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Quem se importa com a dor de uma mãe?

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"Qual o objetivo de uma emissora de TV, uma concessão pública que deve cumprir deveres éticos e de não exibição de conteúdo sensacionalista, em agir dessa forma?" - Reprodução.
A população de João Pessoa fica à mercê da espetacularização da notícia

Por Mabel Dias*

No último dia 19 de janeiro, o programa policialesco Rota da Notícia, da TV Arapuan, exibiu para uma mãe o vídeo de seu filho sendo assassinado. Tanto o apresentador quanto o repórter frisaram que as imagens eram fortes, mas que a senhora havia pedido para ver o vídeo para ter certeza que era seu filho. O padrasto do rapaz estava na sala no momento em que o repórter mostra o vídeo para a senhora e disse que a própria família não queria que ela visse imagens tão brutais. Mesmo assim, a emissora desrespeitou a vontade da família e mostrou as imagens do assassinato do jovem à sua mãe.

As perguntas que ficam são: quem se importa com a dor de uma mãe? Qual o objetivo de uma emissora de TV, uma concessão pública que deve cumprir deveres éticos e de não exibição de conteúdo sensacionalista, em agir dessa forma? A obtenção de lucro com a dor alheia? A audiência com uma mãe que chora pela morte brutal de seu filho?

Ao desconhecer seus direitos, as pessoas estão recorrendo aos meios de comunicação para obter resposta sobre suas demandas, e terminam por ter seus direitos humanos violados. Principalmente, as emissoras que têm em sua programação programas policialescos. No caso dessa senhora, o repórter dá a entender que ela desejava ver o vídeo do assassinato do filho para ter certeza que era ele sendo morto. Dessa forma, isenta-se de qualquer responsabilidade sobre o que vier a acontecer com ela. O apresentador, por sua vez, narra para os telespectadores detalhes do modo como o rapaz foi executado.

Havia necessidade que isso fosse feito pela TV Arapuan? Tal conduta pode configurar uma grave violação ao Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que em seu artigo 11, parágrafo II, que diz: “o jornalista não deve divulgar conteúdo de caráter mórbido, sensacionalista e contrário aos valores humanos, especialmente em coberturas de crimes e acidentes.”

Em 2020, uma mãe desmaiou ao vivo nos estúdios da RecordTV ao saber pelo apresentador do policialesco Cidade Alerta, Luiz Bacci, que sua filha havia sido assassinada pelo namorado.

Uma das principais referências na pesquisa sobre programas policialescos, Suzana Varjão, afirma que esses programas fazem parte de um modelo de negócios que pratica o antijornalismo. Varjão coordenou em 2015 e 2016 uma pesquisa que resultou na publicação de três volumes do Guia de Monitoramento da Mídia Brasileira, revelando as inúmeras violações dos direitos humanos causadas pelos policialescos na TV e no rádio. 

O apresentador do Rota da Notícia, como ele mesmo diz, é policial aposentado, e o repórter é advogado, porém estão exercendo funções de comunicadores, descumprindo a legislação relacionada à radiodifusão no Brasil, que determina conteúdo educativo e informativo nos programas exibidos pela TV no país. Assim como a própria TV Arapuan, que descumpre o seu papel, estabelecido nas leis destinadas aos meios de comunicação. Todos sabem disso, mas parecem não se importar.

A população de João Pessoa fica à mercê da espetacularização da notícia, que mais desinforma e propaga violência, que informa sobre as reais causas da brutalidade dos assassinatos de jovens periféricos que tem acontecido no estado da Paraíba. Quem é que se importa com a dor de uma mãe?

*Mabel Dias é jornalista, associada ao Coletivo Intervozes, observadora credenciada do Observatório  Paraibano de Jornalismo, coordenadora adjunta do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (FINDAC), mestra em Comunicação pela UFPB e doutoranda em Comunicação pela UFPE. É Autora do livro "A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional" (editora Arribaçã).

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira