Paraíba

Coluna

Trabalhar e viver da arte

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"O ateliê é o local onde o artista fala com o trabalho e o trabalho fala com o artista" - Arquivo Pessoal - Autor
"Para muitas pessoas, fazer arte é o modo de garantir condições de sobrevivência"

Por Hiago Trindade*

Como sabemos, no dia 01 de maio, se comemora o dia do(a) trabalhador(a). No transcurso da história da arte, os(as) trabalhadores(as) foram, em diversas ocasiões, objeto da atenção de artistas em todos os quadrantes do mundo. A obra "Quebradores de Pedras", de Gustave Courbet; “El cargador de flores”, de Diego Rivera ou ainda “The conductor”, de Charles Alston, cristalizam exemplos interessantes nesse sentido. Para falar especificamente do Brasil, não poderia deixar de citar Tarsila do Amaral – com a famosa obra “Operários” e Portinari, que retratou a situação de diversos(as) trabalhadores(as) tomando por referência a nossa realidade.

Menos comuns, contudo, são os quadros e telas em que os(as) artistas são retratados(as), eles(as) próprios(as), como trabalhadores(as), tal como fez Van Gogh, ao produzir “O pintor a caminho do trabalho”. Por isso, a coluna que apresentamos este mês busca trazer algumas reflexões acerca dos(as) trabalhadores(as)-artistas.

Ora, os (as) artistas, assim como as outras pessoas, têm um conjunto de necessidades para satisfazer: alimentar-se, vestir-se, tratar da saúde, morar etc. E, na sociedade em que vivemos, a concretização dessas necessidades faz com que seja necessário estabelecer relações de assalariamento (compra e venda da força de trabalho), das mais variadas formas. Portanto, para muitas pessoas, fazer arte é o modo de garantir condições de sobrevivência.
 


Ateliê de Davi Queiroz - 2023 / Arquivo Pessoal - Autor

Talvez, muitos(as) de nós tenhamos dificuldade em observar a relação entre o fazer artístico e o assalariamento, porque as imagens mais veiculadas para nós estão relacionadas ao glamour, a fama, ao mundo das celebridades, a Hollywood e por aí vai... Tais imagens, contudo, representam apenas uma pequena parte da realidade. Nos estúdios, nos palcos, por trás das câmeras, nos ateliês, existem artistas diversos(as) que realizam um trabalho árduo. 

Por isso, gostaria de convidá-lo(a), nobre leitor(a), a adentrar junto comigo em um desses espaços de trabalho: o ateliê do artista plástico paraibano Davi Queiroz (@daviqueiroz.arte). Na minha experiência frequentando esse espaço, já tive o privilégio de passar horas a fio analisando obras, pensando nas experiências criativas, fruindo a arte de um modo peculiar... Mas, também já me defrontei com os momentos de "corre" de Davi: àqueles em que o artista precisa conciliar a recepção de público em exposições com as aulas que ministra; de reajustar suas demandas pessoais em virtude de encomendas/pedidos de última hora e mesmo da produção frenética de suportes e pinturas. 
    
Essa dialética de vivências, mostra que o ateliê é um espaço de trabalho construído para abrigar dores e sabores, sentimentos esses que vão se alinhando de acordo com os acontecimentos do cotidiano e com as condições objetivas e subjetivas do(a) artista. Esse relato é fundamental para não criarmos a imagem do ateliê apenas como um lugar mágico, onde tudo acontece de maneira alinhada e suave, permitindo ao(à) artista projetar novos mundos com suas obras. E que fique claro: ele também é esse lugar, mas não apenas. Junto a ele, coexiste a dimensão da "fábrica", da “oficina”, ou qualquer que seja a nomenclatura que remeta ao que é um espaço de trabalho tido como "tradicional". Para usar as palavras de João Paulo Siqueira Lopes e Fernando Ticoulat: “o ateliê é o local onde o artista fala com o trabalho e o trabalho fala com o artista”. 

Davi Queiroz também demonstra muita clareza acerca dessa dimensão do trabalho em seu ateliê. Reportando-nos as palavras do próprio artista: “Eu me cobro muito, eu lido com segmento de escultura que ela é de ferro e cimento, então a minha demanda de entrega e de cansaço é muito grande […]. O cimento e o ferro levam muito da gente, então é um trabalho que mexe muito intelectual e fisicamente”.

Assim, na passagem de mais um 1 de maio, o(a) convidamos a pensar na situação dos(as) artistas enquanto trabalhadores(as) e nas inúmeras adversidades que decorrem dessa condição, dando visibilidade as suas demandas e pautas. O fomento a maiores investimentos no campo sócio-cultural, a abertura de novos editais e espaços no mercado de trabalho, a criação de legislações trabalhistas voltadas ao segmento seriam ações importantes, talvez o início de uma pintura com cores mais vivas e alegres que as atuais. Enquanto houve arte, haverá (re)existência.    

SOBRE DAVI QUEIROZ
Davi Queiroz (1982 – ) é artista plástico pessoense e possui um ateliê na Capital onde ministra oficinas de desenho, pintura e escultura. Produz de maneira sistemática, comparecendo em diversas exposições no cenário regional e tem uma produção engajada com a crítica aos problemas sociais mais latentes da sociedade.


Davi Queiroz - artista plástico / Arquivo Pessoal - Autor


*Hiago Trindade é Doutor em Serviço Social pela UFRJ e estudante do curso de Bacharelado em Arte e Mídia pela UFCG

Edição: Polyanna Gomes