Nos dias 24 e 25 de agosto a 'Missão Denúncia' visita quatro territórios da região metropolitana de João Pessoa para apurar violações do direito à moradia sofridas pela população, como a dificuldade no acesso à infraestrutura básica: água e saneamento, além de ameaças de despejos irregulares. Entre as comunidades e ocupações visitadas nessa quinta (24) estão Porto do Capim, São Rafael, João Pedro Teixeira e Ricardo Brindeiro. O professor de Geografia e pesquisador do Observatório das Metrópoles, Alexandre Sabino, explicou ao BdF-PB a importância desse trabalho de visita, fiscalização e denúncia.
"Com a pandemia, revelamos uma maior precariedade e violação de direitos humanos quando surgiu a recomendação de ficar em casa, em um ambiente limpo e higienizado, ai se mostrou um quadro onde as pessoas não tinha habitação ou coabitavam juntas, aglomeradas, que é o caso de João Pessoa, pois 50% do déficit habitacional da Capital Paraibana é com coabitação. E aí, essas missões surgiram para realizar essa fiscalização através de comitivas nacionais que tem passado por cidades brasileiras, a exemplo de Manaus, a terceira cidade do país que tem o maior índice de despejo do Brasil; Rio de Janeiro, Santos, Recife, enfim, cidades que tem esse contexto de violação dos direitos humanos e que dentro desse contexto está o direito à moradia", explica o professor.
A Missão Denúncia é organizada pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Fórum Nacional de Direitos Humanos (FNRU), Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU), Campanha Nacional Despejo Zero, Habitat para a Humanidade Brasil, CDES Direitos Humanos, CPDH, MBP, CAUS, ARL, CPT, MNLM, CMP, UNMP, MTST Brasil, CONAM, MTD, MUST, MLB, MLRT, MTST, Terra de Direitos e Cendhec.
ESCOLHA DA CAPITAL PARAIBANA
Gleyson Melo, Coordenador do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direito da Paraíba (MTD-PB), explica que a articulação foi construída com o Fórum Nacional da Reforma Urbana para que a Paraíba se tornasse um dos estados que precisava receber essa visita do projeto, visto que, nos últimos cinco anos, aconteceram muitos despejos ilegais culminando em violações dos diretos à moradia.
"Aqui na Paraíba é a primeira vez que a missão acontece, nós do MTD nos colocamos em reunião juntamente com o FNRU para que João Pessoa pudesse figurar na Missão Denúncia, até porque estamos vivenciando e percebendo um histórico e volume grande de violações dos direitos fundamentais de pessoas que lutam por moradia, por reforma urbana e pelo direito à cidade de modo geral. São inúmeros despejos ilegais, a exemplo do que temos vivido nesses últimos cinco anos recentemente aqui como o despejo do Mussum Magro em Valentina, o de Vista Verde que aconteceu no bairro das Indústrias e o mais recente e marcante né, foi o de Dubai, onde mais de 400 famílias foram despejadas de seu espaço de forma violenta", afirma Gleyson.
Professor Alexandre Sabino explica ainda que o resultado dessa missão estar acontecendo em João Pessoa, mostra que a Capital Paraibana passa por um momento delicado de crescimento da desigualdade, pois através de dados divulgados pelo Observatório das Metrópoles (2021-2022), João Pessoa se encaixa como uma das regiões mais desiguais do país na questão de renda, além de ter um avanço preocupante dos setores imobiliário e financeiro na cidade que visam grandes intervenções estruturais, as quais acabam levando ao maior número de despejos e remoções de famílias dos espaços urbanos.
"O despejo vem com reintegrações de posses de áreas entendidas como valorizadas, a exemplo do sul da cidade temos a comunidade de Aratu, ou nas áreas do litoral como a ocupação Ricardo Brindeiro. Então, os espaços que serão visitados possuem lutas históricas de ocupação de 50/70 anos que nunca tiveram o olhar do Estado, mas a medida que essas áreas começam a ser valorizadas, ai passam a ser cobiçadas pelos mercados. Então a missão vem nesse sentido, de denunciar essas violações", explica.
COMUNIDADES E OCUPAÇÕES
Em João Pessoa, a Missão Denúncia escolheu quatro territórios que estão sofrendo potenciais ameaças de despejo, são eles:
- Ricardo Brindeiro (Altiplano)
A Comunidade já sofreu diversas violações, principalmente com os cortes constantes de luz, uma vez que fica localizada no bairro do Altiplano o qual, que nesses últimos anos, tem recebido um grande avanço nas especulações e projetos imobiliários.
- São Rafael (Castelo Branco)
Mais de 1000 famílias estão sendo ameaçadas nessa comunidade, isso porque se pensa a construção de um Parque Linear nessa área, que inclusive foi pensado e proposto sem diálogo com a população local.
- Ocupação João Pedro Teixeira (Centro)
Fica no Edifício das Nações Unidas e acomoda mais de 40 famílias que estão há mais de um ano reivindicando o direito à moradia.
- Porto do Capim
Desde a década de 80/90 essa comunidade sofre investidas com discurso de requalificação urbana, revitalização da cidade; inclusive falando em trazer de volta a área portuária daquele espaço para João Pessoa. Essa comunidade sofreu novamente investidas nesses últimos dias pela prefeitura de João Pessoa e volta ao mapa de possibilidade de despejo.
PROGRAMAÇÃO
Durante os dois dias (24/08 e 25/08) de visitas às comunidades, a equipe, formada por representantes das entidades envolvidas na missão, vai coletar depoimentos de moradores sobre as violações. Todos os territórios visitados estão com ordens de despejo, seja em andamento ou suspensos por liminar. Segundo dados da Campanha Nacional Despejo Zero, quase 12 mil famílias paraibanas vivem ameaçadas por despejo, sendo 7,8 mil só na capital, João Pessoa.
"Os movimento sociais da Paraíba junto ao FNRU estão todos articulados nessa visita da Missão, se empenhando junto desse processo para quem sabe, possamos redefinir essa política, reorientar essa política, ou até pelo menos fazer com que essas pessoas tenham voz e sejam vistas pelo poder público, pela sociedade; é preciso vir à tona tudo que vem acontecendo na cidade, então após esse relatório esperamos que esses dados sejam expostos, essas violações sejam divulgadas. Temos muitas áreas que vivem em constantes ameaças, e cada dia mais eles retiram os pobres dos grandes centros urbanos onde existe estrutura fundamental para a vida: iluminação, transporte, comida. Então, o que queremos é que essas pessoas tenham o legítimo direito a moradia e cidadania", pontua Gleyson Melo.
Ainda nesta sexta-feira (25) acontece uma Audiência Pública na Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) para que se possa traçar panoramas e expor as realidades de violações de diretos à moradia em João Pessoa.
"Precisamos expor essas chagas para a sociedade, para a imprensa, para os poderes públicos, no intuito de que esses casos não sejam mais invisibilizados e assim criar condições de maior incidência política, de luta e de participação popular. Precisamos nos reforçar e nos articular entre academia, moradores, cidadãos e poderes públicos para que esses direitos sejam garantidos", afirma Alexandre.
Edição: Cida Alves