O Movimento de Mulheres da Paraíba, através da Rede de Atenção às Mulheres em Situação de Violência Doméstica (Reamcav), estará realizando um ato de enfrentamento à violência contra as mulheres na Paraíba, no Busto de Tamandaré, nesta quinta-feira (26), a partir das 16h.
O encaminhamento para o evento foi retirado na última reunião de urgência da Rede devido ao assustador recrudescimento do feminicídio no estado.
No mês de outubro, até agora, o Jornal Brasil de Fato computou o assassinato de nove mulheres, por motivo de gênero (feminicídio) através de monitoramento da mídia.
Dados da Secretaria de Segurança do Estado da PB demonstram que já houve 24 feminicídios de janeiro até setembro deste ano.
Dados da Secretaria de Segurança do Estado da PB
Os índices são alarmantes: a Paraíba registrou cinco casos de feminicídio em apenas quatro dias consecutivos; todos os suspeitos são companheiros ou ex-companheiros das vítimas.
::VIOLÊNCIA DOMÉSTICA | Paraíba registra cinco casos de feminicídio em quatro dias consecutivos
E a violência é epidêmica: o Brasil bateu recorde de feminicídios em 2022, com uma mulher morta a cada 6 horas. O número de vítimas cresceu 5% desde 2021, dados do Monitor da Violência. Foram 1,4 mil mortes motivadas pelo gênero.
::Brasil bate recorde de feminicídios em 2022, com uma mulher morta a cada 6 horas
A violência contra a mulher no Brasil aumentou em 2022 em todos os crimes considerados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, estudo do Fórum que compila dados fornecidos por secretarias estaduais e polícias, houve alta de registros de todos os crimes quando se considera apenas as vítimas mulheres.
Em texto publicado no anuário, as pesquisadoras Samira Bueno, Juliana Martins, Amanda Lagreca, Isabela Sobral, Betina Barros e Juliana Brandão destacam quatro possíveis causas para a alta: - desfinanciamento das políticas protetivas para a mulher no governo Bolsonaro; - impacto da pandemia da covid-19 no funcionamento de serviços de acolhimento e proteção às mulheres; - movimentos ultraconservadores que elegeram a igualdade de gênero como inimiga, estimulando o aumento de crimes de ódio; -“backlash”: violência contra a mulher como reação cultural aos avanços obtidos em relação à igualdade de gênero.
Para Irene Marinheiro, coordenadora geral do Centro da Mulher 8 de Março, o crescimento da violência contra mulher tem sido assustador: “Não sabemos nem dimensionar porque é a violência física e psicológica que leva ao assassinato, ao feminicídio. Esse é um problema cultural, por conta do machismo, da sociedade patriarcal que vivemos. Mas ela tem se tornado cada vez mais machista. A covid contribuiu muito para a violência contra as mulheres, crianças e adolescentes porque esses grupos estavam diariamente com seus abusadores e homicidas. Mas também a fala de políticos que defendem a violência, ou não se posicionam contrários, que acham que é normal o abuso sexual ou físico, isso contribuiu para o que estamos vendo na sociedade”, comenta ela.
Impunidade
A questão da impunidade também tem sido um fator importante para o aumento dos índices.
“A gente se pergunta quantos homens feminicidas foram presos naquelas 72 horas. Porque eles encontram desculpas e fogem do local, passam dias sem aparecer. Precisamos sensibilizar a sociedade para se envolver; familiares e vizinhos das mulheres vítimas de violência, para que denunciem. Porque foram criadas muitas políticas públicas, não vou dizer se elas estão ou não estão funcionando, mas elas precisam ser mais rigorosas”, destaca Irene.
Reunião Reamcav
A Rede de Atenção às Mulheres em Situação de Violência Doméstica (Reamcav) é composta por diversas instituições governamentais (estadual e municipal) e não governamentais, as quais formam a rede especializada; coordenada pela Secretaria de estado da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH), responsável por articular os órgãos, serviços e entidades que atuam no enfrentamento e atendimento às mulheres em situação de violência.
No último dia 16 de outubro aconteceu uma reunião em João Pessoa, coordenada pela Secretaria da Mulher e da Diversidade Humana.
“A reunião foi chamada pelo fato do grande número de feminicídio na Paraíba, e a preocupação é fazer com que as mulheres tenham coragem de denunciar antes que o pior aconteça com elas”, explica Lila Oliveira, coordenadora do Centro de Referência da Mulher Ednalva Bezerra, da PMJP.
Na reunião, foi encaminhado o ato para este dia 26 de outubro, além da criação de salas Lilás em hospitais públicos para atendimento especializado e capacitação para policiais e entes da rede e outras ações.
“Precisamos estar juntas e nos unir para reduzir e até acabar com violência contra mulher. A Lei Maria da Penha é uma das melhores do mundo, ela só está precisando ser cumprida”, conclui Irene Marinheiro.
A reunião contou com integrantes da Secretaria de Saúde, TJPB, Comu/UFPB, Secretarias da Mulher de João Pessoa e Patos, Conselho Regional de Psicologia, Movimento de Mulheres, feministas, sociedade civil, Polícia Civil, por meio da Coordenadoria das Delegacias Especializadas de Mulheres, Assembleia Legislativa, representada pela deputada Camila Toscano, Centro de Referência da Mulher de João Pessoa, Programa Integrado Patrulha Maria da Penha e Polícia Militar.
Tornozeleira eletrônica
Em reunião no dia 20/10, o Comando da Polícia Militar da Paraíba definiu o monitoramento eletrônico como medida protetiva de urgência contra os agressores de mulheres.
“Será criado um fluxo para detectar a aproximação do agressor em relação à vítima. Caso isso aconteça, a Polícia Militar será, imediatamente, acionada, com o possível flagrante daquele agressor, que estará incidindo no crime de descumprimento de medida protetiva”, explicou Anna Falcão, juíza titular da 3ª Vara Mista da Comarca de Santa Rita, Região Metropolitana de João Pessoa.
“Recebemos a notícia da tornozeleira eletrônica como muito positiva porque as medidas protetivas não estão dando conta. Os homens recebem a medida protetiva e matam as mulheres, não são presos, e isto é o que contribui para a violência contra as mulheres”, define Irene.
Ainda hoje: mulher morre após ter corpo queimado por companheiro
Enquanto escrevíamos essa matéria, nos deparamos com mais um triste caso de feminicídio: a vítima desta vez morreu após ter o corpo queimado, em João Pessoa. De acordo com as primeiras investigações levantadas pela polícia, o ex-namorado ateou fogo na mulher. Os investigadores tratam o caso como feminicídio. O crime aconteceu no sábado (21) e a vítima foi internada no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa, mas não resistiu aos ferimentos.
Segundo Lila Oliveira, a maioria das mulheres que foram vítimas de feminicídio não procuraram o serviço de proteção para orientar ou solicitar medida protetiva. E é aí onde reside é maior capacidade de impunidade para os agressores.
“A nossa preocupação é principalmente com aquelas mulheres que não querem mais o relacionamento, para que elas possam abrir os olhos aos primeiros sinais de violência que, geralmente, é a violência psicológica. Que elas procurem ajuda, porque a gente trabalha no Centro de Referência da Mulher nessa perspectiva de prevenção, para que a mulher, mesmo no ciclo da violência, possa se fortalecer para que não aconteça o pior na vida dela”, destaca Lila.
Ameaças são reais
A coordenadora reitera que aos primeiros sinais de violência a mulher deve procurar ajuda; as mulheres que são assassinadas pelos companheiros sofrem primeiramente a violência psicológica: “Quando um agressor vem a praticar o feminicídio, a mulher já passou por diversas situações de perseguição e humilhação. E quando a mulher sai do relacionamento, que ela não quer mais, e o homem insiste, para nós, isso já são sinais de que ele está ameaçando a mulher”.
As ameaças não são levadas a sério: “Muitas vezes os homens falam e repetem, mas as mulheres não acreditam que eles possam fazer o pior. E às vezes, marcam um encontro para conversar - é lá onde acontece a tragédia. Às vezes, o homem tem acesso à casa e até a família abre a porta, e é quando acontece".
“Infelizmente, os homens não estão temendo a justiça. Há alguns que estão matando as mulheres e se matando, num ato de covardia que não dá nem chance das mulheres se defenderem”, comenta Lila.
A jovem Rayssa Sá, assassinada pelo ex-marido na cidade de Belém (21/9), no interior da Paraíba, sofria constantes agressões quando mantinha o relacionamento com Betinho Barros, feminicida que tirou a própria vida após cometer o crime. A revelação foi feita pela mãe da vítima. O irmão de Rayssa afirmou que a família não deixava ela sair sozinha para proteger a estudante, desde a separação do casal. A jovem registrou boletim de ocorrência e conseguiu uma medida protetiva contra uma semana antes do crime. Ela passou a viver na casa dos avós, junto com a filha de 1 ano e 3 meses, que também é filha do assassino.
Sozinhas nós vencemos às vezes, mas coletivamente podemos ganhar constantemente. A luta em defesa da vida das mulheres e contra as violências é uma luta de todas e todos.
Lidia Moura, secretária da Mulher e da Diversidade Humana, destaca a importância do evento: “Este ato público é uma oportunidade para nos unirmos em defesa da vida das mulheres. Precisamos enfrentar as violências e construir uma sociedade em que todas as mulheres possam viver sem medo e com pleno respeito aos seus direitos. Convido a todas pessoas a se juntarem a nós nessa causa tão importante”.
Segundo Lídia Moura, a união nesse ato simboliza o apoio à igualdade, segurança e dignidade das mulheres na Paraíba. "É uma oportunidade de demonstrar que estamos coletivamente comprometidos em pôr fim à violência contra as mulheres, para que elas possam viver sem medo e com total respeito aos seus direitos", disse.
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Edição: Polyanna Gomes