Paraíba

ENTREVISTA

“Já nasci sem direitos básicos. Enfrentei uma luta enorme pela sobrevivência”, diz Glória Rejane, presidente do Sintrader-PB

27 de abril é o Dia de Luta das Trabalhadoras Domésticas e a categoria realiza ações para ter direitos garantidos

Brasil de Fato PB | João Pessoa |
Glória Rejane Santos, presidente do Sindicato Estadual dos Empregados Domésticos do Estado da Paraíba (Sintrader-PB). - Foto: Arquivo pessoal.

Nascida em 29 de maio de 1957, em João Pessoa, Glória Rejane Santos, é trabalhadora doméstica e também filha de doméstica. Atualmente, é presidente do Sindicato Estadual dos Empregados Domésticos do Estado da Paraíba (Sintrader-PB). Em entrevista ao Brasil de Fato PB, ela conta que começou a trabalhar na roça, quando tinha ainda sete anos de idade e, aos 40 anos, foi a vez de “enfrentar o trabalho doméstico”. Ela usa a expressão “enfrentar”, porque presenciou o sofrimento da mãe e tinha medo de passar pela mesma situação.

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, em 2023, o Brasil tem 6,08 milhões de trabalhadores domésticos, desses 91,1% são mulheres, sendo a maioria mulher negra. 

A informalidade acaba afetando diversas trabalhadoras, com apenas 24,7% trabalhando com carteira assinada e 35,3% contribuindo com a previdência social, segundo a Pnad Contínua, de 2022

No próximo sábado (27), é o Dia de Luta das Trabalhadoras Domésticas e o Sintrader-PB vai realizar, nesta sexta-feira (26), a partir das 5h30, uma panfletagem na CBTU, no Centro de João Pessoa. As trabalhadoras domésticas que passarem por ali serão recebidas com um mungunzá e com conversa sobre os seus direitos trabalhistas. No sábado (27), será a vez da panfletagem durante a programação do Sabadinho Bom, na Praça Rio Branco em João Pessoa. Na subsede de Campina Grande, o Sintrader também irá realizar atividades neste dia 27. 

Pensando nessa mobilização, o Brasil de Fato PB entrevistou a presidente do Sintrader-PB, Glória Rejane. Ela fala sobre a história do sindicato, sua vida e cita temas como racismo, PEC das Domésticas e a luta de Laudelina de Campos Melo, uma mulher negra, que foi pioneira na luta por direitos trabalhistas das domésticas. 

Confira a entrevista:

Brasil de Fato PB: Primeiramente, me conta um pouco da história, ano de criação do Sintrader-PB e quais serviços são oferecidos.

Glória Rejane: Fomos nós, 12 mulheres, que começamos a nos reunir desde 2007 para organizar a categoria na Grande João Pessoa. Em 22 de novembro de 2009, foi fundado o sindicato de João Pessoa e região. O objetivo sempre foi defender e representar a categoria. Temos como serviços assessoria jurídica, fazemos cálculos, temos escuta às domésticas, rodas de conversa para falarmos dos direitos, temos oficinas [sobre] o racismo. [Nosso objetivo é] garantir os direitos, lutar por mais direitos e pela implementação da Convenção 189 da OIT.

Assista ao vídeo com algumas das integrantes do sindicato:


Brasil de Fato PB: E você, qual sua história? Me conta sobre sua trajetória enquanto trabalhadora doméstica.

Já nasci sem direitos básicos como educação, saúde, moradia. Enfrentei uma luta enorme pela sobrevivência.

Glória Rejane: Eu sou Glória Rejane Santos, sou trabalhadora doméstica, filha de doméstica. Já nasci sem direitos básicos como educação, saúde, moradia. Enfrentei uma luta enorme pela sobrevivência. Não fui para o trabalho doméstico muito cedo. Eu tinha medo por ter visto o sofrimento da minha mãe, mas comecei na roça aos 7 anos para ter o que comer. Aos 40 anos, tive que enfrentar o trabalho doméstico, sem experiência, um trabalho difícil, porque administrar a casa de outra pessoa não é fácil.

Brasil de Fato PB: Como se envolveu na luta pela categoria?

Eu percebi que era importante ter um órgão de defesa para a minha categoria

Gloria Rejane: Então, em 2007, houve um curso de formação e qualificação ministrado pela Secretaria de Políticas Públicas das Mulheres, era formação social e qualificação para o trabalho, foi muito importante para mim. Ao final do curso, eu percebi que era importante ter um órgão de defesa para a minha categoria e, com as mulheres, criamos o sindicato das domésticas, que era João Pessoa e região. Em 2020, passou a ser Sindicato Estadual dos Empregados Domésticos do Estado da Paraíba, com sede em João Pessoa e subsede em Campina Grande. Somos dois grandes sindicatos, na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas da Paraíba.


Sintrader-PB em atividade. / Foto: Divulgação/@trabalhadorasdomesticaspb.

Brasil de Fato PB: A PEC das Domésticas garantiu diversos direitos aos e às trabalhadoras domésticas, entretanto ainda há muita informalidade, com muitas pessoas trabalhando sem carteira assinada. Falando do contexto da Paraíba, como está esse cenário (problemas/avanços) de garantia, informalidade e efetivação dos direitos das domésticas? 

Glória Rejane: Já temos 11 anos da PEC, mas também temos 50 anos do direito da carteira assinada e mais de 80 anos de luta pelo direito dessa categoria. Essa luta se iniciou, em 1936, em Santos (SP), por uma mulher negra ativista, a Laudelina de Campos Melo.


Laudelina de Campos Melo. / Foto: Reprodução.

Brasil de Fato PB: Existe uma herança colonial sobre como o trabalho doméstico é visto no Brasil. O perfil do trabalho doméstico, majoritariamente, é composto por mulheres (91,4%), dessas 67,3% são negras, de acordo com dados do Pnad Contínua, do 4º trimestre de 2022. Como o Sintrader-PB vê esses números e quais são as pautas levantadas para incorporar as demandas dessas mulheres?

Glória Rejane: Ainda temos a desvalorização do trabalho doméstico, que é feito por mulheres negras e pobres. [Essa conjuntura] se dá pelo racismo estrutural. Estamos na luta para garantir o direito que temos e conquistar mais direitos. Essa é a grande luta do sindicato.

Brasil de Fato PB: Para encerrar, como será a mobilização em alusão ao Dia das Empregadas Doméstica que o Sintrader-PB está preparando? Qual o objetivo da mobilização?    

Glória Rejane: Dia 27 é dia das trabalhadoras domésticas, um trabalho tão importante para a sociedade. Vai ter uma grande panfletagem, por ser mais um dia de luta, de mostrar para a sociedade que o trabalho doméstico tem valor. Vamos ter uma grande panfletagem na CBTU, que é onde está chegando todo o movimento de mulheres para ir trabalhar, vamos ter essa panfletagem junto com um mungunzá, para oferecer a essas trabalhadoras, vamos estar lá às 5h30 da manhã. No sábado, que é o dia mesmo, vai um grupo de diretoras e parcerias para o Sabadinho Bom, fazer uma panfletagem também, para trazer essa visibilidade. 

Direitos das trabalhadoras domésticas

O Sintrader-PB, em nota, salienta os direitos das trabalhadoras domésticas, previstos na Lei Complementar nº 150/2015, na CLT e na Convenção nº 189 da OIT. São eles:

- Registro do contrato de trabalho no eSocial a partir do primeiro dia da prestação de serviços, incluindo o período de experiência; 
- Salário não inferior ao mínimo nacional;
 - Jornada de até 44h, podendo ser prorrogada de acordo com a lei; 
- Descanso semanal remunerado; -
 Intervalo para refeição e descanso; 
- Férias, acrescidas de 1/3 do salário normal; 
- 13º salário; 
- Vale-Transporte;
 - Depósito mensal do FGTS e da indenização compensatória; 
- Aviso prévio nas demissões sem justa causa; 
- Pagamento das verbas rescisórias no prazo de 10 dias após a rescisão; 
- Estabilidade para as gestantes desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto. 

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Edição: Heloisa de Sousa