Nossa prática é um ato de resistência, afirmação cultural e posicionamento político
Por Edu Soares¹
“Em Rio Tinto tem coco pesado
que no meio do balançado levanta poeira
começa no bairro de Salema
E vai até a rua da Jaqueira”
No universo dessa escrevivência², gostaria de me apresentar começando por um ponto que considero de extrema importância: minha ancestralidade e descendência. E é através dessa conexão com a minha ancestralidade que, consigo não apenas compreender minhas origens e meu atual contexto, mas também traçar os caminhos que me levarão em direção a novas trajetórias. Sou Edu Soares, integrante de uma família que tem algumas experiências culturais. Descendo pelo lado paterno de Antônio Soares - um homem negro, e Eutímea Soares- uma mulher indígena; pelo lado materno de Walfrido Simplício - também um homem negro, e Lourdes Cordeiro - uma mulher parda. Filho de Lindauria Simplício - uma mulher parda, e José Carlos - um homem afroindígena; sou pai de Ana Sofia, uma adolescente mulher de pele parda. Autodeclaro-me um homem negro, apesar de não ser melaninado.
Em 2011, mudei-me para o Vale do Mamanguape (PB). Naturalmente, a necessidade de contribuir primeiramente com a cultura local e intervir culturalmente no território que agora ocupava, se tornou evidente. Nessa perspectiva, em 2014, iniciei um ciclo de oficinas de percussão de coco de roda em minha residência com estudantes do Campus IV da UFPB. Um ano depois, a convite da Professora Luz, realizei oficinas nos Campus de Mamanguape e Rio Tinto (PB). Essa experiência me levou a iniciar um ciclo de oficinas dedicado ao coco de roda e à cultura tradicional.
Em julho de 2017, na Casa Colaborativa – Kazula, localizada em Rio Tinto, realizei um ciclo de oficinas para estudantes da UFPB. Nessas giras, buscamos uma abordagem que respeitasse os saberes ancestrais, a cultura local, a identidade e o repertório cultural das pessoas. A essência das oficinas esteve centrada na percussão popular, com foco no ritmo do coco de roda, como forma de resgatar e fortalecer a cultura popular e a tradição local. Além de consolidar essas práticas culturais, as oficinas geraram conhecimento que poderia ser replicado em outros contextos formativos.
Após as oficinas, os participantes expressaram o desejo de fortalecer e preservar a cultura popular local. Esse entusiasmo deu origem à criação de um grupo popular de estudos dedicado à cultura e percussão, inspirado pelas experiências das oficinas de coco de roda e cultura popular. A partir desse movimento, surgiu o Coletivo Coco Massa, que desempenhou um papel fundamental na elaboração de planos de ações culturais e na construção de um repertório centrado no Coco de Roda e na Ciranda em Rio Tinto. Além disso, o coletivo realizou outras oficinas relacionadas a essas temáticas em parceria com a UFPB.
Outro desdobramento significativo das oficinas foi a realização de palestras sobre a importância dos mestres e mestras da cultura popular, a convite do Professor Oswaldo Giovanini, no curso de Antropologia no Campus de Rio Tinto. Essa iniciativa culminou com uma roda de coco, envolvendo os participantes em um momento de compartilhamento de conhecimentos e celebração da cultura local.
Juntamente com o Coletivo, ampliamos nossas atividades para João Pessoa (PB), onde realizamos diversas apresentações. Além disso, estabelecemos um intercâmbio com o movimento de coco que estava em evidência no município do Conde, a convite da atual Secretária de Cultura, Rejane Negreiros. Durante esse intercâmbio, os membros do nosso grupo tiveram a oportunidade de explorar outras expressões percussivas, por meio do coco do Guruji. Nesse momento, eu ocupava a posição de Diretor Municipal de Cultura em Rio Tinto, e a diretoria ainda mantinha sua sede no histórico Palacete dos Lundgrens.
Sempre que recebíamos visitantes no casarão dos Lundgrens, o Coco Massa promovia, de forma voluntária e intencional, breves oficinas e apresentações culturais ao fim de cada visitação. Chegamos a um ponto em que, ao percorrer as ruas de Rio Tinto, algumas pessoas nos abordavam, entoando as músicas do Coco Massa no mesmo espírito descontraído que caracterizava nossas trocas de conhecimentos culturais. Em outra ocasião, deparei-me com um vídeo em uma rede social, onde um jovem chamado Suan tocava pandeiro e interpretava as canções do Coco Massa dentro de um ônibus durante uma excursão universitária. Todas essas manifestações e reconhecimentos tiveram origem na primeira oficina realizada no território de Salema/Rio Tinto, no ano de 2014.
Neste relato, pude apresentar as linhas gerais da minha jornada cultural, que é uma busca constante pela conexão com minhas raízes, a valorização da diversidade cultural e a construção de um legado que celebra as contribuições das ancestralidades. Contudo, vale salientar que cultura popular não se faz só. Que o processo identitário se dá a partir das relações e trocas realizadas nos percursos da vida e que qualquer movimento cultural é feito a diversas mãos, pernas, corpos, cabeças, corações e espíritos.
Apesar de ter iniciado o processo das oficinas em 2014, todo o desdobramento se deu por conta do trabalho árduo de mestres e mestras das diversas práticas culturais, principalmente aqueles genuinamente produzidos a partir do povo. Ao longo dessa jornada, compreendemos que as interseções dessas experiências nos prepararam para transcender as fronteiras de nossa própria identidade.
Nossa prática é um ato de resistência, afirmação cultural e posicionamento político. Cada passo que damos é um testemunho de que nossa cultura merece ser celebrada e compartilhada, independentemente das barreiras impostas pela colonialidade ou das tentativas de deslegitimar nossas presenças. Dessa forma, a tentativa de perpetuar nossa tradição cultural é uma homenagem à nossa ancestralidade. Assim, seguimos em nossa jornada, mostrando que nossa cultura é um legado a ser apreciado e compartilhado com o mundo. Cada passo que damos é um ato de resistência, e cada nota, cada dança, e cada história contada são celebrações da nossa tradição cultural.
¹Carlos Eduardo Paulino Soares, recifense, é um pedagogo apaixonado por educação e pelas diversas expressões culturais. Atualmente, está seguindo na jornada de um Mestrado em Educação, Culturas e Identidades na UFRPE/FUNDAJ. Possui ainda uma especialização em Metodologias Ativas e Novas Tecnologias Aplicadas à Educação pela FAFIRE e participou de alguns processos formativos e Educadores Popular.
²O termo escrevivência foi utilizado pela primeira vez em 1995, no Seminário Mulher e Literatura. Conceição Evaristo, sua criadora, diz que ele surgiu da junção entre “escrever” e “viver”, ou seja, uma forma de “escrever vivências”.
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Edição: Polyanna Gomes