ou se adaptam à realidade da “corrida do ouro” ou serão mortas(os) e sua cultura desaparecerá
Por Paulo Milhomens*
Em uma ação enérgica e atendendo demandas dos povos tradicionais amazônicos, o presidente recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva (conhecido como “Lula 3”), através do Ministério dos Povos Originários (cuja titular da pasta é a líder indígena Sônia Guajajara) iniciou uma ampla campanha denunciando a presença de garimpos ilegais na Terra Indígena Yanomami, localizada às margens do Rio Mucajaí, no estado de Roraima. As imagens que percorreram o Brasil e o mundo são devastadoras: crianças desnutridas, idosas/os com distintas enfermidades, mulheres e homens com marcas de violência física e sinais de abuso. No governo Bolsonaro, o ataque aos povos indígenas fora uma questão de ‘política de morte’ (necropolítica).
Porém, a esperança e a legitimidade da vida e do direito à terra voltou aos holofotes da democracia brasileira em janeiro deste ano. A chamada “Corrida do ouro” na Amazônia há décadas impõe os interesses do grande capital sobre as populações locais: sejam indígenas, ribeirinhas ou comunidades remanescentes de quilombos. Neste sentido, o dilema social e, sobretudo econômico que vivemos, transcende o papel do Estado e suas respectivas políticas públicas relacionadas à soberania e preservação da vida na região.
Os povos originários que foram obrigados a migrar para outras regiões e estados amazônicos, ficaram subordinados diretamente ao projeto de desenvolvimento nacional criado por governos que nunca tiveram um olhar complexo sobre o Norte brasileiro. Por exemplo, esta região só passa a ter visibilidade política e econômica na segunda metade do século XX, sobretudo com o ideário desenvolvimentista incentivado pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985).
Se no século XVI a Coroa Portuguesa não encontrou os metais preciosos tão cobiçados por outros estados absolutistas na “Terra Brasilis”, isto se concretizaria com a exploração aurífera nas terras da Vila Rica de Ouro Preto (Minas Gerais) a partir do século XVIII, utilizando mão-de-obra escrava em larga escala. Da mesma forma, a presença indígena na região através de monumentos históricos é praticamente inexistente, pois a preciosidade da arquitetura em estilo barroco (com suas igrejas e estátuas) contrasta com nosso passado e atualidade racistas.
Conectando esta informação ao tema de nosso texto, ousaria inferir que a cultura escravagista do antigo Brasil Colonial e Imperial nos legou a herança do jugo de
populações inteiras com base no controle da terra. Na Amazônia do século XXI, o capitalismo e sua relação com as periferias da Pan-Amazônia agrega o contingente degradado das fronteiras que surgem através do impacto ambiental e humano. Neste sentido, Edna Castro, pesquisadora emérita da Universidade Federal do Pará (UFPA), apresenta-nos uma análise importante sobre o lugar das populações tradicionais.
Há formas específicas de agregação regional e a redefinição do papel das cidades em áreas de fronteira amazônicas no que tange o uso do espaço político, envolvendo processos e ações estatais. Desse modo, precisamos nos distanciar de oposições binárias, pois a dinâmica e a complexidade de tais estruturas nas práticas de agentes do campo econômico e sua interferência sobre a posse da terra. Por exemplo, povos indígenas ou ribeirinhos estão alicerçados a um mercado informal através da agricultura, pesca e extração de madeira para meios de subsistência. Ao mesmo tempo, estão inseridas/os em uma dinâmica econômica globalizada. Da noite para o dia, um pescador pode tornar-se um garimpeiro informal.
Outro fator importante, fora o êxodo de populações de diferentes estados do Nordeste brasileiro para a região amazônica. O sociólogo José de Souza Martins trata desse recorte social e histórico como “Frentes de expansão pioneiras”, ou seja, processos de reconfiguração fronteiriça que desembocaram no impacto ambiental elevado. Um exemplo são as áreas dos atuais estados de Acre, Rondônia, Amazonas e Roraima. E quando tratamos especificamente da posse e luta pela terra, a exploração mineral agrega outras formas de extrativismo que vão sendo incorporadas ao modo de produção capitalista contemporâneo.
Nesse contexto, quando falamos sobre a invasão da Terra Indígena Yanomami, precisamos entender como parte das elites locais, assim como os governadores da região amazônica estão alinhavados a uma narrativa depreciativa comum sobre os povos originários. Por exemplo, a fala de Antônio Denarium (governador de Roraima) declarada à imprensa local que “Essa grande quantidade de terras não pode ficar apenas com esses índios, pois precisam fazer parte da civilização”, reflete a mentalidade colonial (e colonizada) de certos agentes públicos da Amazônia brasileira sob o ideal de “riqueza” e “progresso” impostos à periferia do capitalismo.
Em Boa Vista, capital do estado roraimense, parte dos(as) indígenas quando expulsos de suas terras por consequência do avanço dos garimpos, acabam por viver em situação precária nas ruas da cidade. Ou seja, ou se adaptam à realidade da “corrida do ouro” ou serão mortas(os) e sua cultura desaparecerá. Este modelo predatório de acumulação é uma repetição histórica do que já ocorreu em outros continentes como Ásia e África por parte do Imperialismo europeu colonialista.
Concluindo, quando defendemos a vida dos povos tradicionais e/ou originários amazônicos, estamos afirmando nossa soberania regional a partir da permanência e
existência cultural dos mesmos. Talvez o grande desafio do governo “Lula 3” seja consolidar a luta pela terra – atendendo uma demanda histórica dos movimentos sociais na região – o que, via de regra, precisa gerar um debate público sobre a consolidação de Políticas Públicas capazes de promover sua segurança, da mesma forma que o Grande Capital nunca desistirá de sua exploração permanente.
PARA SABER MAIS
CASTRO, Edna Maria Ramos de. (Org.). Territórios em transformação na Amazônia: saberes, rupturas e resistências. Belém: NAEA, 2017.
MARTINS, José de Souza. Fronteira, a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo: Editora Hucitec, 1997.
*Professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Amapá.
Edição: Heloisa de Sousa