Toda vida de operário Como empregado de alguém É corrida sem repouso Cabeça baixa e amém...
Por Fabiano Gumier Costa*
Nosso mundo é desigual
Não é difícil notar
Conto os poucos bilionários
Os que podem esbanjar
Comum é faltar comida
Dura, sofrida é a vida
Gente a se desesperar!
Na régua da divisão
Desequilíbrio é a lei
Uns jogam pela janela
Muito mais do que sonhei
Fortunas, bens a exibirem
Privam outros de existirem
Refleti, quase endoidei
Sustentando grandes luxos
Está a surrada natureza
Gente, gente, transbordando
Lavra a terra com rudeza
Na ilusória infinitude
Não é inocente a atitude
De dividir só a pobreza
Explicando sua fortuna
Afirmam que foi conquista:
“O que lhe falta é coragem
Deve ser mais realista
Pois a posse é uma crença
Deve ser bem mais intensa
A marcha de um celetista”
É mérito sempre gritam
“Fruto do trabalho meu!”
O bacana no carrão
Ou curtindo no museu
Você sujo na oficina
Com enxada na capina
Procurando pelo seu
Toda vida de operário
Como empregado de alguém
É corrida sem repouso
Cabeça baixa e amém
Ensinado a ser sozinho
Que é abrir um só caminho
Ciscando cada vintém
Feito bicho no terreiro
Mecânica catação
Pouco nota ao seu redor
Cumpre a determinação
Penosa sina operária
Sua reza hereditária
Sem ampliar a visão
Fica o mundo dividido
Uns têm, outros querem ter
Trabalhar e juntar coisas
Vira a razão de viver
Mas os ricos que herdaram
Com certeza escaparam
De sufoco conhecer
“Foi mérito e recompensa!”
Diz janota engomadinho
Ao explicar seu sucesso
Após suave caminho
Mas com pedras e buracos
Na morada nos barracos
Padece um povo todinho
A regra do capital
Dita: “Temos que lutar!
Trabalhe, é a condição
Para suas coisas comprar
Aja e vá acumulando!”
O mais apto vai ganhando
Sem o outro considerar
Desde a simples refeição
À segurança e escola
Vai pensar somente em si
Seu esforço é que consola
Quem não dá conta se lasque
Seu abacaxi descasque
Mesmo vazia a sacola
A geração do presente
Urbana e acelerada
Sente o trabalho crescer
E suar por quase nada:
A casa onde morar
E escola para estudar
Vida toda endividada
Todo pobre desde jovem
Aprende a regra operária:
“Busque qualificação
Pela paga monetária!”
Muitos não veem problemas
Um roteiro sem dilemas
Rumo à urna funerária!
O mesmo despossuído
Na estrada de pó e lama
Horas anda até a escola
É um simples panorama
Predestinado à miséria
Essa que é bastante séria
Ninguém lhe vê, não tem fama!
Na cabeça iludida
Pairam sonhos capitais:
“No futuro fico rico
Compro carro e nunca mais
Criarei calos nos pés
Vou mudar minhas marés
Adeus tempos infernais!”
Antes disso acontecer
Ele foi um militante
Por transporte coletivo
Batalhou como estudante
Mas cresceu e se isolou
No conforto se acalmou
Esqueceu o semelhante
Outra pessoa foi lutar
Por melhor educação
A rede pública à míngua
Em precária condição
Organizou passeatas
Juntou gentes tão sensatas
Nada disso foi em vão
Gente brava companheira
Com afinco em muitos anos
Melhorou um bocadinho
Repetiu mesmos enganos
Pode agora dar aos filhos
Pô-los em melhores trilhos
Na escola dos urbanos
Paga então aos seus queridos
A escola particular
Tal se desaparecesse
A pública do radar
Que a cada dia desaba
A qualidade se acaba
Priva o pobre de estudar
Fazem você acreditar
A entrar em uma corrida
Armado para a disputa
Na competição da vida
Ensinam: “Deve vencer!”
Absorto, crê merecer
Vaga em terra prometida
“Você que vive cansado
Prensado na lotação
Seja engrenagem girando
Sonhe com carro e avião
Cuspa nos céus a fumaça
Se nas ruas há desgraça
Feche os vidros do carrão!”
É ruim para as cidades
Tantas naves de metal
Sobe o som, o condutor
No trânsito infernal
Gente rota nos sinais
Parece nada demais
Para um novo liberal
Se teve dores de doença
Em precários hospitais
Buscou por si resolver
Trabalhou, correu bem mais
Outra vez, Senhor Sistema
Solucionou seu problema:
“Nunca pense nos demais!”
Com estudo ou sem diploma
Sua e paga pela doença
Que decerto há de chegar
O trabalho virou crença
Como única solução
Fetiche e ocupação
Ao nascer, já é sentença
Nota os hospitais ruindo
Cenários tão aflitivos
Tristes filas de agonia
Feito bichos primitivos
Que a seleção deletou
Seu lado você sanou
Como os mais competitivos
Junte sua grana e estudo
Posto de bem sucedido
Descanse no lar sonhado
Ilha em mundo corrompido
Quem nada pode comprar
Tem o direito de estar
Nesse mundo colorido
Mas agora sente medo
De o pobretão lhe tomar
No sufoco que ele passa
Não deseja lhe roubar
De uma ilha da fantasia
Talvez tenha em demasia
O que falta em outro lar
As cidades construímos
Baseadas na distinção
Os ricos em fortalezas
Pobres na poluição
Jardins, lagos, pedalinhos
Os parques e cavalinhos
São direitos de patrão
Muralhas e concertinas
Cercam sorte capital
Lá dentro jardins bem feitos
Pé direito colossal
Peles claras no deleite
Pratos finos com azeite
Não veem fome estrutural
Não é crime viver bem
Ter teto e farta comida
Mas é injusta a divisão
Para a maioria sofrida
Por tudo ter de pagar
Até para respirar
Nessa pena tão comprida
Chega mais um mês de maio
Você pensa como aguenta
Ter chegado ainda vivo
A completar seus quarenta
Mas o corpo castigado
Sente o fardo mais pesado
Não crê chegar aos setenta!
Quando estiver quase morto
Poderá se aposentar
As prestações ainda deve
Pelo canto de morar
Mas você está contente
Obedece sorridente
Resta a alma a barganhar
Aos operários do mundo
Imersos na solidão
A grande farsa contada
Funciona como empurrão
Mais trabalho, sem lazer
Tanto sonha merecer
Que até vota no patrão!
Somos gente castigada
Tal Patativa dizia
Sobre dura ocupação
“Só tem direito a dois dia
O resto para o patrão”
Suor, calo e privação
Na toada da carestia
Aprendi no couro próprio
Não adianta ser sozinho
Se o próximo passa mal
Não se chega a bom caminho
O planeta é destruído
Sufocado e poluído
Por propósito mesquinho
Em círculo vicioso
Não se freiam as potências
Elas vislumbram no espaço
Solução às negligências
Pois a Terra não suporta
Essa ideologia torta
De capitais consequências.
*Biólogo e aprendiz de escritor. Cursando Letras no IFPB. Natural de Ubá - MG e Moro em João Pessoa - PB. Os cordéis produzidos estão disponíveis no site https://www.gumier.com.br/inicio
Edição: Polyanna Gomes