Por que a escolas não começam a indicar obras de pretos e pretas?
Por Ana Cristina Silva Daxenberger*
Em um país de mais de 216,42 milhões habitantes (IBGE, 2021), no Brasil, há um retrato de pouco hábito de leitura. Com indicadores baixos de escolarização média entre a população brasileira, precisamos urgentemente promover políticas de incentivo à leitura para podermos mudar mais esse perfil. De acordo com o Instituto Pró-livro, na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, em sua quinta edição, ano de 2019, o brasileiro, em média, lê 2,6 livros/ano, sendo que esse indicador aponta que somente 0,64 são livros de literatura.
Nessa pesquisa foram 8.076 participantes, entre eles a média foi de 5 livros/ano. Quando analisamos os dados por região, podemos afirmar que os indicadores de baixa leitura revelam números como 4,3 livros/ano, no Nordeste; seguidos pelo Sudeste com 4,9; Norte e Centro-Oeste com 5,3; e Sul com 5,9. É um indicador muito baixo quando comparado a outros países, como por exemplo a França que são cerca de 21 livros/ano.
Quando se trata de compra de livros, no ranking mundial, de acordo com site Pico.com, o Brasil está no oitavo lugar com cerca de 74% da população investindo seu dinheiro em livros; estando atrás de Eslováquia (75%), Malásia (76%), Tailândia (79%), Espanha (81%), Rússia (82%) e Turquia (87%). Todavia, comprar livros não significa lê-los.
Em virtude disso, uma das melhores maneira de se estimular a leitura é a criação de círculos de leituras nas escolas e nas universidades, com indicação de livros. Começo então a fazer o meu papel como professora da disciplina “Educação para as relações étnico-raciais”, na UFPB.
É urgente ocuparmos os espaços de leitura que, majoritariamente, têm sido ocupados nas escolas por leituras de escritores homens brancos.
Não se pode pensar em discutir sobre enfrentamento ao racismo e criar novas relações sociais, sem também mudar o quadro de estímulos à leitura de obras produzidas por escritores/escritoras negros e negras. É urgente ocuparmos os espaços de leitura que, majoritariamente, têm sido ocupados nas escolas por leituras de escritores homens brancos.
Tive a felicidade de ler com grande prazer três grandes obras negras neste meu último período de férias. A primeira Nossas Lembranças escrita por Rosivaldo Gomes de Sá Sobrinho, lançado em 15 de novembro de 2023, pela editora Viseu, é uma obra com grande representação cultural de Itacaré na Bahia, e do Brasil gigante, que traz traços de nossa ancestralidade afro-brasileira. Seus personagens cuidadosamente construídos marcam uma identidade traçada pela cultura afro-brasileira e demonstra um belo emaranhado de situações que podem ser similares em alguns lugares em nosso país. Não há como não se encantar com a trama e as características marcantes que perpassam a história de três gerações de uma família.
A segunda obra O Escravo, de Carolina Maria de Jesus, publicado pela Companhia das Letras, demarca um espaço da escritora como grande ficcionista, ao construir um enredo de romance com tantas marcas de paixão que o personagem se sente aprisionado em seu próprio desejo amoroso.
Autora de Quarto de Despejo e Casa de Alvenaria, que trazem as marcas do cotidiano pobre e com características raciais, a escritora mesmo não tendo muito reconhecimento de especialistas da área, tornou-se ícone poderoso da literatura negra feminina brasileira. Carolina Maria de Jesus ganha um espaço significativo com a obra O Escravo, demonstrando o grande potencial literário desta mulher negra.
O terceiro livro, com mais de 450 mil cópias vendidas, fechou meu período de férias com uma leitura tão prazerosa e cativante, ao retratar também gerações de uma família com histórias de vida tão reais que muitas vezes podemos identificar traços com nossos ancestrais. Estou falando da obra Torto Arado, de Itamar Vieira Junior, publicado pela editora Todavia.
Três escritores/escritoras negros(as) que fazem da escrita, dessas belas obras, uma forma de denunciar a violação de direitos humanos, a cultura brasileira, entrelaçados em um formato de romance. Por que a escolas não começam a indicar obras de pretos e pretas? Medo dos livros clássicos perderem sua visibilidade? Mas quem diz o que é clássico? Ousem e deem aos estudantes a possibilidade de conhecerem produções magníficas com traços de cultura brasileira.
Para saber mais
INSTITUTO PRÓ-LIVRO. Retratos da Leitura no Brasil. 5ª edição.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: três artigos que se contemplam. 6.ª edição. São Paulo: Cortez, 1984.
KLEIMAN, Angela. Oficina de Leitura: teoria e prática. Editora Pontes, 2012.
*Ana Cristina Silva Daxenberger é Doutora em Educação, Professora Associada III da UFPB, membro do Neabi/UFPB. Representante do Comitê de Inclusão e Acessibilidade/UFPB, subsede Areia. Professora do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL) da UFPB.
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Edição: Carolina Ferreira