Paraíba

ARTIGO

"Onde está o verde que havia aqui?": uma reflexão sobre aquecimento global e o peso da influência política e econômica

"A “simbiose” entre o público e o privado segue interesses inconfessáveis que são ignorados pela maioria da população"

Brasil de Fato PB| João Pessoa |
Povo Tabajara da Paraíba impedindo a destruição de área preservada em Tambaba - Foto: Ulisses Barbosa

Por Ulisses Barbosa*

Que as mudanças climáticas são uma realidade, isso ninguém tem qualquer dúvida, a não ser os negacionistas. O aquecimento global é tema recorrente nos debates e discursos políticos, principalmente em ano eleitoral. O discurso palatável sobre “desenvolvimento sustentável” é a regra entre 9 de cada 10 agentes políticos. Até os negacionistas adotaram a linha simpática da defesa da natureza, mas a realidade sobre o assunto é outra. Na verdade, acho que o “calorão” produziu um efeito colateral específico nos gestores públicos, uma “esquizofrenia” entre a prática e o discurso. Vou explicar como, em duas situações que vi de perto, uma no Conde e outra em João Pessoa, ambas com o dedo do Estado.

Na segunda-feira (7/11), a tranquilidade da praia de Tambaba foi quebrada por uma decisão desastrosa, duas máquinas pesadas (tratores de esteira), começaram a rasgar a mata nativa de barra do Graú para a construção de um resort da Lord Negócios Imobiliários, amparada por uma rasa “licença ambiental” concedida pela SUDEMA. Na verdade, pela segunda vez, a primeira foi em janeiro desse mesmo ano, ambas foram derrubadas por liminares na justiça baseadas nos mesmos argumentos; Trata-se de uma APA (Área de proteção ambiental) e terras em processo de demarcação do povo Tabajara.

A decisão do magistrado Diego Fernandes Guimarães é uma aula sobre Constituição, direito e, pasmem, direito ambiental para a SUDEMA, responsável direta pela devastação que os tratores fizeram em apenas uma hora. Detalhe do ato cênico e cínico protagonizado pela SUDEMA, a morte da vida nativa foi assistida. Uma bióloga, um veterinário e uma engenheira ambiental estavam presentes, junto com vários seguranças - privados e públicos -, para garantir a “morte matada” da natureza. A tragédia ambiental foi detida graças ao povo Tabajara que, com coragem, enfrentou os agressores apoiados pelo Poder Público. A intenção ( má intenção) do referido resort, que se pretende o maior do mundo para nudistas (turismo sexual), não é só devastar a área, é privatizar a Praia de Tambaba usurpando a marca NATURISTA criada organicamente ao longo dos anos. Como dizem no popular, “chegou querendo pegar só o filé”.

Já os moradores do assentamento Margarida Maria Alves, não tiveram a mesma, sorte. E aí, a proteção ambiental do poder publico, prefeitura de João Pessoa, veio invertida, na forma higienista. O assentamento fica na Praia do Sol, entorno do Polo Turístico Cabo Branco, onde se pretende a construção de vários equipamentos ligados ao turismo de eventos, inclusive resorts de luxo. Pouco mais de 60 famílias foram surpreendidas com uma verdadeira operação de guerra. Mais de 1000 agentes de segurança estavam presentes para garantir a retirada das famílias e a destruição das edificações, sob o argumento de que a área é uma APA (Área de Proteção Ambiental). Esse assentamento não surgiu ontem, existe há mais de cincos anos. Moradores disseram que tanto o governador quanto o prefeito estiveram na área em campanha. A prefeitura pediu a reintegração de posse.

As famílias foram retiradas sem local definido para seus pertences, falou-se em um galpão da PMJP. Sobre o que fazer com as pessoas, zero informação. Aliás, a operação policialesca impediu a imprensa e até autoridades ligadas aos direitos humanos e ambientais de entrarem no local. Alguns poucos ativistas abnegados furaram o bloqueio e ouviram moradores e postaram vídeos denunciando a ação, repito, claramente higienista. O que vale para os grande empresários, representantes do poder econômico predatório, não vale para os pobres e pretos periféricos. Quando se trata dos ricos, é geração de emprego e renda, apesar da destruição de áreas nativas e árvores. Aliás cortar árvores vem sempre com discursos tipo: "melhorar a mobilidade de veículos". A cidade vive em função desse “desenvolvimento”, a qualidade de vida e do ar, é irrelevante. Quando se trata de pobres, bem, aí vira proteção ambiental. Lembram de Dubai?

Nos dois casos percebe-se claramente a adoção de “dois pesos e duas medidas”, a questão nunca foi ambiental, é econômica! As instituições do poder Estadual e Municipal (Conde e João Pessoa) que deveriam proteger o meio ambiente, fiscalizar e garantir o “famoso” desenvolvimento sustentável viraram meros “cartórios” de liberação de licenças e autorizações para as grandes empresas da construção civil. O tema não é novidade, essa “simbiose” entre o público e o privado segue interesses inconfessáveis, que são ignorados pela maioria da população. Não nos esqueçamos que a mídia corporativa chancela essas ações, na maioria das vezes, com o silêncio. A esquizofrenia política e econômica segue seu roteiro. De um lado, o discurso de cuidar das pessoas e do meio ambiente. Na realidade, de olho na campanha eleitoral seguinte, os políticos viram a cara pro discurso, pro povo (pobres, pretos e indígenas) e, principalmente, para a proteção do meio ambiente. Com essa “filosofia”, a cada árvore derrubada, será mais um grau na temperatura e no aquecimento global. Durma-se com esse “calorzão”, ops, com um barulho desses! Nas próximas eleições, pense nisso, voto tem consequências.

*Ulisses Aparecido Barbosa é radialista e jornalista; também já atuou como repórter e apresentador nas afiliadas da Globo, Record e SBT


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Edição: Polyanna Gomes