a ação do grupo representou um profundo ataque à nossa história, à nossa cultura
Por Hiago Trindade*
Lá estavam aquelas quatro mulheres. Com seus vestidos coloridos e estampados, cantarolavam em meio à natureza e, provavelmente, dialogavam entre si sobre o excesso de calor na cidade, sobre os acontecimentos do último capítulo da novela das 20h ou sobre o lugar em que ocorreria a próxima roda de samba. Mas, de repente, sua paz foi perturbada por um indivíduo que, sem dó nem piedade, consumou-lhes seis duras facadas, de modo inescrupuloso e cruel.
A cena acima descrita, poderia facilmente ter sido a manchete de algum jornal sobre a violência registrada no Rio de Janeiro ou em outro estado do Brasil. Contudo, não foi. Tal descrição, relembra os fatos ocorridos no dia 08 de janeiro de 2023, em Brasília/DF, quando um conjunto de bolsonaristas, numa ação odiosa e antidemocrática, invadiu o Palácio do Planalto, destruindo inúmeras obras de arte, dentre as quais, a tela “As mulatas”, produzida por Di Cavalcanti, em 1962 (ilustrada na narração inicial deste texto).
Para além dos prejuízos financeiros, tão alardeados pelos veículos de comunicação à época (a tela era avaliada em aproximadamente 8 milhões de reais), a ação do grupo representou um profundo ataque à nossa história, à nossa cultura e aos valores democráticos tão arduamente conquistados há algumas décadas no Brasil.
Particularmente, não considero ocasional ou aleatório que a investida terrorista dos(as) bolsonaristas tenha se direcionado, com tanta violência, às obras de arte presentes no Planalto. De um lado, isso revela a completa ignorância de pessoas que não foram educadas para valorizar (no sentido mais humano do termo) a arte; de outro lado, expressa a fúria pelo significado transformador presente nas atividades artísticas, sobretudo, quando elas se propõem a problematizar as chagas e as feridas que nos atravessam enquanto sociedade.
Mas, se é certo que a lembrança da catástrofe ocorrida naquele trágico 8 de janeiro ainda ressoa em nossos pensamentos, também é verdadeiro que, dia a dia, estamos edificando ações capazes de nos fazer recuperar o fôlego e, igualmente, projetar dias melhores para a democracia e para a arte no Brasil.
Dentre essas ações, a exposição "Após 8 de Janeiro: reconstrução, memória e democracia", organizada pelo Supremo Tribunal Federal e aberta ao público no último 09 de janeiro, é ilustrativa. Ela reúne uma série de fotografias do processo de recuperação e restauração das obras de arte danificadas ou destruídas durante o atentado criminoso. Assim, a exposição possibilita um mergulho pelos vestígios de mais de uma centena de itens históricos de valor imensurável que foram totalmente perdidos e por outros 116 (incluindo-se aí esculturas, telas, tapeçarias etc) que conseguiram ser restaurados até o momento.
Como disse certa vez George Santayana: "aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo". Por isso, devemos apreciar cada uma das iniciativas que vem sendo realizadas nesses últimos dias, nas diferentes regiões do Brasil, para preservar nossa memória. A arte segue sendo um campo rico para nos auxiliar nesse processo, na medida em que nos provoca lembranças, sentimentos e inquietações na compreensão da realidade que nos cerca.
*Hiago Trindade é Doutor em Serviço Social pela UFRJ e professor do curso de Ciências Sociais na Universidade Federal de Campina Grande (Campus Sumé). Ainda pela UFCG, cursa o bacharelado em Arte e Mídia.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
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Edição: Carolina Ferreira