmo que não seja o governo dos sonhos progressistas.
Mas não quero falar, leitor(a), do governo como um todo e nem do presidente Lula. Quero falar de Janja. Da primeira-dama. Do seu papel para o país. Da conversa dos senhores sentados no 229. A primeira entrevista dela após a vitória petista foi ao programa Fantástico, lá deixou explícito quem era. Falou do seu compromisso na luta contra a violência das mulheres, com a alimentação e no combate ao racismo. Lá ela colocou sua visão de fé e de como se emociona numa missa, ouvindo um hino evangélico ou um tambor; eu me senti representado naquele instante.
Após a eleição, a jornalista Eliane Cantanhêde criticou o protagonismo de Janja, fazendo um comentário sobre qual seria o papel de uma primeira-dama, dando a entender que a discrição seria uma qualidade fundamental para a esposa do presidente da república. Já na campanha, muita gente se sentia incomodada com a influência e liderança que ela desempenhava. Talvez, leitor(a), quisessem uma versão de Marcela Temer, saudada na revista Veja em 2016, como "bela, recatada e do lar", e destacando a sorte do golpista de tê-la como esposa.
A publicação de Janja a respeito da proposta da Receita Federal para combater a sonegação fiscal de empresas em compras internacionais de 50 dólares foi o tema da conversa dos senhores já citados. Nesta semana, vi jornalistas em de alguns veículos colocando que a primeira-dama fala muito, que devia ser mais discreta, que ela não é nada além de esposa do presidente. E era o que os dois discorriam no trajeto do ônibus. Eles ainda não estavam sabendo que a Shein, uma das empresas afetadas pela medida da cobrança de impostos, posteriormente revogada pelo governo, decidiu investir 750 milhões de reais no Brasil, mas, queriam anular a cidadã Janja.
Enfim, é difícil para uma sociedade conservadora, machista, misógina ver uma mulher pública e de esquerda se posicionar politicamente. Não podemos esquecer que o golpe na presidenta Dilma também teve esses elementos no seu desenvolvimento.
Janja sabe da história política brasileira, é filiada ao PT desde os 17 anos, feminista e conhece os problemas do povo. Ao lado de Lula, sem dúvida, vai ajudar a colocar o país no rumo certo, com desenvolvimento econômico e justiça social. Cada fala sua repercute muito mal em setores conservadores e da direita. Espero que continue assim. Quando os poderosos se incomodam é sinal de que ela está certa. Deixem Janja falar!
Edição: Polyanna Gomes