Paraíba

Coluna

A bicicleta como protagonista nas ações de adaptação das cidades às mudanças climáticas

Imagem gerada por IA. - Andréa L. Porto Sales.
A bicicleta consiste num veículo que ocupa cinco vezes menos espaço na via do que um carro comum

Andréa L. Porto Sales* e Mariana Fernandes Mendes**

Boa parte dos riscos climáticos estão concentrados em áreas urbanas. Estresse térmico, precipitação extrema, inundações, alagamentos, deslizamento de terra, poluição do ar e escassez de água são alguns dos riscos nas áreas urbanas para pessoas, bens, economias e ecossistemas. Esses riscos são ainda maiores em cidades litorâneas e naquelas que não dispõem de infraestrutura e serviços básicos (como saneamento e mobilidade) adequados. 

As áreas urbanas abrigam mais da metade da população mundial desde 2009 e grande parte das emissões dos gases que aquecem o planeta são oriundas das atividades que existem nelas. De modo que, as decisões tomadas em áreas urbanas têm um impacto significativo na redução dos riscos climáticos e na construção das sinergias que precisamos para formular e implementar políticas públicas que reduzam as emissões de gases de efeito estufa. 

Nesse sentido, adotar a bicicleta como um meio de transporte nas áreas urbanas é uma solução considerada, pelos pesquisadores do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), como simples, barata e de efeito cascata na construção de práticas sociais e lógicas econômicas. Essas práticas e lógicas devem contribuir com a redução das emissões e serem estruturantes na transição ecológica que necessitamos para evitar que a temperatura da Terra chegue a 1,5°C até 2030.

Com adoção da ciclomobilidade em áreas urbanas são gerados benefícios sociais e econômicos

Estudos recentes realizados em cidades europeias que investiram na mobilidade por bicicleta apontam uma considerável e significativa redução das emissões de CO² ao longo de um ano. Segundo o estudo liderado pelo pesquisador Christian Brand, da Universidade de Oxford, para cada uma pessoa (em média) que pedala ou anda a pé 1 dia (ou utiliza o carro 1 dia a menos), durante 200 dias por ano, as emissões de CO² relacionadas a mobilidade seria reduzida em cerca de 0,5 toneladas ao longo de um ano. Além dessa significativa redução das emissões, com adoção da ciclomobilidade em áreas urbanas são gerados benefícios sociais e econômicos, tais como: melhoria da saúde física e mental, ar limpo, ruas seguras, redução do custo de vida e do orçamento público, fortalecimento da economia local e de ações de preservação e conservação dos ecossistemas diversos.
 
No geral, todos esses estudos fornecem não só as evidências empíricas necessárias para investimentos urgentes em ciclomobilidade nas áreas urbanas do Sul Global, como defendem que reduzir o uso dos automóveis particulares em áreas urbanas é altamente estratégico para cumprir as metas de carbono NET ZERO, reduzir as desigualdades e melhorar a saúde pública e a qualidade da vida urbana.

Precisamos voltar a planejar as cidades para as pessoas e não para os carros.

É válido ressaltar que os desafios de implementar uma mobilidade por bicicleta são enormes e não se limitam à instalação de infraestruturas técnicas e normativas. Eles consistem acima de tudo numa mudança de pensamento e de atitude com relação ao espaço de privilégio que o carro ocupa em nossa sociedade, cidades e no nosso cotidiano. Ou seja, precisamos voltar a planejar as cidades para as pessoas e não para os carros.
 
Isso significa, em curto prazo, implementar infraestruturas de ordem técnica que estejam em consonância com uma política ciclável permanente e integrada à legislação de trânsito local, ao planejamento territorial e ao sistema de transportes públicos intra e interurbanos. E criar um ambiente favorável a uma cultura da ciclomobilidade através de campanhas educativas e eventos culturais que estimulem o uso da bicicleta e o respeito ao ciclista. Em médio prazo, para tornar uma cidade, uma aglomeração ou metrópole em ciclável, é preciso começar a desinvestir em infraestruturas para uso do automóvel particular e repensar o uso e ocupação do solo para favorecer deslocamentos mais curtos nas áreas urbanas.  


Imagem gerada por IA. / Andréa L. Porto Sales.

Afinal, a bicicleta consiste num veículo que ocupa cinco vezes menos espaço na via do que um carro comum, não precisa de combustível fóssil para funcionar e é um meio de transporte que possibilita uma maior interação com a cidade, o que nos permite ter experiências multissensoriais e sensíveis com o espaço urbano, tanto quanto impulsiona a sociabilidade e a coletividade.

Coletividade não é sobre estar no mesmo lugar ao mesmo tempo, é sobre mudar esse lugar juntos, sobre valorizar a diversidade e tomar decisões em conjunto (PLANKA. NU).

Com a proximidade das eleições municipais, precisamos estar atentos às propostas apresentadas por pré-candidatos a prefeitos e a vereadores e pressionar por um compromisso sério com a agenda da mobilidade urbana a partir de uma perspectiva democrática e sustentável. No Brasil, precisamos lidar com o fato de que a grande maioria das nossas principais áreas pelas urbanas é altamente vulnerável aos riscos climáticos. 

A rápida urbanização e o crescimento das cidades brasileiras caracterizam-se pela proliferação de assentamentos populares, implementação de infraestrutura e serviços urbanos essenciais de baixa eficiência e pelo fortalecimento da cultura do automóvel. Isso torna nosso desafio ainda maior tanto na redução das emissões (que são ações de mitigação), mas principalmente nas ações de adaptação, que têm como objetivo reduzir a exposição ao risco e a vulnerabilidade socioeconômica e ambiental das áreas urbanas. 

Como forma de acelerar a construção e implementação de ações adaptativas, no último dia 05 de junho, o governo federal lançou o Programa de Cidades Verdes Resilientes (Decreto nº 12.041/2024) com o objetivo de aumentar a qualidade ambiental e a resiliência das cidades brasileiras. Esse programa apresenta medidas para lidar com os impactos causados pelas mudanças climáticas através da integração de políticas urbanas, ambientais e climáticas, do estímulo às práticas sustentáveis e da valorização dos serviços ecossistêmicos do verde urbano. 

A implementação de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas são, ao contrário das infraestruturas para automóveis particulares, compatíveis com a criação, a recuperação e conexão de áreas verdes, ações de arborização e favorece o uso e ocupação dos espaços públicos.

Nesse sentido, na última década, a bicicleta vem ganhando notoriedade por promover uma abordagem integrada ao ordenamento territorial. A implementação de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas são, ao contrário das infraestruturas para automóveis particulares, compatíveis com a criação, a recuperação e conexão de áreas verdes, ações de arborização e favorece o uso e ocupação dos espaços públicos. Os bicicletários e paraciclos potencializam o comércio e serviços de proximidade e os sistemas de compartilhamento de bicicleta possibilitam uma maior integração desse modal com o transporte coletivo de massa, ou seja, a mobilidade sustentável. 

Entre as cidades brasileiras, Fortaleza destaca-se pelas políticas públicas e investimentos implantados nos últimos anos em matéria de ciclomobilidade no país. A criação, em 2015, e a implementação do Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) fez a malha cicloviária ter um crescimento exponencial de mais de 500% comparada a 2012. Nas áreas centrais, uma medida bastante inovadora foi o uso da tarifa Zona Azul para financiar a infraestrutura cicloviária municipal, incluindo a ampliação da frota do seu sistema de bicicletas compartilhadas. Essa é a primeira iniciativa implantada no país que faz uso dessa medida, permitindo a arrecadação tributária do automóvel ser destinada à bicicleta. 

Em João Pessoa, o retrocesso é gritante e galopante.

Já em João Pessoa, o retrocesso é gritante e galopante. A cidade, que já foi pioneira na implementação de ciclovias ligando a área central aos bairros periféricos e que teve o primeiro sistema de bicicleta compartilhada do país, tem atualmente uma gestão que apaga ciclofaixas, faz obras rodoviárias de alto impacto ambiental sem abrir espaço para bicicleta e prefere investir em estacionamentos. A situação é tão crítica que o Plano de Mobilidade Urbana aprovado em 2022 não contém um plano cicloviário integrado e nem dispositivos efetivos para promover a ciclomobilidade. 

O planeta está aquecendo, infelizmente, de modo acelerado. Esse ano vamos escolher quem irá tomar decisões sobre como iremos preparar a nossa cidade para enfrentar os efeitos da crise climática. Aquele candidato a prefeito ou vereador que não tiver a bicicleta como protagonista das suas propostas, não merece nosso voto. 

*Andréa L. Porto Sales é geógrafa, cicloativista e professora adjunta da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisadora no Observatório das Metrópoles e coordenadora do projeto de extensão Pedagogia Urbana. 

**Mariana Fernandes Mendes é geógrafa, cicloativista e tem pós-doc em urbanismo pela EPFL (Suíça). Pesquisadora - colaboradora no Pedagogia Urbana.

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira