Paraíba

CULTURA

Angela Pereira estreia na literatura paraibana com o livro de poemas 'Mulherfagia'

Ela compartilhou nas redes sociais uma campanha de financiamento, que vai até 29/09

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Reprodução - Foto: Helton Nóbrega

A escritora Angela Pereira compartilhou nas redes sociais uma campanha de financiamento do seu primeiro livro de poemas 'Mulherfagia', com lançamento pela Triluna, editora que tem aberto caminhos para escritoras/es paraibanos que normalmente não teriam espaço no concorrido mundo editorial. A campanha vai até 29 de setembro, através do link https://benfeitoria.com/mulherfagia  

"O título do livro 'Mulherfagia' foi extraído de um dos poemas que o compõe. Fagia vem do grego “Fagô”, e significa comer, ingerir. Mulherfagia, então, expressa a constante necessidade de introspecção, autoconhecimento e transformações subjetivas e objetivas, mediadas pelas vivências castradoras e colonizadoras que as mulheres vivem na sociedade capitalista, colonialista, racista e heteropatriarcal. Fala então de um desejo perene, permanente de enfrentamento dos padrões impostos às mulheres, especialmente às negras. Não se trata de comer-se e autodestruir-se, mas sim de ressignificar experiências a partir do entendimento das opressões em que vivemos e enfrentá-las em coletivo", explica a autora.

O livro conta com 40 poemas em versos livres e do gênero haikai, abordando temáticas de lutas sociais, que a autora considera engajadas politicamente. A previsão é de que a publicação seja lançada até o final deste ano.

Leia a chamada veiculada por ela:

Olá, pessoa querida! 💓

Espero encontrá-la em paz e feliz! ✨

Sou honrada por tê-la encontrado nessa jornada de aventuras e desafios que é a vida. 

Somos resultado dos encontros que temos nessa vida, por isso sou imensamente grata por reconhecer em mim parte do que lhe compõe e das experiências que compartilhamos.

Transcorridos 40 anos de vida, resolvi apresentar a você como transformei o amor às letras, à escrita e ao desejo de um mundo justo em poesia. E você faz parte das descobertas, das trocas e dos sonhos dessa jornada que transformei em poemas.

Convido você a contribuir com a campanha de financiamento do meu primeiro livro de poemas a ser lançado pela editora Triluna, que tem aberto  caminhos para escritoras/es paraibanos que normalmente não teriam espaço num mundo editorial tão concorrido. 

Faixas de contribuição:

✓10R$ - 2 Lambes impressos em tamanho A4_

✓20R$ - 1 Print da arte da capa tamanho A4 da artista Luiza Bié ( @bieartecolagem_)_

✓40R$ - 1 Livro físico tamanho 14x21_                                              

✓100R$- Combo: 2 Lambes impressos em tamanho A4 + 1
Print da arte da Capa da artista Luiza Bié (@bieartecolagem_) + 1 Livro físico tamanho 14 x21     

Conto com seu apoio! ❤️

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Mulherfagia

Ando com uma fome insaciável

Quanto mais passam por meus dentes
verdades ditas lá fora como devo ser

Mais me acomete uma vontade de comer-me
Devorar-me

Porque sou construção de um mundo de verdades
que a mim não pertencem
Eu-mulher

A cada mordida
A cada saliva que molha minha carne
e as ideias que a ela dão vida
Mais tenho fome

Entre uma mordida e outra
Dou-me conta:
“Não és, meu bem, a mesma mulher”

Respiro histórias como as minhas

Ganho fôlego para seguir dilacerando verdades
Que não são minhas

______________________________

25 de julho

Sou mulher de pele preta.
Com muito orgulho, sou negra.

Ao som do atabaque
Do berimbau, do agogô
E do pandeiro.

Por essa cor carrego
Marcas do açoite que ficaram

Dores que não são só minhas.

Do meu sangue pulsa alegria
E sonhos que não são só meus

Não, não me entrego
Minhas ancestrais não deixam

Meu cabelo crespo
Eu não mais estico
Pro caminho o quero apontando livre.

Não, não me entrego
Minhas companheiras não deixam.

O corpo é meu. E eu decido,
Mas meu corpo é coletivo e eu resisto.

Não, não me entrego. Minha gente não deixa
De mãos, trabalhadoras, dadas
O caminho vamos construindo...

______________________________

Poeta todo dia no dia todo.

Olho vê.
Ouvido escuta.
Tato toca.
Boca gosta.
Dedos recolhem dos sentidos a palavra escrita.
Verso livre...
Sem métrica, sem rima, sem firma.

Poeta é quem mistura o sentido.

Sente em demasia
Ressoa rebeldia
Abraça desmedido

Proseia em poesia

Pra encurtar distâncias

Dia todo.
Todo dia.


Reprodução / Card: Reprodução

Sobre a obra

Com um título atemporal Mulherfagia, de Ângela Pereira reúne poemas em que a autora se volta à apreciação de todos os processos e mudanças transcorridos e que continuam a ser atravessados na vida dessa mulher imparável. Transcorridos 40 anos de vida, a fome de “devorar verdades ditas lá fora sobre como eu devo ser” segue insaciável, prevendo que vários “ismos” ainda precisarão ser devorados para afirmar para outros_ não pra si_ quem realmente é. O título escolhido para o seu primeiro livro não faz menção ao movimento antropofágico do Modernismo e, até poder-se-ia, com o adendo de que Mulherfagia revoluciona ao convocar os leitores ao rompimento e à destruição simbólica dos padrões comportamentais heteropatriarcais, capitalistas, racistas e abolir todas as correntes que tentam castrar as potencialidades do que as mulheres são e podem vir a ser.

A obra reúne poesias em versos livres e haikai, foi organizado em três partes: Descasulando, Processo e Identidade. Descasulando, Ângela reúne as primeiras poesias escritas pela autora, refletindo processos de transformação pessoais encasulados que registraram mudanças sobre o ser feminino em transição, descobrindo potências represadas, alegrias, paixões e decepções da inocência perdida, do ser poeta e tornar-se mulher na sociedade capitalista, racista e heteropatriarcal. Em Processo, a autora aborda a revolta depois da decepção e a alegria da inocência perdida. A sua escrita faz a denúncia das dores, julgamentos, imposições e violências sofridas individual e coletivamente, assim como uma ode ao amor e aos feminismos que acolhem e libertam.

Por fim, em Identidade, a poética de Ângela expõe o resgate da humanidade roubada pelo racismo e pela branquitude; a afirmação da identidade político cultural ancestral como mulher negra, a percepção tardia desta através do feminismo negro; a ênfase recai sobre um projeto de sociedade viva e das revoluções que virão. Mulherfagia abre caminhos para mostrar a que veio a poeta Ângela Pereira, em sua contínua (re)existência.

Sobre a autora

Ângela Pereira é escritora, mulher negra nordestina com nome e sobrenome, ativista e Fisioterapeuta e Mestra em Serviço Social (UFPB) e Doutoranda em Saúde Pública (IAM/FIOCRUZ-PE). Gestada das vontades e condições de existência de dois pernambucanos: Cláudia, uma mulher afro-indígena e Edinaldo, um homem negro com alguns traços brancos, viveu anos da infância e adolescência, junto com suas irmãs, Anamércia e Aldineide, migrando para diferentes estados do Nordeste onde o latifúndio, a monocultura canavieira e a agroindústria sucroalcooleira imperavam.

O pai trabalhava como técnico agrícola, buscando melhores condições de trabalho e remuneração em Estados diferentes do Nordeste. Nesses cenários, vivenciou disparidades socioeconômicas e socioambientais, uma vez que morou em lugares em que essas se faziam evidentes. Sua mãe, por sua vez, de vida mais urbana na infância e adolescência, estudou até parte do primeiro ano, mas abandonou os estudos porque, ao se casar, assumiu o trabalho doméstico e de cuidados como sua única atividade e reproduzindo três filhas.

Essa condição determinou implicações importantes nas escolhas feitas ao longo da vida jovem e adulta da autora, exigindo-lhe dedicação aos estudos e impreterivelmente conduziram-na ao ativismo político. Estimulada ao estudo como forma de desenhar um futuro diferente, Ângela Pereira sempre se entreteve com o cheiro dos materiais escolares novos e com o universo de possibilidades nos corredores das bibliotecas por onde passou.

Nas redações escolares, já se destacava pela habilidade com a escrita e já demonstrava um perfil de liderança sendo eleita representante de turma no ensino fundamental. Retornou a João Pessoa, onde nasceu, para continuar sua formação política, acadêmica e profissional, tornando-se sanitarista e ativista social junto a movimentos sociais camponeses, sindicalistas e feministas. Em constante transformação, mediada pelo mundo e pelas experiências que teve nos diversos lugares por onde passou, aproveita o prazer de escrever para expor as vivências, os medos, as alegrias, angústias e desejos...

Protegida por Oyá e Ogum, ariana com ascendente em gêmeos, lua em libra e meio do céu em aquário, ativista feminista de pele negra, antirracista, amante e defensora da natureza, Ângela está à procura de respostas. Na escrita, entrega-se ao desejo de entender o mundo: a si mesma, as pessoas e as coisas que o povoam, sobretudo, acreditando que é possível um mundo livre da exploração do ser humano por outro ser humano.

"Escrevo há 14 anos. Registrava em um blog e participei de alguns saraus além de apresentar em alguns espaços de militância. Como entrar no mercado editorial é difícil, aproveitei a II Chamada Lua Negra da Editora Triluna para  reunir alguns dos poemas que tenho nesse primeiro livro. Eu considero que fui influenciada por escritoras como Clarice Lispector, Simone de Beauvoir e poetas como Conceição Evaristo e Beatriz Nascimento, que também é uma intelectual importante para a constituição das lutas antirracistas no Brasil", se apresenta ela.

Clique no link para maiores informações: https://benfeitoria.com/mulherfagia  
 


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Edição: Cida Alves