As denúncias dessa missão revelam as lutas de parte da população pobre da cidade pelo lugar de vida
Por Rafael Faleiros de Pádua*
Nos dias 24 e 25 de agosto passado aconteceu a "Missão Denúncia - Defesa do direito à moradia, ao território e contra os despejos em João Pessoa/PB", realizada em parceria pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana, pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos, Campanha Despejo Zero, Fórum Estadual de Reforma Urbana da Paraíba e pelas Ongs Habitat para a Humanidade Brasil e CDES Direitos Humanos, assim como por diversos movimentos sociais locais e estaduais, entidades de defesa dos direitos humanos e representantes de Universidades.
A Missão teve por objetivo conhecer a realidade de Comunidades ameaçadas de remoção forçada e que estão em processo de resistência nesse momento através da visita nos locais e do relato dos próprios moradores. Foram visitadas no dia 24 as Comunidades Ricardo Brindeiro, São Rafael e Porto do Capim e a Ocupação João Pedro Teixeira. Houve também no dia 24 uma reunião entre os representantes do Fórum Nacional de Reforma Urbana e os representantes do Fórum Estadual de Reforma Urbana da Paraíba, para que houvesse uma maior aproximação entre os dois fóruns.
No dia 25 foi realizada uma Audiência Pública Popular na Assembleia Legislativa da Paraíba no contexto da Missão Denúncia, convocada pelos Mandatos do Vereador Marcos Henriques (PT) e da Deputada Estadual Cida Ramos (PT). Além dos representantes das Comunidades visitadas no dia anterior e autoridades como Defensorias Públicas Estadual e Federal, Ministério Público Federal, expuseram suas denúncias na Audiência Pública também representantes de outras Comunidades que vêm sofrendo ameaças de despejo ou já sofreram despejos violentos. Nesses dois dias houve, portanto, intenso levantamento de violações de direitos que estão acontecendo em João Pessoa, sobretudo com a ameaça de despejo de Comunidades de seus lugares para a realização de um projeto hegemônico de produção da cidade enquanto mercadoria e podemos dizer de venda da cidade de João Pessoa pelo mercado imobiliário e pelo setor de turismo, com a mediação fundamental do Estado.
Chegamos ao fato absurdo denunciado pelos movimentos sociais e pelas associações de moradores à Missão que o Estado (nas personificações do Governo do Estado da Paraíba e da Prefeitura de João Pessoa) estão atuando de maneira violenta no sentido de expulsar moradores de seus lugares de vida, onde desenvolveram sua história concreta construindo suas moradias e criando suas famílias por gerações. É o que pode-se verificar no Porto do Capim, ameaçado por projeto turístico da Prefeitura, ou nas comunidades do médio Vale do Rio Jaguaribe, onde o Programa João Pessoa Sustentável pretende expulsar uma grande parte delas para a construção de um parque linear, ou na violenta ação recente sobre moradores agricultores de Jacarapé, no litoral sul da cidade de João Pessoa, que tiveram suas casas e plantações destruídas, numa região onde o Governo do Estado está instalando um grande complexo turístico. Há inúmeros outros casos de violações de direitos humanos fundamentais que os agentes do Estado, muitas vezes articulados com agentes privados que têm interesses nos lugares ocupados pelos pobres, promovem violentas expulsões de populações para abrir caminho para grandes negócios imobiliários e turísticos no espaço da cidade.
As falas de representantes de comunidades ameaçadas na Audiência Pública na Assembleia Legislativa revelaram o desencontro quase absoluto entre o projeto de cidade que hoje é implementado pela Prefeitura e pelo Governo do Estado e as reais necessidades da população. Pior ainda, vê-se que o projeto hegemônico aprofunda os problemas de grande parte da população ao despossuí-la de seus lugares de vida e violar seus direitos básicos começando pelo direito a uma moradia digna. São graves as acusações, pois revelam que a cidade hoje não é pensada pelos seus gestores como o lugar da realização da vida de seus moradores, mas como lugar de negócios com o espaço.
Há uma perspectiva ultra economicista nos poderes públicos que os orienta a tratar a cidade como uma empresa que deve render lucros. No entanto, uma contradição que esses gestores/empresários não compreendem é que em seu fundamento a cidade não é empresa, nem é passível de ser tomada como coisa a ser transformada numa mercadoria, porque é o lugar de vida de toda a população. Essa orientação que os gestores públicos assumem é trágica para os pobres da cidade, mas também é nefasta para todo o conjunto da cidade, na medida em que o avanço da privatização dos espaços cria novas barreiras para o uso da cidade pela totalidade da população.
Uma pequena parcela da população se beneficia com essa orientação neoliberal da produção e uso da cidade, são os proprietários de terras, os construtores, as imobiliárias e os bancos. Assim mesmo se beneficiam de modo financeiro, pois se vivem aqui estão piorando a própria vida, já que promovem a destruição da cidade, destituindo os espaços de moradores, criando enormes espaços privados fechados, impondo uma cidade mais fragmentada e segregada. É contra essa perspectiva de cidade que expulsa os pobres e piora a vida de todos que os movimentos sociais e os moradores de comunidades estão denunciando.
Ao conhecermos comunidades como São Rafael ou Porto do Capim, vemos a história concreta de construção da vida das famílias, a solidariedade, a identidade dos moradores com o lugar e do lugar com a cidade, a noção urbana de Comunidade, que vai se perdendo no cotidiano da cidade, ali aflora com vitalidade no movimento de resistência. Vemos nesses lugares a luta pela permanência no lugar, que é uma luta também pela cidade, por uma cidade possível que seja o lugar do encontro, que ainda se realiza, mesmo que em contexto de precariedade de condições, nessas comunidades. Evidenciam que a cidade que vivemos hoje está muito aquém da cidade possível, e que a necessária luta de resistência pode revelar elementos concretos da vida urbana, que são o acesso à moradia digna, de preferência onde se tem suas raízes, assim como o acesso à educação, saúde, cultura, lazer, enfim, às virtualidades que a vida urbana pode criar no encontro das diferenças.
Dessa forma, as denúncias levantadas nessa missão, que revelam as lutas cotidianas de parte da população pobre da cidade pelo seu lugar da vida, evidenciam para os representantes políticos que gerem a cidade que ela é muito mais diversa que a visão estreita que eles têm dela. Revelam que se avançarem os projetos desumanos de expropriações de comunidades populares para o avanço da cidade-mercadoria, os conflitos gerados pelas lutas de resistência e pelas lutas pela apropriação da cidade se multiplicarão e explicitarão para todo o conjunto da sociedade que se tratam de projetos de destruição da cidade e que há vida concreta nas comunidades ameaçadas de despejo. Evidencia também, para toda a população, que as lutas dos movimentos sociais é por uma cidade humana possível, que seja vivida não de maneira fragmentada e parcialmente por seus moradores, mas onde se realiza a reprodução da vida de maneira plena, como apropriação concreta.
*Professor do Departamento de Geociências da UFPB, coordenador do Projeto de Extensão “Em busca do direito à cidade: ações e debates sobre as lutas urbanas” e participante do FERURB-PB
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Edição: Polyanna Gomes