A morfina que dopou a sociedade brasileira tem doses de racismo estrutural, machismo e misoginia
Por Jonas Duarte*
É possível acreditar que o ex-presidente estava sob o efeito anestésico de morfina quando reenviou vídeos exaltando os golpistas bandidos de 8 de janeiro.
Dose maior de morfina fez uso o ex-presidente quando ainda no cargo mobilizou um mega ato contra o STF e contra as urnas eletrônicas em 07 de setembro de 2021.
Certamente, a morfina estava solta no Palácio do Planalto quando o mesmo drogado, ocupando o cargo de chefe maior do Estado Brasileiro, reuniu embaixadores de dezenas de nações para denunciar o sistema eleitoral brasileiro.
Talvez, a culpa do atentado explícito ao Estado Democrático de Direito permanente praticado pelo ex-presidente pode ser atribuído a droga excessiva do qual ele faz uso.
E não é de hoje. Nem no cargo que ocupou.
Deve ser a morfina, que o então deputado usava quando exaltou em voto público no Congresso a memória de um torturador sanguinário do quilate do assassino Carlos Alberto Ustra.
O doping de morfina deveria estar em plenitude quando o então deputado disse não estuprar uma deputada por ela ser feia. Ou quando agrediu jornalistas, todas mulheres, ou quando imitou pessoas com falta de ar, atingidas pela Covid-19.
É claro que é possível aceitar que o ex-presidente é um usuário permanente de morfina ou outras drogas mais fortes que acalentem seus crimes de falas e de atos.
O mais difícil é ver jovens, cheios de energia e amor para oferecer à humanidade, dopados por uma espécie de anestésico mental, seguir cegamente essa figura criminosa, fascista, desumana.
É triste assistir professores, artistas, médicos, enfermeiros, agricultores... enfim, profissionais de todos os níveis e categorias, usarem droga alienante tão forte que os prive de enxergar, ouvir e sentir a gravidade das falas e atos desse psicopata degenerado que é o ex-presidente da República.
É óbvio que é aceitável e saudável à Democracia alguém defender o liberalismo econômico, o pensamento de direita conservador.
É importante e necessário a dinâmica do contraditório de ideias.
No entanto, propagar a morte, a tortura, o racismo e o preconceito são crimes previstos na Constituição Federal. Portanto, inaceitável.
No entanto, é o que vemos no Brasil de hoje.
Pessoas aparentemente lúcidas, algumas cristãs praticantes, com nível cultural e intelectual não tão baixo, tomados por essa morfina coletiva, a exaltar e seguir um criminoso, assumidamente fascista.
O que pode explicar esse fenômeno?
O medo do comunismo?
O medo da "venezuelização" do Brasil?
O ódio ao PT?
O medo religioso de uma disseminação da prática do aborto?
O sentimento de que os petismo colocou a juventude na perdição?
O medo do novo? O desejo de ser tudo como antes? De conservar o passado idílico, imaginariamente feliz, para sempre?
A morfina que faz essa gente seguir e adorar um fascista é tão perigosa quanto a que o escuda em defender seus próprios crimes contra o Estado Democrático de Direito.
Essa morfina contém muito do ódio de classe contra a "evolução da liberdade" dos debaixo. Tem doses fortíssimas de racismo estrutural, pitadas infames de machismo e misoginia 'feminicidas', assentada no patriarcalismo violento que funda nossas estruturas familiares. Está carregada da homofobia doentia que atinge gerações de mentalidade arcaica.
Enfim. A morfina que dopou a sociedade brasileira e permitiu gente tão asquerosa se tornar líder de parte significativa dessa população é a expressão triste de nossa ignorância e naturalização do autoritarismo e da violência histórica de nossa sociedade. É a expressão de nossa cultura escravocrata incrustada fortemente em parte da população brasileira que encontrou narcisicamente sua representação.
Essa morfina metaforicamente paralisa o Brasil.
*Jonas Duarte é Historiador, Mestre em Economia, Doutor em História Econômica e Professor do Departamento de História da UFPB
Edição: Polyanna Gomes