Paraíba

Coluna

Escola e Resistência: o Núcleo de Apoio à Mulher

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"Na luta por uma escola segura, sem utopia, nasceu a ideia da criação de um núcleo de apoio à mulher! " - Arquivo Pessoal - Autor
A escola é o lugar das revoluções atuais!

Por Hígor Lins da Costa*

Ao questionar-me sobre como estabelecer esse diálogo, defrontado com a novidade de traduzir pensamentos e torná-los públicos, percebi que não há forma melhor de dizer quem sou, senão pelas temáticas que julgo importantes. Sou professor de Geografia de uma escola estadual da Paraíba. Considero que a escola é uma amostragem social que merece um voto de esperança e que deve ser utilizada como referência de replicabilidade para contrapor “utopicamente” uma macroestrutura densa e complexa que nos consome desde os primeiros anos de vida e só nos dispensa na porta do cemitério. Em outras palavras, a escola é o lugar das revoluções atuais!

O fato é que, diante das condições que se impõem sobre nós, reclamar é um caminho; um outro é a acomodação e o terceiro, a meu ver mais viável, é compreender e aplicar formas inteligentes de resistência dentro dos ambientes onde estamos inseridos. Entretanto, esse texto não pretende desestimular, entristecer ou fazer desistir de um mundo melhor. Muito pelo contrário. Aqui, apresentarei algumas experiências do chão da escola que, na minha opinião, se apoiam numa tríade que o sociólogo americano Erik Olin Wright (1947-2019) define como "sendo valores centrais para estabelecer uma crítica ao sistema vigente: igualdade/justiça; democracia/liberdade e comunidade/solidariedade".

Na escola, esses valores estão em plena efervescência, acredite!

A compreensão da escola enquanto um lugar plural, acolhedor e propenso à construção e afirmação de identidades, territórios e do próprio autoconhecimento é fundamental para que a educação seja transformadora. A escola é lugar de falar sobre tudo! Nesse contexto, o surgimento de espaços de diálogos sobre raça, etnia, gênero e sexualidade, naturalmente, podem evoluir para agrupamentos mais estruturados como núcleos e/ou coletivos. 

A noção de igualdade, no que diz respeito ao gênero, por exemplo, pode estabelecer laços que vão além de contextos econômicos ou religiosos, favorecendo uma solidariedade emergente e aglutinadora que se traduz muito claramente em manifestações relacionadas  ao(s) feminismo(s). Mais um parêntese: não pretendo - na condição de homem, branco, hétero, de classe  média - estabelecer parâmetros de análise para discussões às quais não tenho lugar de fala. Todavia, enquanto educador, creio ser necessário um engajamento nas discussões que ocorrem transversalmente na escola, para além da base comum curricular e da tragédia do novo ensino médio (certamente, falaremos disso em outra oportunidade e...#RevogaoNovoEnsinoMédio).

Se você chegou até aqui, saiba que temos um foco: A escola como um lugar de resistência organizada, consciente e estruturada! Agora você verá como um grupo de alunas está transformando o espaço na escola em que trabalho, na cidade de Cuité, Paraíba. Como em todos os lugares que existem relações humanas influenciadas pela lógica patriarcal, machista e misógina, fatalmente, é comum o surgimento algumas reclamações  sobre situações em que as meninas da escola se sentiam desconfortáveis, juntamente com relatos que explicitavam comportamentos indevidos de alunos e até mesmo de professores (perceba que “comum” é diferente de “normal”). Na luta por uma escola segura, sem utopia, nasceu a ideia da criação de um núcleo de apoio à mulher! Mas o que é o núcleo? 

Veja o que responderam algumas alunas...**

“Se vocês tivessem que dizer o que é o núcleo, o que vocês diriam?”

“É um meio onde as mulheres podem recorrer em momentos delicados como assédio, abuso verbal ou sexual. Em geral, é uma base para ajudar a todos indiretamente.” Margarida, 15 anos. 

“É um lugar de apoio onde todas podemos ir quando estamos perdidas em momentos de desespero.” Rosa, 17 anos.

“...para crescermos juntas, batalhar e defender sempre os nossos direitos.” Acácia, 17 anos.

“O núcleo é um lugar onde nós mulheres podemos ser quem somos, ter a liberdade de falar sem medo de julgamentos ou algo do tipo, local que aprendemos mais sobre a força da mulher e as batalhas que enfrentamos sempre por apenas ser mulher.” Violeta, 16 anos.

“Um coletivo de ajuda, apoio. Um grupo de segurança onde você pode compartilhar suas vivências e pensamentos para outras mulheres. Tudo feito e pensado na inclusão, onde todas são acolhidas.” Camélia, 16 anos.

“Ajudar mulheres, acho que também baseado em história sobre elas, histórias de mulheres que sofreram no passado, o quanto foi terrível, o quanto elas foram guerreiras por presenciar vários momentos desagradáveis…. O núcleo também pode ser uma família onde vamos estar  presentes, apoiando mulheres que queiram falar mais sobre o que faz com que elas se sintam desconfortáveis ou até mesmo coisas que foram constrangedoras para elas. Acho que o núcleo pode ser isso e muito mais.” Dália, 16 anos.

“O núcleo é lugar de apoio a nós mulheres, onde a gente pode se sentir segura para compartilhar sentimentos e situações que temos em comum, justamente por sermos mulheres. Um lugar onde me sinto entendida, que posso compartilhar minha história e conhecer a história de outras mulheres incríveis. E é um lugar que passa informações importantíssimas. Falamos de assuntos fortes e que precisam ser falados. Enfim, é um lugar de apoio, acolhimento, informações, amadurecimento. E é bom saber que tem um núcleo que nos acolhe. Um lugar que não somos julgadas.” Íris, 16 anos.

“Um lugar seguro onde posso me expressar sem ser julgada ou atacada.” Jasmim, 16 anos.

“O núcleo de mulher e para apoiar, empoderar todas as mulheres.” Tulipa, 17 anos.


Diante dos relatos, quase nada me resta a acrescentar sobre o efeito positivo que a existência do núcleo vem promovendo dentro da escola. O núcleo é totalmente coordenado por mulheres, com um enorme suporte do Coletivo Margaridas (UFCG), através de professoras que, atendendo um pedido de “socorro”, acolheram e foram acolhidas, ensinam e aprendem e são fundamentais na construção de uma educação  baseada na lógica do afeto. Lembram do que falei sobre a escola ser o lugar das  revoluções atuais? É isso!

Como disse uma aluna: “acho que o núcleo pode ser isso e muito mais!” Espero voltar para discutir mais experiências de resistência na escola ou outros temas assim. 

Por uma escola que resista!


 


*O autor é natural de Cuité, professor de Geografia na Escola Estadual Cidadã Integral Técnica Jornalista José Itamar da Rocha Cândido, mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, militante da educação, músico nas horas vagas e apaixonado pelo Vasco da Gama.

**Os nomes das alunas não foram identificados pois o formulário se deu de forma anônima, então, usei codinomes. 

Edição: Polyanna Gomes