"Há centralidade da melanina na representação de Oxum"
Por Miguel de Brito
Em frações de segundos, o cotidiano oferece de modo despretensioso, momentos incomuns com que se pode lastrear a imaginação. Um instante em que nossas orelhas acomodam o som numa frase de outrem como: "arte é isso, e só o artista consegue expressar", ao visualizar "O renascimento de Oxum", quadro que impulsiona esse texto, que pretende passar por motes sem o aprofundamento rigoroso, como se fora um gradual retalho em que alojam-se aspas e guias.
Na pintura de Harmonia Rosales, adaptação de "O nascimento de Vênus", há centralidade da melanina na representação de Oxum ao centro com vitiligo. O belo se distancia, no tempo. A obra de 1486 exclui o espectro possível de cores de peles. Daí, Oxum renascida pode ser um recurso para se olhar outras obras de Arte, Ciência e Fé que não as exclusivas eurocêntricas.
A imagem central poderia ser de uma africana, que, comumente tvs, redes e comerciais, selecionam para fomentar o consumismo. Porém, ao centralizar a beleza escondida por séculos e representá-la, de forma irônica, marcada com uma doença de cor branca, o quadro, dentre outras coisas, também fala o que Luiz Melodia canta "tente usar a roupa que estou usando", em um vestir que não diz respeito apenas a cor, mas gênero, religião, etnia, língua, nacionalidade, classe social, a "pérola negra" brasileira reprimida não é fake, mas pode dar engajamento.
A expressão "Roma Negra", em Reconvexo, gerada por Caetano Veloso parece mostrar, além da polêmica com a miopia jornalística, a compreensão de uma ciência racista dos que embarcaram na classificação humana por raças. Em meses recentes, o cantor compartilhou com o pastor Kleber Lucas a canção "Deus cuida de mim", talvez em busca do renascer de uma Fé afastada da grana.
No Brasil, o renascimento é contínuo. Os povos, como diz Kabengele Munanga, estão "em processos históricos e culturais com suas particularidades regionais e raça é um conceito cientificamente inoperante". Contudo, limitados a viver em condições materiais desumanas, é o silêncio midiático desumano.
A população de 1% controla 49% da riqueza, como mostra "O Iciberg, setembro 2022". Conscientes ou não, os povo esperam seus PUXADINHOS, de casa, cesta, pão, leite e bolsas. As matrizes seguem indefinidamente colorindo e renascendo na brutalidade e no belo. Enquanto isso, ouvimos do Pernambucano Lenine "um pouco mais de paciência" em um país onde o pouco dado aos povos deve ser GRADUAL, regulado e seguro. Mas aos bilionários, diz Eduardo Moreira, a lei de taxação que era de 15% e caiu pra 8%, recebem descontos.
Gradual e controlado aos povos e descontos às castas. Jurandir Machado, sobre Bonifácio, diz que este manobrava uma abolição gradual, após séculos de revoltas e massacres. Um mecanismo esperto onde o direito à propriedade do invasor da terra é garantido por uma liberdade iscada pela constituição. Tambores e flechas precisavam ser contidos; as reformas de base barradas; as eleições em 1985 serem indiretas, mesmo com coração de estudante e milhares nas ruas; a presidente eleita, deposta sem crime. Seguimos com trabalho terceirizado total, uberizado, calcenterizado e doente, acreditando que virá um puxadinho futuro que nos proteja do açoite da regra fiscal e da lei.
*Miguel de Brito é bacharel em Engenharia, licenciado em Física e educador matemático; Também Servidor Público do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.
Edição: Polyanna Gomes