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Mudanças climáticas e as consequências dos eventos recentes no RS na fome

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Enchente no RIo Grande do Sul - Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini
as mudanças climáticas impactam seriamente a segurança alimentar

Por Débora Panis* e Alexandre Cesar Cunha Leite**



Ciclones e enchentes assolam a região sul do Brasil desde o ano passado (2023). O ciclone extratropical de junho de 2023 deixou 16 mil pessoas desabrigadas e derivou em 16 óbitos. Em setembro de 2023, mais um desastre climático e ambiental de grandes proporções deixou 25 mil desabrigados e causou 54 mortes. Nos últimos dias, estamos testemunhando a tragédia climática ocorrida no Rio Grande do Sul. A enchente já causou a morte de 100 pessoas (informação do dia 09/05/2024), há mais de 130 pessoas desaparecidas e 374 feridos, atingiu 344 municípios e afetou mais de 850 mil gaúchos. A situação preocupa quando se considera seus efeitos no desempenho econômico do estado e suas repercussões no restante da economia brasileira.

O Rio Grande do Sul (RS) é um dos maiores produtores de soja (segundo lugar em volume de produção), arroz (maior produtor), trigo (maior produtor), milho (terceiro maior produtor), entre outros produtos agrícolas do Brasil. O raciocínio é simples: se as lavouras são danificadas em decorrência das enchentes (e de outros eventos climáticos), haverá uma redução na oferta desses alimentos.

Consequentemente, com uma redução significativa na produção do estado, além da menor oferta para o mercado interno e efeitos na exportação, a tendência é que ocorra um aumento nos preços destes produtos e dos derivados, gerando, por inércia, um efeito cascata. Aumento no preço dos alimentos, em uma economia como a brasileira, marcada por uma desigualdade, tende a ter um efeito agudo na população de baixa renda, que já tem indicado dificuldade no acesso à alimentação devido entre outros motivos aos preços elevados. 

O bloqueio de rodovias em consequência das enchentes representa um desafio para a infraestrutura de transporte, afetando o transporte dos produtos agrícolas que restaram das regiões afetadas para os centros de distribuição. Da mesma forma como dificulta a entrada de bens alimentícios e doações, obstaculiza a saída da produção escoamento para os mercados consumidores. E isso não é um efeito de curto prazo, tende a afetar o transporte da produção para além do ano de 2024. Como cerca de 75% da produção brasileira é transportada por meio de rodovias, esses obstáculos podem resultar em aumento nos custos de transporte. Ou seja, a logística deve se constituir em mais um vetor que contribui para a elevação dos preços dos produtos agrícolas. 

A situação que vivenciamos corrobora para o entendimento de que as mudanças climáticas impactam seriamente a segurança alimentar. São vários vetores: o aumento das temperaturas e suas consequências, mudanças nos padrões e volumes pluviométricos, maior frequência de eventos extremos, como secas, enchentes, ondas de calor, furacões e ciclones. Importante mencionar que o Brasil tem registrado todos os eventos supracitados. Tais eventos e suas consequências tendem a dificultar o cultivo de alimentos e reduzem a produtividade da agricultura. Além de impactar de forma mais dura os pequenos produtores que não possuem estrutura nem recursos monetários suficientes para enfrentar tais intempéries. Os impactos da crise climática na segurança alimentar são variados e complexos, tendem a afetar a produção, a distribuição e, principalmente, o acesso e consumo. Ainda, tendem a impactar a exportação de alguns produtos além de criar a necessidade de maior importação para abastecimento do mercado interno. Vale lembrar que o governo de Jair Bolsonaro desmontou os estoques estratégicos de alimentos, o que poderia atenuar, mesmo que no curto prazo, as consequências da queda drástica na produção (ou de eventos adversos internacionais).

De modo geral, temos observado que os países do Sul Global têm sido afetados de forma mais intensa no que concerne às consequências na produção e na população dos eventos climáticos extremos; são países mais dependentes da exportação de bens primários, extrativistas e agroalimentares.  Pequenos produtores, também afetados duramente, são potenciais fornecedores de bens alimentícios para o mercado nacional, abastecendo os mercados regionais e locais, além da subsistência em áreas rurais. Os pequenos produtores sofrem mais com as condições adversas e com a dificuldade de financiamento da produção, a consequência é o prejuízo na oferta e a pressão para elevação de preços dos alimentos. 

No Brasil, isso representa um grande risco para a segurança alimentar. A agricultura familiar representa 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros. Já em nível sistêmico, segundo o IPPC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), a crise do clima pode colocar 80 milhões de pessoas sob risco de fome até 2050.

Um estudo publicado na revista Nature revelou insights essenciais sobre os padrões que governam a inflação em várias economias globais e uma descoberta notável do estudo é o impacto substancial das mudanças climáticas na dinâmica inflacionária. Os pesquisadores encontraram indícios de que eventos climáticos extremos, têm o potencial de desencadear crises inflacionárias consideráveis, especialmente nos setores agrícola e na produção alimentícia. Já testemunhamos esse cenário com o aumento dos preços do azeite aqui no Brasil, por exemplo. No período de um ano, o preço de uma garrafa de 500ml de azeite registrou um aumento de 45,46%, e, de acordo com dados da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE), o aumento é fruto da escassez de chuvas, causada pelo aumento da temperatura nas plantações de oliva na Europa.

A ausência de políticas de mitigação, políticas de preservação ambiental e fiscalização e políticas de prevenção à eventos climáticos extremos somadas ao desmonte das políticas de segurança alimentar no Brasil tendem a intensificar um cenário que já é preocupante. O país, que já registra mais de 33 milhões de pessoas enfrentando a fome, de acordo com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Penssan), conduzido em 2022, pode sofrer ainda mais com as consequências das mudanças climáticas no acesso à alimentação. Os relatórios do IPCC alertam que a insegurança alimentar e a fome podem aumentar como consequência de eventos climáticos extremos que se apresentam mais frequentes e mais intensos. No entanto, é importante ressaltar que a fome não é causada exclusivamente pelas mudanças climáticas, trata-se, sobretudo, de um problema político. Seja consequência dos eventos climáticos, seja na opção por facilitar o desmatamento e a destruição de biomas, seja desmontando políticas se segurança alimentar e ambientais, são decisões políticas.

*Discente do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba
**Docente da Universidade Estadual da Paraíba. Criador do projeto SACIAR (@_saciar)
 

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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