Paraíba

MULHERES NA POESIA

Ângela Pereira e Marília Teles Cavalcante lançam livros de poemas neste sábado (25), na capital paraibana

'Corpo d’água' e 'Mulherfagia' serão apresentados ao público no Cherimbom, a partir das 19h

Brasil de Fato | João Pessoa - PB |
Reprodução - Card Reprodução

Sob a luminosidade sagrada e feminina da Lua Cheia, no próximo sábado (25), a capital paraibana recebe o lançamento de livros de poemas de duas novas escritoras: Ângela Pereira e Marília Teles Cavalcante. Os livros 'Corpo d’água' e 'Mulherfagia' serão apresentados ao público no Cherimbom, no bairro dos Bancários, a partir das 19h.

Com mediação de Francy Silva, escritora e docente de literatura na UFPB, o evento também contará com participação das artistas Cida Alves e D. Roxa do Pandeiro. 

Segundo as autoras, os livros 'Corpo d’água' e 'Mulherfagia' encontraram-se despretensiosamente, mas a partir de um mesmo objetivo, possibilitado pela segunda chamada 'Lua Negra' da editora Triluna, de Aline Cardoso, que tem como objetivo publicar poemas de escritoras/es insurgentes, cujo acesso ao mercado editorial é limitado.

Os poemas, escritos em momentos diversos da vida das duas escritoras negras, dialogam. Num  cruzamento mútuo de discursos, ou de eixos paradigmáticos, as paisagens narradas em 'Corpo d’água' compõem algumas memórias de Ângela, assim como a liberdade aclamada e proclamada em 'Mulherfagia' plasmam a luta e o desejo de Marília.

Mulherfagia

Com um título atemporal 'Mulherfagia', Ângela Pereira reúne poemas em que a autora se volta à apreciação de processos e mudanças transcorridos, e que continuam a ser atravessados na vida dessa mulher imparável. 

Transcorridos 41 anos de vida, a fome de “devorar verdades ditas lá fora sobre como eu devo ser” segue insaciável, prevendo que vários “ismos” ainda precisarão ser devorados para afirmar para outros, não para si, quem realmente é, comenta a autora. 

O título escolhido para o seu primeiro livro não faz menção ao movimento antropofágico do Modernismo e, até poder-se-ia, com o adendo de que Mulherfagia revoluciona ao convocar os leitores ao rompimento e à destruição simbólica dos padrões comportamentais heteropatriarcais, capitalistas, racistas, e abolir todas as correntes que tentam castrar as potencialidades do que as mulheres são e podem vir a ser.

A obra reúne poemas em versos livres e haikai, e foi organizada em três partes: Descasulando, Processo e Identidade. Em Descasulando, Ângela reúne os primeiros poemas escritos pela autora, refletindo processos de transformação pessoais encapsulados, que registraram mudanças sobre o ser feminino em transição, descobrindo potências represadas, alegrias, paixões e decepções da inocência perdida, do ser poeta, e do tornar-se mulher na sociedade capitalista, racista e heteropatriarcal. 


Reprodução / Card Reprodução

Em Processo, aborda a revolta depois da decepção e a alegria da inocência perdida. A sua escrita faz a denúncia das dores, julgamentos, imposições e violências sofridas, individual e coletivamente, assim como uma ode ao amor e aos feminismos que acolhem e libertam.

O lançamento também representa uma oportunidade de a gente fazer uma discussão acerca do que é isso  enquanto mulheres negras de a gente estar se lançando na literatura, e  como há uma invisibilidade ainda de escritoras com esse perfil - Ângela Pereira

Por fim, em Identidade, a poética de Ângela expõe o resgate da humanidade roubada pelo racismo e pela branquitude; a afirmação da identidade político cultural ancestral como mulher negra; a percepção tardia desta através do feminismo negro; a ênfase recai sobre um projeto de sociedade viva e das revoluções que virão. Mulherfagia abre caminhos para mostrar a que veio a poeta Ângela Pereira, em sua contínua (re)existência.

Corpo d'água

'Corpo d'água', por sua vez, é o primeiro livro de poemas de Marília Teles Cavalcante, para o grande público. Isso porque, desde os 19 anos de idade ela vem compilando poemas em livros feitos à mão. Alguns ainda seguem espalhados entre amigos e amigas. 

"O livro tem uma importância muito forte porque eu venho de pessoas que estão ligadas à arte: música, pintura, desenho, textos, poesia, mas que nunca puderam exercer isso, sempre foi deixado de lado para poder trabalhar, sustentar as famílias. Meu pai pintava quando eu era pequena e, à medida que eu fui crescendo, foram sumindo as pinturas, os desenhos, os livros, e eles tiveram que trabalhar para sustentar eu e meu irmão", comenta Marília.

O livro tem uma faceta muito forte assim sobre o que que é essa mulher o que é essa mulher gorda o que que é se dizer poeta e se eu posso me dizer poeta - Marília Teles

A obra é dividida em cinco partes: O Rio da Memória, Estradas e Corredores, O Mar Revolto, Viagem Sentimental e A Samaritana. As três primeiras partes são imagens dos sonhos, e que, com ajuda da psicanálise, ela pode ir percorrendo e interpretando o que significavam.


Reprodução / Card Reprodução

A primeira seção, O Rio da Memória, tem a marca da infância e da ressignificação do que faz parte de si, das novas interpretações da fé e da tática de se manter viva.  Já a segunda seção, Estradas e Corredores, é composta por poemas visuais, em sua maioria. 

A escrita aparece como uma invenção, como algo que percorre o corpo. O poema como o corpo que a autora quer dominar, mas que não se domina porque é tão finito como o ser. O poema tem um limite, assim como o corpo. A poesia que transcende tudo. 

A terceira seção, O Mar Revolto, é o centro. A autora sempre achou que era o reflexo de seu subconsciente nos sonhos. O mar era enorme, com ondas fortíssimas, mas não a afogavam. Foi na investigação do que este mar significava que ela foi abrindo vários pontos: o umbigo, o seio e as armadilhas que lançam sobre o corpo das mulheres. São poemas de reflexão de quem ela é na relação com seu próprio nascimento, com suas buscas pela avó materna, para que lhe contasse de sua ancestralidade. É um caminho em direção ao interior. 

A quarta seção, Viagem Sentimental, é composta por Haikais, ou tentativas de Haikais, imagens que viu em meio à viagens de ônibus que fez com muita frequência, entre 2015 e 2018, enquanto fazia o mestrado em Sergipe, pesquisava em Alagoas, tinha família na Paraíba e namorava um menino do Rio Grande do Norte. 

As muitas viagens, e outras que vieram depois, geraram junto com a análise uma conclusão que apaziguou um pouco as suas angústias: "viver não tem itinerário". Entendeu que, por mais que tivesse aprendido que a vida tinha um destino certo, ela, no entanto, não tem. 

Por fim, a quinta seção é A Samaritana: ela é uma personagem bíblica que sempre chamou a atenção da autora. Marília explica que isso se deve à sua racionalidade e às suas dúvidas: "Afinal, como vai me dar água viva se não tem nem balde para tirar água do poço?" - Ela questiona Jesus, ela duvida, também crê, bem depois - mas, para a autora, o refrigério era poder duvidar. Ela podia. Foi aí que ela se tocou. E que da fonte brotou o leito do rio. Fez-se corpo d'água.

Esse encontro de mulherismos poéticos, antes despretensioso, vira confluência e será compartilhado, então, no lançamento literário no próximo sábado.

Sobre as autoras: 

Ângela Pereira é “paraibucana”, gestada das vontades e condições de existência de dois pernambucanos: Claúdia, uma mulher afro-indígena e Edinaldo, um homem negro com alguns traços brancos. 

Viveu anos da infância e adolescência, junto com suas irmãs, migrando para diferentes estados do Nordeste, onde o latifúndio, a monocultura canavieira e a agroindústria sucroalcooleira imperavam. O que, impreterivelmente, conduziu-a mais tarde ao ativismo político.

Ângela sempre se entreteve com o cheiro dos materiais escolares novos e com o universo de possibilidades nos corredores das bibliotecas por onde passou. Em João Pessoa, onde nasceu, retornou para continuar sua formação política, acadêmica e profissional, tornando-se fisioterapeuta sanitarista e ativista social junto aos movimentos sociais camponeses, sindicalistas e feministas.

Protegida por Oyá e Ogum, ariana com ascendente em gêmeos, lua em libra e meio do céu em aquário, ativista feminista de pele negra, antirracista, amante e defensora da natureza, está à procura de respostas. Na escrita, entrega-se ao desejo de entender: a si mesma, as pessoas, as coisas e a todos que povoam esse mundo, sobretudo, acreditando que é possível uma vivência livre da exploração do ser humano por outro ser humano.


ngela Pereira / Foto: Helton Nóbrega

Marília Teles Cavalcante nasceu em João Pessoa, em 1993. Historiadora e educadora, descobriu, desde cedo, que seu nome vinha de um livro de poemas: Marília de Dirceu. Tão logo decidiu que havia nascido para a poesia. Na infância, observou desaparecerem os cadernos de poemas de sua mãe e a mesa de desenhos do seu pai. Afinal de contas, eram trabalhadores brasileiros, algo que só entendeu muito tempo depois. Traçou para si um destino: não deixar a criatividade se perder por mais uma geração. Desde então, tem escrito. 


Marília Teles Cavalcante / Foto: Arquivo Pessoal


Ficha Técnica:

::Mulherfagia por Ângela Pereira

Capa: Luiza Bié

Revisão: Mika Andrade

Edição, Diagramação e Organização: Aline Cardoso

Publicação: Editora Triluna. Projeto Lua Negra - Ano II - 2023  

 

::Corpo d'água: Marília Teles Cavalcante

Capa: Luiza Bié

Revisão: Mika Andrade

Edição, Diagramação e Organização: Aline Cardoso

Publicação: Editora Triluna Projeto Lua Negra - Ano II – 2023


Serviço:

Lançamento dos livros 'Mulherfagia' e 'Corpo D´água'

Dia: 25 de maio, Dia Internacional da África, próximo sábado de lua cheia

Local: Cherimbom

Horário: A partir das 19h

Cidade: João Pessoa

Classificação: Livre

Entrada gratuita

 

POEMAS

Mulher- fagia

 

Ando com uma fome insaciável

Quanto mais passam por meus dentes

verdades ditas lá fora como devo ser

Mas me acomete uma vontade de comer-me

Devorar-me.

Porque sou construção de um mundo de verdades

que a mim não pertencem

Eu-mulher

A cada mordida.

A cada saliva que molha minha carne

e as ideias que a ela dão vida

Mais tenho fome.

Entre uma mordida e outra

Dou-me conta:

“Não és, meu bem, a mesma mulher”

Respiro histórias como as minhas.

Ganho folego para seguir dilacerando verdades

Que não são minhas.

[Ângela Pereira]

Plantei um poema

e todos os dias

ele é quem me cultiva

[Marília Teles Cavalcante]
 


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Edição: Cida Alves