Paraíba

VISIBILIDADE

Disciplina do curso de ciências sociais da UFPB visibiliza a produção de intelectuais negras e negros que contribuíram para a formação da sociologia

No trabalho final, as alunas (os) produziram podcasts, perfil no instagram, blog e jornal sobre autores negros e negras

Brasil de Fato PB | João Pessoa |
Turma, do curso de Ciências Sociais da UFPB, que cursou a disciplina Tópicos Especiais em Sociologia I, ministrada, no último período (2023.2), pela professora Cristina Matos. - Foto: Arquivo pessoal.

Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, já ouviu falar desses nomes? Os autores compõem a tríade de pensadores clássicos da sociologia. O que eles têm em comum, além de serem importantes na construção do pensamento sociológico? Isso mesmo, são homens brancos. Em contrapartida, a disciplina Tópicos Especiais em Sociologia I, do curso de ciências sociais da UFPB, ministrada pela professora Cristina Matos, no último semestre (2023.2), objetivou estudar intelectuais negras e negros que também contribuíram para a formação da sociologia, mas que foram invisibilizados ao longo da história. 

“A ideia que mobilizou a construção da disciplina era a ampliação do repertório de autores(as) que formaram a disciplina (sociologia), expandindo também a compreensão das ciências sociais, através de autores negros e negras que têm tido pouca visibilidade na formação dos alunos e alunas do curso de ciências sociais, mas cujas obras ofereceram contribuições teórico-metodológicas significativas para área”, explica a professora Cristina Matos.

Como trabalho final, as alunas e alunos puderam optar por diversos formatos (podcasts, jornais, perfis em rede social), no qual escolheram entre nomes nacionais como Abdias do Nascimento, Virgínia Leone Bicudo, Neusa Santos e Clóvis Moura ou ainda os estrangeiros como Anténor Firmin, Ida Wells e os que vêm sendo cada mais traduzidos no Brasil: Du Bois, Anna Julia Cooper e Charles Mills. 


Anténor Firmin foi um intelectual haitiano e autor da obra "A igualdade das raças humanas" (1855), feita para desmistificar a obra racista de Arthur de Gobineau, / Foto: Reprodução/Domínio público.

“Alguns produziram podcasts, como os que estão no perfil ‘Diásporas Negras’ [podcast] , outros escolheram formatos como blog, jornal e redes sociais. Assim sendo, tivemos [os podcasts] sobre Virgínia Bicudo e Anna Julia Cooper, um jornal sobre Ida Wells, um perfil no instagram sobre Abdias do Nascimento e um blog sobre Neusa Santos”, conta a professora. 


Virgínia Leone Bicudo (1910-2003). / Foto: Reprodução/Sociedade Brasileira de Sociologia.

Disponível no Spotify, ‘Diásporas Negras’, até o momento, traz dois episódios: um sobre a brasileira Virgínia Leone Bicudo, uma intelectual negra que foi pioneira no estudo de raça no Brasil; e outro sobre a estadunidense Anna Julia Cooper, que de acordo com a descrição do episódio sobre a autora, “desde o século XIX, veio produzindo pensamento social crítico voltado à interseccionalidade, pensamento feminista negro, matrizes de dominação e trazendo ênfase ao ensino emancipador e libertário”. 


Anna Julia Cooper. / Foto: Reprodução.

Thalissa Batista, estudante de ciências sociais da UFPB, foi quem produziu com Emmylly Dias, também estudante do curso, o episódio sobre a Anna Júlia Cooper. Thalissa conta que quando entrou na graduação um dos seus maiores desejos foi e ainda é se tornar uma intelectual e produzir conhecimento científico. 


Thalissa Batista. / Foto: Arquivo pessoal.

“Porém, no primeiro momento, você pensa: como eu posso ser uma pessoa com tal relevância, sendo que as pessoas que eu estudo não são iguais a mim, em sua maioria, dentro das ciências sociais, estudamos homens brancos europeus ou americanos, parecendo, então, que não existem intelectuais negros e negras e quando existem são, [geralmente], reduzidos a um conhecimento particular sobre raça e não a uma teoria geral de um fazer científico com uma relevância global”, comenta Thalissa. 

Para o estudante Jorge Trindade, que realizou, com o seu grupo composto por Ricardo Félix, Gabriely Vilar, Marco Tulio, o podcast sobre a Virginia Bicudo, utilizar autoras e autores negros deve ser uma demanda aplicada e revista de forma constante.


Jorge Trindade. / Foto: Luiz Filho.

“Aproveitarei deste espaço para que possamos pensar nisto para além das ciências sociais, seja pela academia e quem faz parte desta, pois estudamos sobre uma sociedade plural, diversa e com particularidades de grupos sociais, mas que no centro do debate e estudo distanciamos essas contribuições, e nada muda, a tendência é continuar sem mudar, pois estaremos a produzir o que já foi realizado  por nossos anteriores, com isso a própria criticidade tal discutida deixa de cumprir o seu papel ‘transformador’”, aponta o estudante em relação à invisibilidade de obras já produzidas. 

É preciso visibilizar e reconhecer

Conforme Cristina Matos, incluir autores e autoras negras é um movimento fundamental no processo de formação dos alunos e alunas das ciências sociais. Ela destaca três aspectos que dão embasamento a sua percepção. Primeiramente, o reconhecimento, pois eles “ajudaram a construir essa área de conhecimento, como por exemplo Du Bois, que muito recentemente começa a ser lido/visto como um dos autores que contribuiu na formação das ciências sociais, mas especificamente, a sociologia”, ressalta.


William Edward Burghardt "W. E. B." Du Bois, em 1918. O autor nasceu em 23 de fevereiro de 1868 e faleceu em 27 de agosto de 1963. / Foto: Reprodução.

Segundo,“esses intelectuais negros colocaram novas questões para reflexão, a partir daquilo que observavam e viviam como pessoas negras, renovando e ampliando o campo das ciências sociais”. “Por fim, a inclusão desses autores produz uma ampliação epistemológica, ao mesmo tempo que reconhece autorias não visibilizadas. É um elemento importante para a construção de uma identidade dos alunos e alunas com esses autores (as). Esse tema aparecia muito nas aulas, através de comentários como: ‘por que nunca havíamos lido esse autor/autora?’, ‘o que eles pensaram é tão atual’”, lembra a professora. 

Novos rumos do ‘Diásporas Negras’

Pensando em uma expansão além dos muros da universidade, de acordo com Cristina Matos, a turma pretende prosseguir com a produção do podcast, trazendo autores que foram estudados durante a disciplina, mas que não foram objetos de estudo do Diásporas Negras. 

“O podcast Diásporas Negras vai lançar em breve os episódios sobre os demais autores estudados na disciplina e suas produções: W. E. B. Du Bois; Ida B. Wells; Anténor Firmin; Abdias Nascimento; Clóvis Moura; Neusa Santos e Charles W. Mills até o momento sob a produção de Jorge Trindade; Thalissa Batista; Emmylly Dias e Gaby Vilar”, comunica Jorge Trindade. 

Não é sobre jogar os saberes dos clássicos 

A estudante Thalissa Batista acredita que resgatar esses autoras e autoras e torná-los visíveis “é mostrar que é possível para nós estudantes negros e negras produzir ciência de qualidade e com relevância para a sociologia, e mostrar que o espaço acadêmico também nos pertence.”

Jorge Trindade reforça a fala da professora durante as aulas: “não é sobre: vamos jogar os saberes dos clássicos, mas há saberes plurais e que podem ser aplicados. Não deveríamos normalizar a ausência de produções femininas e de pessoas negras nas academias”, salienta. 

Ouça e leia os trabalhos produzidos na disciplina

Acesse e acompanhe o podcast Diásporas Negras, clicando neste link.

Confira o perfil no Instagram sobre Abdias do Nascimento. Grupo de trabalho: Carlos Roberto, Luiz Trajano,  Raissa e Kaylhane Cruz.

Acesse o blog sobre Neusa Santos. Grupo de trabalho: Mariana Soares, Maria Eugenia, Naamaatalia Lira e Victória Knoelle.

Leia o jornal sobre Ida B. Wells. Grupo de trabalho: Akim de Paula, Beatriz da Costa, Lisandra Maria e Sthevson Lourran. 

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Edição: Heloisa de Sousa