"Quanto mais se nega a existência do racismo no Brasil, mais ele se propaga”, afirmou Nilma Lino
Por Sheyla Maria Rodrigues*, Lana Lisiêr de Lima Palmeira** e Edna Cristina do Prado***
Neste ano em que se celebra duas décadas da Lei nº 10.639/2003, marco normativo que traça as diretrizes para inclusão de temáticas referentes à História e Cultura Afro-Brasileira nos currículos da Educação Básica no Brasil, cada vez mais tem se observado uma lacuna entre o preconizado em leis e o efetivado nas escolas em prol da Educação Antirracista.
A Educação Antirracista, calcada no viés dos Direitos Humanos é, segundo Eliane Cavalleiro, aquela que reconhece o ambiente escolar como um espaço privilegiado para a realização de um trabalho respeitoso sobre diferenças raciais, capaz de ressignificar as práticas pedagógicas. Essa educação favorece aos professores o (re)pensar do currículo na luta contra o racismo, pois como muito bem enuncia a referida autora “[...] no cotidiano escolar, a educação antirracista visa à erradicação do preconceito, das discriminações e de tratamentos diferenciados. Nela os estereótipos e ideias preconcebidas, estejam onde estiverem precisam ser duramente criticados e banidos”.
Entretanto, mesmo após 20 anos de leis e de tentativas de se estabelecer uma cultura em prol da igualdade e da equidade no país, práticas desrespeitosas, nos mais diversos marcadores de “diferenças” ainda são constantes no nosso dia a dia. Além disso, outro elemento de preocupação é o mascaramento de tais questões, as quais se avolumaram ainda mais nos últimos quatro anos de (des)governo vivenciados recentemente. O próprio presidente da Fundação Palmares, no dia 20 de novembro de 2020 (Dia da Consciência Negra), fez um pronunciamento exaltando que “não existe racismo estrutural no Brasil”.
Assim, diante de perspectivas dessa natureza, não podemos nos calar, ao contrário, precisamos levar essa fala aos mais amplos segmentos sociais, partindo da premissa tão endossada por Angela Davis de que “em uma sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.”
Nessa linha de ideias, partilhamos a fala de uma entrevistada em uma de nossas pesquisas, na qual buscávamos analisar a inserção dos elementos raciais no currículo de uma instituição de Educação Infantil no município de Messias-Alagoas: “Não tem esses estudos raciais, deveria ter, mas aí a gente sabe que quando a gente vai planejar, no momento a gente foge e o que é focado nesses planejamentos é o desenvolver, o brincar, o emocional, mas nunca foca diretamente...”.
Falas como essa mostram as ausências no currículo no que diz respeito aos elementos raciais, reforçando nossas inquietudes de que muitos dos atores escolares, com posturas assim, contribuem para a reprodução do perfil eurocêntrico e do branqueamento histórico-cultural.
Desse modo, é preciso que as práticas antirracistas sejam efetivadas com a adoção de atitudes aparentemente simples, mas de um valor simbólico indescritível, como por exemplo, a escolha de tonalidades múltiplas do lápis de cor nos momentos em que são trabalhadas a autodescrição com tonalidades da pele, pois se sabe que a “cor de pele”, muitas das vezes, é representada por uma única cor (rosa claro).
Representatividade e protagonismo das crianças negras são fundantes para que elas também se sintam pertencentes ao ambiente escolar, pois as crianças brancas, desde a primeira etapa da Educação Básica, sentem-se pertencentes ao ambiente escolar, já que as reproduções e representações abrangem sua etnia.
Ao ressaltar as observações da entrevistada, no tocante ao trecho “a gente foge”, percebemos que se foge de mediar conflitos, que se foge de oportunizar condições igualitárias, que se foge de potencializar as crianças negras, inferindo que esse “a gente foge” se interliga com “a gente se silencia”, deixando-se de ouvir e de lutar pelas crianças negras, que em seus olhares tantas vezes pedem socorro e vivem sendo vítimas da omissão, ainda que inconsciente de muitos e de muitas.
É no paradoxo da “fuga” que construímos um elo norteador do título desse texto, já que quem “foge”, inevitavelmente “corre”, sendo essa corrida, infelizmente, na contramão do que idealizamos como elemento de uma justiça social, a qual deve se pautar nos pilares da Educação antirracista.
Assim, nesse universo de contradições e de inquietações, reafirmamos que embora haja legislação que busca valorar a cultura e a literatura étnico-racial, existe ainda a manutenção de currículos e práticas pouco inclusivas. Enquanto o mito da democracia racial funciona nos níveis públicos e oficial, o branqueamento define os afro-brasileiros no nível privado e em duas outras esferas. Numa dimensão consciente, ele reproduz aquilo que os brancos dizem entre si a respeito dos negros e constitui um amplo repertório de expressões populares por imagens negativas dos negros: “Branco correndo é atleta, negro correndo é ladrão” [...] o segundo nível em que atuam os mecanismos do branqueamento: um nível mais inconsciente que corresponde aos papéis e lugares estereotipados atribuídos a um homem ou mulher negros (GONZALEZ, 2020, p.68).
Aqui, buscou-se refletir acerca da importância das práticas antirracistas, tentando, por meio delas, a efetivação da Educação Antirracista que possibilite o fortalecimento e potencialização das nossas crianças negras, defendendo-se uma educação emancipatória, uma educação humanizada, a fim de que tenhamos o protagonismo de todas as crianças, independente de cor, raça e etnia, o que necessita não só de leis, mas, acima de tudo, de gestores e docentes (re)pensando o currículo e suas práticas pedagógicas.
Algumas referências para leitura e reflexão
CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação infantil. 6ª.Ed. São Paulo: Contexto, 2021.
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das noções de raça, racismo, identidade e etnia. Palestra proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação – PENESB - RJ, 05/11/03.
TRINIDAD, Cristina Teodoro. Diversidade Étnico-racial: Por uma prática pedagógica na educação infantil. In: BENTO, Maria Aparecida Silva Bento (Org.). Educação infantil, igualdade racial e diversidade: aspectos políticos, jurídicos, conceituais. São Paulo: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT, 2012.
*Sheyla Maria Rodrigues é Mestra em Educação e Graduada em Pedagogia pela UFAL, professora da Educação Infantil e especialista em Educação Especial, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gestão e Avaliação Educacional – GAE/UFAL.
**Lana Lisiêr de Lima Palmeira é graduada em Direito, Mestra e Doutora em Educação pela UFAL, com estágio pós doutoral em Educação pela UFS. Professora Adjunta da UFAL, com lotação da Faculdade de Direito de Alagoas-FDA/UFAL e no Programa de Pós Graduação em Educação-PPGE/UFAL, sendo integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gestão e Avaliação Educacional – GAE/UFAL e atuando como relatora do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Ufal.
***Edna Cristina do Prado é graduada em Linguística, Letras, Pedagogia, Ed. Física, Direito e Teologia. Mestra e Doutora em Educação pela PUC/SP e UNESP, respectivamente, com estágio pós doutoral na Universidade de Lisboa. Professora Associada IV da UFSCar e do Programa de Pós Graduação em Educação-PPGE/UFAL, líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Estado, Políticas, Planejamento, Avaliação e Gestão da Educação – GEPLAGE/UFSCar e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gestão e Avaliação Educacional – GAE/UFAL.
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Edição: Polyanna Gomes