Talvez a xilogravura seja o maior momento de silêncio dos outros em mim
Por Hiago Trindade*
Mesmo que não tenha surgido em nossa região, a xilogravura é, antes de tudo, uma forma de resistência do povo nordestino que, em meio a tantas adversidades, insistiu em olhar ao redor para buscar formas de criar estéticas, produzir arte e manter a vida mais amena e carregada de sentidos.
A técnica é conhecida de alguns de nós: as goivas são manipuladas pelo(a) artista e tocam as superfícies para, com cuidado e destreza, criar contornos e formas diversas. Assim, os instrumentos passeiam pela madeira e "escavacam-na" registrando, a partir das imagens produzidas, histórias reais e fantasiosas, ao mesmo tempo em que retratam e conservam nossa cultura.
É comum vermos xilogravuras impressas nas capas dos cordéis, estampadas em camisetas, impressas em papéis e em telas. Mas, a artista Bebel (@bebellelis), resolveu registrar suas impressões nos corpos e, a partir disso, passou a utilizar a xilotattoo. Assim, cada desenho é criado de forma tradicional, sendo esculpido na superfície, contudo, ganha vida e cores a partir das técnicas da tatuagem, criando um universo artístico significativo.
Aliás, também é significativa a relação que a artista tem com a xilogravura, técnica que aprendeu com seu pai ainda menina em Taperoá-PB e aperfeiçoou com o transcorrer do tempo, a partir de seus estudos e da influência de mestres como Arnilson Montenegro.
Para Bebel, a xilogravura representa um estado de conexão entre diferentes tempos: o passado, o presente e o futuro; e eles se mesclam em cada uma de suas obras, revelando as marcas afetivas que compõem a história da artista, como podemos perceber a partir de suas próprias palavras:
"A xilogravura pra mim significa o natural, é onde eu me reconecto com a Bebel criança em Taperoá que brincava de deixar suas marcas nas superfícies que a acolhesse. Entro em estado de flow, desconecto de tudo. Talvez seja o maior momento de silêncio dos outros em mim".
Suas impressões (nos corpos ou nas telas) retratam, em grande medida, os fatos que caracterizam a cultura nordestina: a festa junina, o cactus, o galo de campina, entre tantas outras imagens carregadas de significados potentes.
Além das xilotattoos, Bebel também se interessa em explorar as diversas possibilidades com a xilogravura e, atualmente, está se preparando para exposições e turnês com seu trabalho, além da assinatura de editoriais ilustrados com a xilo. Há, portanto, muita arte para ser socializada nos próximos meses. Sigamos, assim, inspirados pelas xilogravuras e xilotattoos de Bebel, criando e recriando o mundo em que caminhamos!
SOBRE A ARTISTA
Bebel Lélis é uma artista caririzeira criada em Taperoá, na Paraíba, mas atualmente trabalha em João Pessoa, onde exerce suas atividades artísticas. Em 2018, cursou Arte e Mídia na UFCG iniciando assim sua trajetória profissional e, desde então, transita pelos campos da xilogravura e do audiovisual, tendo como enlace de seu trabalho o regionalismo.
Bebel Lelis trabalhando em seu studio de xilogravura/xilotattoo / Divulgação - @bebellelis
*Hiago Trindade é doutor em Serviço Social pela UFRJ e professor do curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Campina Grande (Campus Sumé). Ainda pela UFCG, cursa o bacharelado em Arte e Mídia
Edição: Polyanna Gomes