Paraíba

Coluna

Políticas Públicas de combate à fome no Brasil devem ser contínuas

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“Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome", disse o presidente Lula - Foto: Alessandra Bufe
"Descontinuidades em políticas públicas de acesso à alimentação expõe população à vulnerabilidade"

Por Débora Panis* e Alexandre Cesar Cunha Leite**

Somente a partir do século XXI, o Estado brasileiro investe com mais estrutura e organização na criação de políticas públicas específicas voltadas à promoção da melhoria dos padrões alimentares da população. Isso ocorre de forma mais visível  no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003). Os programas sociais existentes anteriores aos governos de Lula (2003-2010), limitavam-se a iniciativas que não se concentravam na criação de propostas relacionadas à distribuição de renda e à igualdade social. Eram geralmente consideradas como ações de ajuda temporária e paliativa.

À medida que o presidente Lula coloca as políticas públicas de combate à fome como o centro de sua campanha eleitoral em 2003, observou-se uma maior mobilização de recursos ao longo do seu governo em prol da luta contra a fome. A consequência das ações do governo no combate à fome pôde ser observada em 2014, quando o Brasil deixa o Mapa da Fome. Porém, nos anos seguintes, principalmente durante a pandemia de covid-19, a fome voltou a assolar o país com os piores índices de insegurança alimentar desde a década de 1990.

No ano de 2022, as pesquisas indicavam que o país possuía 33,1 milhões de pessoas passando fome. Claro, a indagação que nos vem à mente é: como um país que deixou o mapa da fome em 2014, volta a apresentar  índices mais intensos de insegurança alimentar? Como é possível retornar à índices da década de 1990? Aproximadamente  um terço (32,8%) da população do país encontra-se nas categorias de insegurança alimentar severa ou moderada, o que corresponde a cerca de 70,3 milhões de brasileiros. Os dados anteriores, de 2014 a 2016, indicavam um percentual de 18,3%. 

Entre os anos de 2003 a 2013, o índice de Segurança Alimentar (SA) aumentou e, em 2010, o país foi reconhecido pelo Programa Mundial de Alimentação da ONU como campeão no combate à fome, inclusive exportando políticas de combate à fome para fora do país e tendo o Fome Zero emulado pela FAO. Embora a pandemia de COVID-19 tenha contribuído para agravar a situação de insegurança alimentar, tal evento não pode ser apontado como fator primordial, tendo em vista que o problema da insegurança alimentar não se deve à falta de alimentos, mas sim da existência e manutenção de barreiras que dificultam o acesso aos alimentos. Precisamos questionar: quais são os obstáculos ao acesso da população à alimentação?

Dentre os fatores elencados na literatura especializada, destacamos a adoção de políticas neoliberais de austeridade. Estas foram reintroduzidas no governo de Michel Temer e intensificadas na gestão de Jair Bolsonaro. A drástica redução dos investimentos nas iniciativas de políticas públicas de segurança alimentar somada ao desmonte, descontinuidade ou via a estratégia de morte por inanição das políticas públicas existentes, levou as pessoas em situação de vulnerabilidade e de baixa renda do país a voltar a conviver com a fome.

Na sequência de retrocessos observados, especialmente no governo Bolsonaro, destacamos: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), regulamentado pela Lei nº 10.696/2003, foi descontinuado em 2021 no governo de Jair Bolsonaro sendo substituído pelo Programa Alimenta Brasil. Coube ao governo atual, também de Lula da Silva, retomar o PAA. Também criado no governo Lula, o Programa Bolsa Família, cujo objetivo era garantir renda básica para as famílias em situação de pobreza por meio da transferência de renda foi substituído, em 2021 pelo Auxílio Brasil (Lei nº 14.284), também no governo de Jair Bolsonaro. Cabe destacar que o Auxílio Brasil é um ótimo exemplo de ausência de planejamento na construção de uma política pública. O Bolsa família retorna no ano de 2023 com um novo texto norteador. O mesmo ocorreu com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA) e suas derivações regionais, criado em 1993, por meio do Decreto nº 807/93, desativado no governo de Fernando Henrique Cardoso, reativado no governo de Lula em 2003 e extinto em 2019 por Bolsonaro. O CONSEA também retorna em 2023. 

No ano de 1979, foi instituído o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e, ao longo das últimas décadas, ocorreram várias mudanças significativas. Uma das mais notáveis foi a implementação da Lei nº 11.947/2009, que tornou obrigatória alocar no mínimo 30% dos recursos do Fundo Nacional da Educação para a compra de alimentos provenientes da agricultura familiar. Esse programa tende a figurar entre os maiores programas destinado ao acesso de alimentação, atendendo mais de 40 milhões de estudantes por dia. Entretanto, o montante destinado ao PNAE permaneceu praticamente inalterado desde 2010, sem reajustes substanciais. Além disso, houve uma queda de 20% no orçamento em termos reais no período entre 2014 e 2019.

No governo Bolsonaro houve ainda uma redução expressiva de recursos à agricultura familiar. A agricultura familiar é a maior responsável pelo abastecimento de alimentos para a população. Além disso, o governo de Jair Bolsonaro abandonou programas de construção de cisternas no Semiárido Nordestino

Muitos desses programas desempenharam um papel fundamental na contribuição para que o Brasil saísse do Mapa da Fome. Vários estudos indicam resultados positivos durante o período em que esses programas estavam em vigor . De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período de 2003 a 2011, a taxa de pobreza diminuiu em 56%, caindo de 35,8% para 15,7%. Além disso, o número de brasileiros em situação de desnutrição caiu 82% entre 2002 e 2013.

Nesse contexto, identificam-se três elementos que merecem destaque: O primeiro é o descaso de governos de perfil conservador e elitistas com políticas públicas de combate à fome. O segundo, consequência do descaso, é o enfraquecimento institucional que outrora fortaleceu a busca pela Segurança Alimentar no país. Mas queremos alertar para o terceiro elemento: políticas públicas de combate à fome devem, e devemos atentar para o sentido obrigatório do termo, ser contínuas em casos como o Brasil. Não se pode cogitar descontinuidades em políticas públicas de acesso à alimentação e muito menos em políticas públicas integradas cujo objetivo seja combater à fome. 

A trajetória das políticas públicas de combate à fome observadas nesse curto recorte temporal identifica a ausência de uma unidade federativa sólida e comprometida com o desenvolvimento, com a inclusão e direcionada a sanar problemas de ordem estrutura. Afinal de contas, a fome é estrutural, deriva da desigualdade inerente à constituição do país e da estrutura colonial brasileira. A consequência, com o passar dos anos e dos efeitos de descontinuidade das políticas específicas de combate à fome pode ser observada na maior exposição da população à vulnerabilidade. Ressaltando ainda o impacto na parcela da população mais pobre, distanciada de seus direitos essenciais. 

E o que esperar agora? Durante seu atual mandando o governo Lula lançou planos destinados à retirar o Brasil novamente do Mapa da Fome. Entre as ações destacamos: o lançamento do Plano Brasil Sem Fome que se destina a tirar o país do Mapa da Fome da ONU, reduzir as taxas de pobreza e reduzir os indicadores de insegurança alimentar e nutricional; o reajuste per capita do PNAE; volta do CONSEA; o novo Bolsa Família com critérios de concessão associados à educação e saúde, a valorização do salário mínimo, a retomada do PAA e o Plano Safra da Agricultura Familiar.

O atual presidente, em um discurso recente, afirmou: “Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer, ou que consumam menos calorias e proteínas do que o necessário”. 

Embora o direito humano à alimentação esteja garantido pela Constituição, a orientação das políticas alimentares é dependente da configuração política do país, influenciada pelo seu dinamismo de poder que decide se avança ou retrocede, possibilitando a analogia com uma montanha russa política. Além da questão estrutural, os ciclos políticos podem originar retrocessos. Logo, argumentamos que há necessidade de se pensar políticas públicas de forma contínua para que elas não fiquem à mercê dos interesses de cada governo.

*Discente do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba
**Docente da Universidade Estadual da Paraíba. Criador do SACIAR (@_saciar)


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Edição: Polyanna Gomes