O que as mulheres podem fazer para se proteger no ambiente digital?
Por Mabel Dias*
O Ministério das Mulheres divulgou neste mês de dezembro uma parceria importante com o laboratório de pesquisa NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, para realização de uma pesquisa sobre grupos nas plataformas digitais que propagam discurso misógino, como também analisar como comunidades online organizam ataques contra as mulheres no Brasil. O foco da pesquisa se dará sobre os grupos masculinistas, que fazem parte do que as/os pesquisadoras/es têm denominado como “machoesfera”.
O relatório Violências contra a mulher: diagnóstico, soluções e desafios, elaborado pela Coding Rights e pelo InternetLab, publicado em 2017, revela a prática de diversas tipologias de violência on-line contra meninas e mulheres no Brasil, como fotomontagens racistas, ataque coordenado racista e misógino, ameaça e difamação, censura, discurso de ódio, ameaça de violência física, stalking (perseguição), exposição de dados pessoais, utilização não consentida de fotos, exposição de intimidade, extorsão, roubo de identidade e linchamento virtual.
As pesquisadoras da Coding Rights e da InternetLab atribuem este tipo de comportamento violento contra as mulheres nas redes digitais ao crescente aumento exponencial de coletivos, movimentos e organizações que impulsionam questionamentos tanto sobre direitos sexuais e reprodutivos como sobre a necessidade de reconhecer a diversidade de gêneros e de equalizar as assimetrias de poder, baseadas em sexo, classe e raça, cunhadas pelo patriarcado. As pesquisadoras acrescentam ainda que têm observado o crescimento de grupos conservadores, com ataques e discursos de ódio em páginas de redes sociais, blogs e perfis individuais em sites de mensagens instantâneas.
Uma das vítimas deste tipo de ataque digital foi a primeira dama, Rosângela da Silva, que teve seu perfil no X (antigo Twitter) invadido, onde foram publicadas mensagens misóginas contra ela. Entretanto, este tipo de prática é comum contra todas as mulheres no ambiente digital, que assim como no ambiente doméstico, não tem sido um local seguro. Ameaças de morte são uma prática comum nas comunidades da “machoesfera”.
Mais recentemente, a estudante Jéssica Vitória Canedo tirou a própria vida, após ver seu nome divulgado, pelos administradores do perfil no Instagram Choquei, como namorada do humorista Whindersson Nunes. A informação era falsa. Jéssica publicou um texto em suas redes sociais, que foi ironizado por um dos administradores da Choquei, conhecido como Raphael Soux.
A morte de Jéssica, de apenas 22 anos, não é um caso isolado, infelizmente. Pesquisa da professora de Direito, Mariana Valente, publicada no seu mais recente livro “Misoginia na Internet”, mostra outros casos de jovens que tiraram a própria vida, por causa de publicações contra elas na redes sociais. Como alerta Mariana Valente, a violência on-line contra as mulheres pode provocar o suicídio de muitas jovens da idade de Jéssica, e isso sucinta o debate sobre a regulação das plataformas digitais no Brasil. Mas, isso é assunto para próxima coluna.
Em fevereiro de 2023, o influenciador digital e auto-intitulado “coach de masculinidade”, Thiago Schutz, usou as suas redes sociais para ameaçar uma mulher, também influenciadora digital e atriz, Livia La Gatto. Por meio de seu perfil no Instagram, intitulado Manual Red Pills Brasil, Schutz ordena que a atriz retire das redes dela, conteúdo que julgava direcionado a ele, caso contrário, ela seria processada ou morta.
Livia registrou um boletim de ocorrência contra ele, a ameaça virou processo. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu o processo por dois anos. Outra influenciadora digital, Bruna Volpi, também processou Thiago Schutz, cujo nome verdadeiro é Thiago da Cruz. Em seu perfil no Instagram, Bruna divulgou um vídeo, contando que ficou esperando ser convidada para participar da audiência on-line, agendada pelo TJ-SP, entre ela e o agressor. No entanto, apenas Thiago participou da audiência e Bruna foi comunicada depois que o processo havia sido suspenso pelo TJ da capital paulista.
Logo após o ocorrido, Thiago mudou o nome de seu perfil no Instagram, retirando o nome “Manual Red Pills.” O termo Red Pills faz referência a um dos movimentos, organizado por homens que propagam discursos e práticas de ódio às mulheres. Red Pills é apenas uma das denominações destes grupos masculinistas, que têm crescido nas plataformas digitais. A palavra Red Pill foi cooptada do filme Matrix e apropriada pelos masculinistas com uma nova intenção: ao escolher e tomar a pílula vermelha, os homens despertariam, saindo do domínio feminino, e exerceriam a sua virilidade e masculinidade hegemônica, que na ótica deles, está sendo destruída pelas mulheres.
No início, as páginas e perfis dos masculinistas estavam apenas na deep web (rede profunda), termo cunhado em 1994 por Jill Elsworth. A professora da Universidade Federal do Ceará e ativista feminista, Lola Aronovich, responsável pelo blog Escreva Lola, Escreva, é outra mulher vítima de ataques de ódio coordenados no ambiente digital. No blog, ela publica relatos extensos de violência online que sofre, quase diariamente, pelos haters, ou mascus (abreviação para masculinistas), como ela denomina seus agressores digitais. Um deles, depois de denúncias feitas por ela à polícia, Marcelo Vale Silveira Mello, foi preso e condenado a 41 anos de prisão. Durante sete anos, Lola Aronovich foi alvo de ataques de ódio nas redes sociais por um grupo nazista e misógino, coordenado por Marcelo.
Mas, o que as mulheres podem fazer para se proteger no ambiente digital? Como denunciar, caso você seja vítima de algum destes tipos de ataques, praticados por homens que odeiam mulheres? O CFEMEA lançou um Guia de Segurança Digital Feminista onde disponibiliza informações importantes de como as mulheres podem navegar na internet de maneira segura. Um dos principais ataques sofridos por nós é a exposição de imagens/vídeos sem consentimento da mulher, o famoso nudes.
Namorados, maridos, companheiros gravam cenas de sexo com a companheira, e depois, caso ela queira terminar o relacionamento, por exemplo, as chantageiam, utilizando-se das imagens, dizendo que vão divulgá-las, para que elas permaneçam com eles. Na maioria das vezes, divulgam. Isso aconteceu com a jornalista Rose Leonel, em 2005, que teve suas fotos e vídeos manipulados pelo ex-marido e divulgados na cidade onde ela morava com os filhos. A violência sofrida por Rose fez com que ela lutasse para que o Congresso Nacional acrescentasse à Lei Maria da Penha um artigo que punisse os homens que fizessem isso com outras mulheres, no ambiente online. Em 2018, foi aprovada a Lei 13.772/18, que altera a Lei Maria da Penha e o Código Penal.
O primeiro passo é a mulher procurar uma Delegacia da Mulher, em sua cidade, munida de toda a documentação que mostre as ameaças que ela vem sofrendo, seja em suas redes sociais ou em grupos de mensagens, como WhatsApp e Telegram. Tire print de tudo! Registre um Boletim de Ocorrência, e se estiver recebendo ameaças de morte, peça medida protetiva. Nesses momentos em que nosso psicólogico é o mais afetado, é muito importante que a mulher tenha uma rede de apoio próxima (amigas, irmãs, mães, tias), outras mulheres que possam ampará-la, para que ela se fortaleça e busque ajuda. Em João Pessoa, também há a Delegacia de Crimes Cibernéticos, que fica na Central de Polícia, no Geisel.
*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, associada ao Coletivo Intervozes, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo e doutoranda em Comunicação pela UFPE.
Edição: Cida Alves