O que as organizações que atuam na defesa dos direitos podem fazer?
Por Mabel Dias*
Uma menina de 11 anos é violentada sexualmente pelo padrasto e engravida. A mídia romantiza a gravidez da menina, que tem sua imagem veiculada por sites e telejornais paraibanos. Uma das TVs tem acesso ao abrigo onde a menina foi acolhida e a entrevista. O local onde ela morava também foi divulgado. O caso aconteceu em 2017. A mídia não questiona por que o direito ao aborto legal, garantido por lei, foi negado a essa criança.
Em 2023, outra menina, de apenas 7 anos, foi violentada, também pelo padrasto dentro de casa. A mãe dela foi entrevistada por um programa policialesco matinal durante quase uma hora, contando detalhes do ocorrido, sem saber que a sua exposição na mídia geraria a identificação de sua filha e dos demais integrantes da família, assim como do local onde morava e onde a criança estudava. No entanto, a equipe do programa sabia disso, mas em busca de audiência, gravou a entrevista com a mãe da menina e a divulgou, publicando a matéria também no canal do YouTube da emissora, gerando acessos e compartilhamentos.
Esses dois casos revelam as violações aos direitos de crianças e adolescentes que acontecem quase diariamente na mídia paraibana. E o que os movimentos sociais da Paraíba podem fazer para coibir que outras crianças passem por esse tipo de situação? Em 2018, o movimento feminista e de mulheres paraibano se mobilizou através das redes sociais para cobrar da TV Arapuan reparação pelo discurso de ódio proferido pelo então apresentador do policialesco Cidade em Ação, Sikêra Júnior, em relação às mulheres.
Elas se reuniram com os diretores da emissora, que emitiram uma nota se comprometendo a tomar as medidas cabíveis em relação ao apresentador. A jornalista Kalyne Lima também se manifestou nas suas redes sociais sobre a postura antiética e violadora do apresentador, e se somou as mulheres do movimento na manifestação. As mulheres foram até a frente da Arapuan e pediram a demissão de Sikêra, como também acionaram o Ministério Público Federal para que agisse em relação às violações dos direitos das mulheres e de outros grupos vulnerabilizados, como negros e LGBTQIAP+, a quem Sikêra atacava diariamente durante a apresentação do policialesco. Um Termo de Ajustamento de Conduta foi firmado entre as entidades e a Arapuan. O apresentador foi embora da Paraíba logo após o fim do TAC.
O exemplo dado pelo movimento feminista da Paraíba mostra que é possível atuar para que essas violações cessem na mídia. O Ministério Público Federal tem sido um aliado dos movimentos sociais quando se trata de violações dos direitos humanos na mídia, em diversos estados brasileiros. Por se tratar de uma concessão pública federal, ele pode atuar em casos como esses para fiscalizar e punir as emissoras que violem direitos, de acordo com a legislação destinada a mídia no Brasil, como o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão e o Código Brasileiro de Telecomunicações.
Mas, não são só as mulheres que são atacadas nos meios de comunicação. Como vimos, crianças e adolescentes têm seus direitos vilipendiados diariamente pelos programas policialescos. Quando algum adolescente comete algum delito ou realiza rebeliões no Centro Educativo onde estão apreendidos, sempre um apresentador ou repórter critica o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90). O então apresentador do policialesco Correio Verdade, Jota Júnior, falecido em 2017, referia-se ao Estatuto com expressão "ECA", e desqualificava a lei, sem nem avaliar a importância da sua sanção para garantir os direitos das crianças e adolescentes que eram negligenciados pelo estado brasileiro.
O principal discurso adotado pelos apresentadores desses programas em relação aos adolescentes que infringem a lei é pedir a redução da maioridade penal, defender o punitivismo e a justiça com as próprias mãos.
Nesse caso, o que as organizações que atuam na defesa dos direitos deste público podem fazer? O Conselho Tutelar pode atuar? Acionar o Ministério das Comunicações é um caminho. Monitorar, sancionar, punir as emissoras que violem as leis e os documentos que protegem os direitos humanos faz parte da atuação do Ministério das Comunicações. As emissoras de rádio e TV são concessões públicas e devem cumprir algumas regras para permanecer no ar. A Constituição Federal de 1988 prevê um tempo para que as TVs e as emissoras de rádio mantenham a concessão: 15 anos para a TV e 10 anos para o rádio.
Os movimentos sociais sabem a força que têm e devem ficar atentos, cobrar dos governos e do próprio MPF o respeito e cumprimento das legislações direcionadas à mídia.
O racismo é outra violação presente na mídia brasileira. No caso de adolescentes e crianças que infringem a lei é uma marca constante no discurso dos apresentadores destes programas. São sempre os corpos negros que são expostos e usados simbolicamente para relacionar a juventude negra à criminalidade. Em 2021, um ator paraibano foi vítima de racismo em um programa de entretenimento na TV. Manifestações aconteceram no âmbito virtual, mas não houve mobilizações do movimento negro junto ao MPF ou ao próprio Ministério das Comunicações para cobrar punição à emissora.
As violações aos direitos humanos na mídia é uma pauta que os movimentos sociais paraibanos podiam incorporar. Diversas batalhas são travadas diariamente por essas organizações e muitas delas já foram ganhas com organização e mobilização. O Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Maria da Penha são exemplos disso. As violações aos direitos humanos na mídia continuam acontecendo, de maneira sistemática, em programas de diversos tipos (jornalístico, entretenimento, policialescos). O que os movimentos sociais da Paraíba estão esperando para encampar essa luta?
*Mabel Dias é jornalista, mestra em Comunicação pela UFPB, feminista, observadora credenciada do Observatório Paraibano de Jornalismo, integrante do Coletivo Intervozes, coordenadora adjunta do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação e autora do livro “A desinformação e a violação aos direitos humanos das mulheres: um estudo de caso do programa Alerta Nacional.” É Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
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Edição: Carolina Ferreira