O Jornal Brasil de Fato PB entrevistou Alice Piva, arquiteta e urbanista, e também ativista socioambiental, com foco nas pautas de clima e direitos de acesso na busca de entender como tem sido conduzido o processo de construção do novo Plano Diretor da cidade de João Pessoa. Confira a entrevista.
Brasil de Fato: Para começar, Alice, você poderia nos falar um pouco sobre o seu envolvimento com a área de arquitetura e urbanismo, e como se tornou uma ativista socioambiental?
Alice Piva: Boa tarde. Sou formada em arquitetura e urbanismo pela UFPB e, ao longo do tempo, percebi a necessidade de atuar, não apenas na concepção de espaços urbanos, mas também na defesa dos direitos socioambientais. Minha trajetória como ativista começou a se consolidar, principalmente, nas pautas relacionadas ao clima e aos direitos de acesso à informação, participação e justiça em questões ambientais.
BdF: Atualmente, você é jovem embaixadora do Acordo de Escazú. Pode nos explicar um pouco mais sobre esse acordo e qual é o seu papel como embaixadora?
A.P.: O Acordo de Escazú é o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, buscando promover os direitos de acesso à informação, participação e justiça em questões ambientais. Como jovem embaixadora, meu papel é representar e disseminar os princípios desse acordo, sensibilizando a sociedade sobre a importância da participação cidadã na defesa do meio ambiente.
BdF: Você também está envolvida com o Fórum Diretor Participativo em João Pessoa. Pode nos contar mais sobre esse coletivo e seu papel no acompanhamento do processo de criação do novo Plano Diretor da cidade?
A.P.: O Fórum Diretor Participativo em João Pessoa é um coletivo que reúne diversos profissionais e representantes de movimentos sociais na cidade. Desde março deste ano, integro esse grupo, que existe desde 2017, e acompanhamos de perto o processo de elaboração do novo Plano Diretor da cidade.
BdF: Para aqueles que não estão familiarizados, o que é um Plano Diretor e qual a importância deste mecanismo para uma cidade?
A.P.: O Plano Diretor é um instrumento de política pública urbana que define como o território de uma cidade será ocupado. Ele está disposto no Estatuto das Cidades e deve ser construído em todas as cidades acima de 20 mil habitantes, sendo renovado periodicamente. Em João Pessoa, estamos no processo de renovação, e é crucial que o plano seja participativo para atender aos reais interesses da população e solucionar problemas de forma sustentável a longo prazo.
BdF: Uma crítica apontada ao Plano Diretor de João Pessoa é, justamente, a falta de participação efetiva da população. Pode detalhar essas críticas?
A.P.: Com certeza. A participação da população é essencial, mas notamos uma participação indireta e insuficiente. A falta de esforço didático por parte da prefeitura em incentivar a participação nas oficinas e audiências públicas é evidente. Muitas vezes, a população não compreende totalmente o processo, resultando em contribuições pouco qualificadas. A falta de parâmetros qualitativos para avaliar esses processos participativos também é uma lacuna.
O desmatamento em João Pessoa é equivalente a 347 campos de futebol, e reflete uma política urbana prejudicial à natureza
BdF: Além disso, há críticas relacionadas à origem do conteúdo do Plano Diretor, incluindo plágios e falta de consulta adequada à academia.
A.P.: Sim, identificamos que parte do conteúdo foi copiada de forma desvinculada do sentido original de pesquisas e artigos acadêmicos. Além disso, a consultoria milionária contratada pela prefeitura não utilizou adequadamente o conhecimento produzido pela UFPB, resultando em um plano diretor onde 72% do texto foi plagiado de outros planos pelo Brasil. E isso tudo, a prefeitura pagando para essa consultoria a bagatela de R$ 3,4 milhões de reais.
BdF: Você mencionou a influência do mercado imobiliário na gestão urbana. Pode explicar como essa influência se manifesta em João Pessoa?
A.P.: Há uma configuração política em João Pessoa em que a prefeitura está intimamente ligada ao mercado imobiliário. O secretário de planejamento, por exemplo, era presidente do SindusconJP (Sindicato da Indústria da Construção Civil de João Pessoa), representando interesses ligados à construção civil. O Conselho de Desenvolvimento Urbano, responsável pela elaboração do Plano Diretor, também é majoritariamente composto por representantes do mercado imobiliário.
BdF: Quais são os principais problemas no modelo de desenvolvimento urbano importado para João Pessoa?
A.P.: João Pessoa possui características urbanas singulares, como potenciais na economia criativa e turismo sustentável. No entanto, importaram um modelo de desenvolvimento ultrapassado, priorizando grandes empreendimentos e o turismo de sol e mar, que desperdiça o potencial local.
Em um momento em que deveríamos preservar nossas árvores, a gestão atual demonstra negligência e falta de transparência
BdF: Falando sobre a política ambiental da gestão atual, você destacou a negligência em relação ao desmatamento. Qual tem sido o comportamento da gestão atual?
A.P.: A gestão Cícero Lucena tem mostrado negligência e manipulação da opinião pública em relação ao meio ambiente. O desmatamento em João Pessoa é equivalente a 347 campos de futebol, e reflete uma política urbana prejudicial à natureza. A falta de preocupação com a expansão urbana e a especulação imobiliária contradizem estudos que mostram benefícios em cidades mais adensadas populacionalmente, porque não tem que pagar milhões de reais para expandir uma rede de esgoto, ou para expandir uma frota de ônibus, por exemplo. Estudos mostram que uma cidade mais concentrada tem uma maior qualidade de vida, com maior oferta e qualidade de serviços, de infraestrutura urbana. Mas a prefeitura de João Pessoa definitivamente não está atenta a essas posição científica e repete modelos que só privilegiam o mercado imobiliário.
A gente sabe que nos últimos anos João Pessoa tem passado por um processo intensivo de abrir novas áreas na cidade para especulação imobiliária. Isso acaba desmatando grandes áreas - a gente tem o grande escândalo do Polo Turístico de Jacarapé que vai desmatar centenas de hectares de Mata Atlântica, e a Prefeitura ainda tem a pachorra de dizer que é um empreendimento sustentável.
Agora vai vir esse Parque Aquático que também vai desmatar uma área gigantesca. O empresariado afirma que diante do desmatamento de uma área X eles irão reflorestar uma quantidade Y de árvores. No entanto, o desmatamento é duas ou três vezes maior do que essa promessa de reflorestamento.
Uma política que estimula a expansão urbana, a especulação imobiliária já é, por si só, algo muito negligente com a natureza e também com a qualidade de vida das pessoas
BdF: Você mencionou a importância das árvores urbanas. Como a gestão atual tem lidado com essa questão?
A.P.: Em um momento em que deveríamos preservar nossas árvores, a gestão atual demonstra negligência e falta de transparência. A cidade tem esquentado devido ao desmatamento, e a gestão deveria adotar medidas para mitigar os impactos das mudanças climáticas.
O Brasil é um país que se desmata muito. A principal fonte de emissão de gases efeito estufa no Brasil não é a geração de energia como em vários outros países que queimam muito petróleo, carvão ou gás natural para produzir energia elétrica. Aqui no Brasil, a nossa principal fonte de emissão de gás de efeito estufa é o desmatamento.
A prefeitura fez o lançamento de um plano de ação climática às escondidas sem Participação Popular. Uma das coisas mais problemáticas desse novo Plano Diretor é a mudança de zoneamento de áreas verdes. Muitas áreas de preservação ambiental serão suprimidas e as áreas que vão restar serão reduzidas.
BdF: Para encerrar, como você vê o papel da população no enfrentamento desses desafios urbanos e ambientais?
A.P.: A população desempenha um papel fundamental. É necessário um engajamento ativo nas decisões urbanas, participação nos processos de elaboração do Plano Diretor e uma cobrança constante por uma gestão mais transparente e comprometida com a qualidade de vida e o meio ambiente.
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Edição: Cida Alves