Paraíba

Coluna

Capoeira, amarelinha e quilombo: resgatando saberes ancestrais na Educação Física Escolar

Imagem ilustrativa. - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil.
Através dessa prática, a escola pode promover uma visão mais abrangente e empática das vivências

Por Guilherme Figueiredo de Oliveira* e Sergio Roberto Silveira**

A experiência da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo

A decolonização dos conteúdos ministrados na disciplina de Educação Física Escolar é de extrema importância para questionar as estruturas de poder vigentes e as narrativas predominantes que há muito tempo moldaram esse campo de estudo. Ao identificar e enfrentar as influências colonialistas presentes nos planos de estudo e nas práticas de ensino, os professores buscam promover uma abordagem mais inclusiva e culturalmente sensível. Isso requer uma análise crítica dos materiais didáticos utilizados, que com frequência reproduzem visões eurocêntricas e estereotipadas sobre exercícios físicos, saúde e o corpo.

Além disso, a decolonização de temas nas aulas de Educação Física Escolar busca resgatar e dar importância aos saberes e práticas corporais de culturas marginalizadas e historicamente oprimidas. Isso inclui a integração de visões indígenas, afrodescendentes e de outras comunidades étnicas e sociais, valorizando suas contribuições para a variedade e riqueza do movimento humano. Dessa forma, espera-se que os professores promovam uma educação mais justa, como também aos alunos a valorizar e respeitar a diversidade de experiências corporais e identidades culturais. 

Ao questionar as heranças do colonialismo e do racismo presentes na Educação Física, os professores abrem espaço para uma abordagem mais crítica e libertadora, que reconhece e celebra a diversidade humana em sua totalidade. Essa mudança não apenas altera a maneira como ensinamos e aprendemos sobre o corpo e o movimento, mas também colabora para a construção de um mundo onde todas as pessoas se sintam representadas e valorizadas em suas práticas corporais, autoimagem e autoestima. 

A integração das vivências do ensino da cultura africana e afro-brasileira na Educação Física Escolar tem um papel essencial na fomentação de uma educação e sociedade sem racismo. Ao proporcionar aos estudantes uma visão mais abrangente e correta sobre as contribuições históricas e atuais das comunidades afrodescendentes para o universo esportivo e cultural, os professores combatem estigmas e preconceitos enraizados, e propiciam aos alunos a identificar e apreciar a diversidade étnica e cultural do país. Essas vivências não apenas enriquecem o programa escolar, mas também incentivam a compaixão, o respeito mútuo e a reflexão crítica, elementos fundamentais para a construção de uma sociedade equitativa. 

Inserindo o ensino sobre esse foco cultural apresenta-se a oportunidade de formar indivíduos mais comprometidos com a luta contra o racismo estrutural. Ao proporcionar uma educação que valoriza as vivências e visões de mundo das comunidades afrodescendentes, os estudantes se tornam agentes de transformação em suas localidades, promovendo a igualdade, a inclusão e o respeito pelos direitos humanos. Essa abordagem modifica a maneira como os alunos interagem com o saber, habilitando-os a enfrentar ativamente as desigualdades sociais e a colaborar para a edificação de uma sociedade mais inclusiva e livre de racismo. 

A integração dos jogos e brincadeiras tradicionais africanos e afro-brasileiros nas aulas de Educação Física Escolar possibilita ampliar o leque de atividades físicas dos estudantes, ao mesmo tempo em que estimula a valorização e o respeito pela diversidade étnica e cultural. Essas práticas antigas carregam consigo uma rica bagagem histórica e simbólica, demonstrando não apenas a conexão profunda entre corpo e cultura, mas também os ensinamentos e os princípios transmitidos pelas comunidades africanas e afrodescendentes ao longo dos séculos. 

Através da introdução de atividades lúdicas como a "capoeira", a "amarelinha", o "jogo da peteca" e o "quilombo", os professores têm a chance de proporcionar aos estudantes uma vivência imersiva nas tradições e práticas corporais dessas culturas. Essas dinâmicas são uma opção interessante para o desenvolvimento curricular em relação aos esportes tradicionais, permitindo a conexão entre diferentes comunidades étnicas e sociais, fomentando a interculturalidade e a formação de identidades positivas. 

Adicionalmente, inserir os jogos e brincadeiras provenientes da cultura africana e afro-brasileira no conteúdo das aulas de Educação Física Escolar é uma forma eficaz de desconstruir estereótipos e preconceitos ligados às práticas corporais dessas comunidades. 

É primordial afirmar que para ensinar os jogos e brincadeiras da cultura africana e afro-brasileira de maneira autêntica, é necessário um comprometimento verdadeiro com a interação e cooperação das comunidades locais. Dessa forma, garante-se uma representação respectiva e genuína dessas tradições. Os professores precisam estar receptivos à aprendizagem contínua e à análise crítica de suas próprias práticas de ensino, reconhecendo os desafios e as oportunidades de promover uma educação física escolar mais inclusiva e culturalmente sensível. 

Assim sendo, a adição dos jogos e brincadeiras típicas da cultura africana e afro-brasileira no contexto das aulas de Educação Física Escolar amplia o leque de atividades disponíveis para os estudantes, como também estreita os laços entre a escola e as comunidades locais, fomentando uma educação mais pertinente, expressiva e impactante.


Amarelinha. / Foto: pixabay.

A implementação de jogos e brincadeiras de matriz afro nas instituições de ensino representa uma transformação relevante no campo educacional do Brasil, em conformidade com as diretrizes estabelecidas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Ao valorizar a diversidade cultural como um aspecto fundamental da formação, a BNCC estimula a incorporação de conteúdos que promovam as diversas expressões culturais existentes no país, inclusive as de herança africana. 

Ao incluir os jogos e brincadeiras de origem africana na grade curricular, os professores podem incentivar o crescimento físico e motor dos estudantes e, concomitantemente, a análise reflexiva sobre temas de identidade, diversidade e inclusão.

A abordagem educacional proposta vai muito além de apenas instruir sobre os jogos e brincadeiras, ela procura fomentar um entendimento mais amplo acerca da origem, simbolismo e importância cultural dessas atividades na realidade brasileira contemporânea. Ao incluir os jogos e brincadeiras de origem africana na grade curricular, os professores podem incentivar o crescimento físico e motor dos estudantes e, concomitantemente, a análise reflexiva sobre temas de identidade, diversidade e inclusão. 

Na atualidade da sociedade brasileira, caracterizada por discrepâncias sociais e raciais persistentes, o ensino dos jogos e brincadeiras de origem afro se torna crucial. Através dessa prática, a escola pode promover uma visão mais abrangente e empática das vivências e influências das comunidades afrodescendentes na cultura do país, contribuindo para a equidade e a luta contra o racismo arraigado. 

Assim, as visões educacionais sobre a instrução de atividades lúdicas e recreativas de origem africana estão intimamente relacionadas com os obstáculos e os objetivos da sociedade do Brasil nos dias de hoje. Ao aceitar e apreciar a variedade cultural, a instituição de ensino não apenas desempenha sua função de promover um ensino mais abrangente e participativo, mas também colabora para o desenvolvimento de uma comunidade mais equitativa, justa e tolerante com as diversidades. 

Para saber mais

Silva, A. B., & Santos, C. D. (2021). Educação Física Escolar e Cultura Afro-brasileira: Contribuições para uma Sociedade Antirracista. Revista de Educação Física e Desporto, 9(2), 245-260.

Martins, L. R., & Oliveira, F. C. (2022). Jogos e Brincadeiras da Cultura Africana e Afro-Brasileira: Contribuições para a Educação Física Escolar. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 38(1), 112-128.

Santos, A. P., & Souza, R. M. (2023). Perspectivas Escolares sobre o Ensino de Jogos e Brincadeiras de Matriz Afro na Educação Física: Correlações com a BNCC e a Sociedade Brasileira Atual. Revista Brasileira de Educação, Esporte e Cultura, 10(2), 78-94.

*Guilherme Figueiredo de Oliveira é licenciando do curso de Educação Física da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo-EEFE-USP e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino e Aprendizagem sobre o Movimento Humano-GEPEAMOV.

**Sergio Roberto Silveira é professor associado do Departamento de Pedagogia do Movimento do Corpo Humano da Educação Física da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo-EEFE-USP e Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino e Aprendizagem sobre o Movimento Humano-GEPEAMOV.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira