O MST tem um projeto de vida [...] que combate a fome, o desemprego, o consumo de agrotóxicos [...]
Por Joel Martins Cavalcante*
Fim de abril. O tempo, felizmente, passando depressa. Até bem pouco tempo atrás, estávamos constantemente de alerta sobre o risco de o Brasil sucumbir totalmente ao autoritarismo bolsonarista. Hoje, mesmo com todos os problemas, estamos rumo ao soerguimento das ruínas de políticas públicas dos últimos anos.
Um mês intenso e cheio de eventos políticos relevantes e de debates intensos, sobre vários temas, em vários espaços presenciais (do Congresso à mesa de bar) e virtuais (aliás, onde mais ocorre hodiernamente). Em um grupo de amigos sobre política paraibana no WhatsApp (que faço parte), um deles posta a notícia de um site local que fazia referência à ocupação da sede do Incra (dia 17), em João Pessoa, pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, com o seguinte comentário: “Uma palhaçada. Foi só Lula voltar pro MST ressurgir... E o chefe ainda foi com Lula pra China...”.
Não comentei nada. O grupo surgiu em 2014. De desconhecidos que gostam de discutir política eleitoral passamos a uma relação de amizade. Tem bolsonarista, centrista, liberais e alguns (dois) de esquerda (eu e mais outro). Assim, como todos (são só homens) já se conhecem, de pouco adianta rebater alguns comentários ou postagens que são feitas.
Duas coisas chamaram minha atenção naquele momento. A primeira, é que o comentário foi feito com base no título da matéria; meu amigo não se deu ao trabalho de abrir o conteúdo e ler. Coisa muito comum hoje em dia. As pessoas compartilham notícias, emitem opiniões, mas raramente param para conferir o conteúdo em si. Percebe-se, o quanto é fácil propagar fake news nesses tempos virtuais, né?
Cliquei no link, um site de um jornalista bastante conhecido no estado, que inclusive disputou uma vaga no legislativo em 2022, de posições bem liberais, mas metido a isentão. O texto, apesar do título provocativo e feito propositadamente para os internautas emitirem posições contrárias ao MST, colocava o que foi a atividade daquele dia, as reivindicações do movimento, os militantes sendo, inclusive, recebidos por Antônio Barbosa, atual diretor do órgão.
A segunda coisa, que está, em certo sentido, relacionada à primeira, é a visão que parte da sociedade tem do MST. Na grande mídia, os noticiários foram praticamente unânimes em criticar as ocupações do movimento sem-terra durante o Abril Vermelho, fazendo eco para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a pedido da bancada ruralista, instalar a CPI do MST na quarta-feira (26).
Na Assembleia Legislativa da Paraíba, coube a deputada Cida Ramos (PT) ir à tribuna rebater um deputado bolsonarista, a propósito da Marcha Estadual do MST da Paraíba que aconteceu nos dias 16 e 17 desse mês, culminando com visita ao INCRA (que os sites locais e um amigo do WhatsApp tanto criticaram). O governador João Azevedo (PSB), dentro das ações do Abril Vermelho local, recebeu (dia 20) uma representação do movimento que levou uma pauta de ações na educação, saúde, meio ambiente, agricultura, esporte e habitação para a população do campo.
Estive representando o Movimento Brasil Popular, no 32º Encontro do MST paraibano, nos dias 10 e 11 de fevereiro, ocorrido na Escola João Goulart, aqui na capital. Lá, foram discutidos vários projetos importantes para o movimento e para o Brasil. Ressalto a reforma agrária popular com produção de alimentos saudáveis, cuidando dos bens comuns da natureza (terra, água, biodiversidade, matas, florestas...) e buscando uma nova relação com o meio ambiente.
O MST busca, dentre outros objetivos sociais, combater a fome. A propósito, a deputada estadual pernambucana Rosa Amorim (PT), militante sem-terra, em seu discurso de estreia na Assembleia Legislativa, destacou que “as pessoas não morrem de fome, elas são assassinadas por um projeto que não alimenta o nosso povo”.
Outra coisa que vi no encontro acima mencionado: homens discutindo machismo, gênero e diversidade sexual, fazendo reflexões sobre práticas que precisam ser mudadas, reconhecendo o quanto precisam avançar. Foi um momento muito emocionante para mim, que venho da militância LGBTQIA+.
O MST tem um projeto de vida (esqueçam a péssima disciplina das escolas; não é isso aqui, ok?) que combate a fome, o desemprego, o consumo de agrotóxicos, os desastres ambientais, as desigualdades sociais, as opressões, o patriarcado, bem diferente do projeto de morte levado adiante pelo capitalismo. É compreensível o ódio dos poderosos contra o movimento, né?
* Professor de História da Rede Estadual de Ensino da Paraíba, Advogado, Mestre em Educação pela UFPB, Especialista em Educação em Direitos Humanos (UFPB) e em Direitos Fundamentais e Democracia (UEPB). Foi conselheiro suplente do Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba (2014-2016) e Secretário de Educação, Cultura e Esportes de Alagoinha – PB (2017). Atua em movimentos sociais ligados aos Direitos Humanos.
Edição: Heloisa de Sousa