Por Xaman Minillo e Arícia Dutra*
No último dia 7 de dezembro, o prefeito em exercício de João Pessoa, Leo Bezerra, vetou o Projeto de Lei de nº 1.527/2023, que proíbe a participação de crianças nas paradas LGBTQIAP+. O projeto foi proposto à Câmara Municipal de João Pessoa pelo vereador Tarcísio Jardim (PP) e por ela aprovado em novembro. O veto, justificado para impedir a violação da Constituição Federal e do direito fundamental à cidadania, veio alinhado a recomendações do Ministério Público do Estado e Federal. Ambos os órgãos haviam endereçado orientações à prefeitura para que vetasse o projeto, por ele promover discriminação contra a comunidade LGBTQIA+ e ferir tratados internacionais firmados pelo Brasil, assim, era inconstitucional.
Esse veto representa uma vitória na luta pela cidadania de minorias sexuais e de gênero. Mas é apenas uma batalha em meio a uma disputa política mais ampla continuamente travada no seio do Estado brasileiro. O simples fato do PL ter sido proposto, e ainda aprovado pela Câmara, é sintomático de uma agenda discriminatória que se vale da disseminação de pânico. Jardim promoveu o PL 1.527/2023 em nome de “proteger nossas crianças dessa infecção ideológica e sexual que tentam fazer usando figuras inocentes”. Usar a ideia de proteção da inocência das crianças como forma de disseminar preconceitos contra minorias sexuais e de gênero e atacar direitos constitucionais não é novidade. Vemos aqui a tentativa de criar no imaginário popular a sensação de que paradas LGBTQIAP+ tratam-se de eventos que ameaçam o que seria sadio para uma sociedade de bem.
O debate sobre a presença de crianças nas Paradas LGBTQIA+ ganhou destaque em junho deste ano após uma mãe organizar, através da ONG “Minha Criança Trans”, a participação de crianças trans no evento de São Paulo. Outros políticos conservadores, como o deputado Eduardo Bolsonaro (PL/SP), utilizaram isso para promover suas plataformas políticas apoiando-se em grande medida na disseminação de fake news e na prevalência da ignorância. Tais políticos omitem o fato de que paradas LGBTQIAP+ ocorrem anualmente em praticamente todo mundo para reforçar valores e garantir direitos como aqueles postos na Constituição Federal do Brasil, como a importância da valorização e do respeito à diversidade. Os eventos ressaltam a existência e a resistência de comunidades marginalizadas e destacam o orgulho que seus membros têm de ser quem/como são.
Podemos nos perguntar: por que se levariam menores para um evento assim? Uma resposta é que as crianças são partes de famílias LGBTQIA+. Mais do que isso, participar do evento pode ser importante para os próprios jovens e crianças cujas sexualidades e identidades de gênero não sejam contempladas pelas ideologias cis e heteronormativa. Para essas, um evento dessa natureza representa uma chance de verem que são parte de uma comunidade, que não são erradas ou anormais, e que há outros como elas. Foi isso que se viu na 27ª Parada do Orgulho LGBT+, realizada em 11 de junho em São Paulo, que contou com a participação de pais e filhos carregando cartazes de “Crianças trans existem”. Visibilizar essas crianças e suas famílias celebrando-as sem restrição devido ao seu gênero demonstra a importância da promoção e da defesa de um aparato legal que acolha e proteja todas as pessoas e as diferentes constituições familiares. Crianças LGBTQIAP+ não devem ser ocultadas, excluídas ou esquecidas. Elas precisam ser reconhecidas como seres humanos e sujeitos do direito que têm liberdade de ser quem são e de expressar seu gênero/sexualidade.
O PL representa mais um caso de desrespeito à cidadania de pessoas LGBTQIAP+. Difamados como pessoas imorais que colocam em risco a sociedade e, portanto, precisam ser afastadas de crianças. Tal estratégia ecoa, por exemplo, a conexão entre travestis, mulheres trans e homens gays à “peste gay”, como era apelidada a HIV/AIDS nos anos 1990. Ações como o PL são uma forma de gerar e disseminar pânico a partir de preconceitos e inverdades para legitimar o entendimento de que pessoas LGBTQIAP+ não são parte da comunidade. Não se trata de um problema pontual.
A decisão da prefeitura, contrária ao PL, deve ser reconhecida e celebrada como uma vitória. Mas não podemos nos esquecer que no dia 7 de novembro passado vimos, na aprovação do PL pela Câmara Municipal de João Pessoa, a desigualdade e o preconceito sendo promovidos e legitimados por nossos representantes apoiados no medo. Cientes do uso dessa estratégia, um instrumento frequente na promoção de políticas conservadoras, estejamos atentos às tentativas de cercear a cidadania brasileira, inclusive das crianças, às custas do desejo de protegê-las.
*Xaman Minillo é professora do Departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Com graduação e mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e doutorado pela Universidade de Bristol, já trabalhou na avaliação de projetos de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e pesquisa políticas sexuais.
*Arícia Dutra é estudante de Relações Internacionais da UFPB.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
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Edição: Carolina Ferreira