Paraíba

RACISMO

Vinicius Junior: o racismo emblemático e o racismo nosso de cada a dia

Texto de opinião abordando os casos de racismo que o jogador vem sofrendo na La Liga espanhola

Brasil de Fato PB |
Vini Jr. com a taça da Champions League, conquistada pelo Real Madrid, em 2022. - Foto Divulgação

Por Ariosvalber de Souza Oliveira* 

O futebol é o esporte mais popular no mundo e sofre os efeitos dos contextos históricos, sociais e econômicos nos quais está inserido. Dessa maneira, acompanhamos estarrecidos o caso mais recente de racismo sofrido pelo atacante brasileiro, Vinicius Junior, no último domingo, 21/05/2023, no jogo entre Valencia e Real Madrid. Esse revoltante episódio evidencia o quanto o racismo é um dos grandes problemas presentes na atualidade. 

Uma partida de futebol não se trata meramente de um jogo entre duas equipes adversárias que se encontra alheio as disputas e aos conflitos existentes no mundo social.  Desse modo, torna-se uma quimera de péssimo gosto os argumentos postos por alguns jornalistas esportivos de que não se deve mistura política com futebol. O correto é compreender que não se tem como dissociar o futebol das questões políticas.

Vinicius Junior é o jogador do futebol brasileiro de maior destaque na atualidade, ele é jovem, alegre e irreverente, suas danças e seu sorriso negro estampado nas comemorações dos gols são suas principais marcas. Trata-se de um atacante habilidoso, extremamente rápido e agudo. Vini Jr., como também é conhecido, encontra-se em plena ascensão da carreira, fez o gol que garantiu o título da última Champions League, conquistado pelo Real Madrid, em 2022. 

A financeirização globalizada hegemônico modificou as maneiras de transmissão e de redistribuição do futebol no mundo. Hoje, os jogos dos times europeus são consumidos em milhares de países, com grande presença na América Latina e no Brasil. Daí ser comum encontrar crianças e jovens brasileiros com camisas de clubes europeus, tais como Barcelona, Bayern de Munique, Manchester City, entre outros tantos. Isso ocorre de São Paulo a Coxixola, do Rio de Janeiro a Palmas. Logo, os campeonatos dos países europeus se tornaram eventos de repercussão mundial, com efeito, La Liga espanhola é consumida de igual maneira.

De maneira globalizada ficaram expostas à luz do dia as feridas abertas do colonialismo e do racismo europeu. Numa demonstração horrenda de manifestação pública de ataque à dignidade, ao ser humano Vinicius Junior e a todos os negros e negras do mundo. Agressões que, aliás, vem sendo recorrentes contra o mais notável atacante da seleção brasileira, mas que nesse último jogo ganhou contornos emblemáticos, pela evidência pública.
 
É lamentável que um dos mais destacados jogadores do futebol mundial tenha sido e ainda esteja sendo submetido ao ataque do racismo. Denota-se, assim, que os racistas não aceitam a ascensão do homem negro, seja em qual espaço for. Imaginemos a exposição ao racismo enfrentado na vida cotidiana pela comunidade negra anônima que “sobrevive” na Espanha, Europa e no Brasil.

Nesse contexto, o jurista Adilson Moreira, ao debater sobre o “racismo recreativo”, nos traz um conjunto de reflexões importantes para refletirmos sobre esse episódio. Primeiramente, Moreira denomina de “racismo recreativo” as práticas racistas reproduzidas e naturalizadas por meio de brincadeiras presentes no dia a dia, e também localizadas nos estádios de futebol.

Uma das principais características do racismo recreativo é a ridicularização do negro por via das piadas e das ofensas naturalizadas na sociedade. Nesse sentido, despersonalizar Vinicius Junior, imitando gestos de um primata e chamando-o de macaco, trata-se de uma das mais cruéis formas de ódio, em outros termos, é defender que ele não é um ser humano. Adilson Moreira afirma que as sociedades que permitem a circulação desses tipos de discursos, que negam a humanidade de um grupo de pessoas, admitem que eles possam ser discriminados, subalternizados, segredados e exterminados, porque sedimentam a ideia de que são pessoas que não merecem empatia e consideração. 

Assim, esperamos que esse caso emblemático seja um marco na luta contra o racismo e, igualmente, desejamos que a educação antirracista esteja presente nos currículos educacionais de todos os países, para que assim enfrentemos esse inimigo enraizado e presente, mais do que nunca, na sociedade. 

Quanto ao Brasil, o senador Magno Malta (PL-ES) recentemente destilou todo ideário que demonstra a lógica do nosso racismo do dia a dia, no qual atribui-se à vítima a culpa e sempre tenta-se relativizar a questão. O antropólogo Kabengele Munanga foi certeiro quando afirmou que “o racismo no Brasil é um crime perfeito”. Esperamos que os movimentos e as entidades negras reajam com coragem e determinação contra esse agente público, para que o mesmo receba a punição devida. E tal intento só terá chances de se concretizar, se nós, negros, tomarmos parte da ação. 

Por fim, Vinicius Junior se levantou com altivez contra a violência tétrica do racismo. Sua coragem é inspiradora e representa a bola de ouro e o gol de placa mais importante de sua carreira promissora.  



*Militante do Movimento Negro de Campina Grande e membro do Comitê de Cultura Popular da UEPB. 
Contato: [email protected]

 

Edição: Maria Franco