Paraíba

Coluna

De carona com a tecnologia: os impactos dos aplicativos de mobilidade no cotidiano

"Embora se reconheça o avanço tecnológico que os aplicativos representam na mobilidade urbana, existem aspectos tanto positivos quanto negativos nessa relação." - Foto: Bruno Barbosa.
É importante ampliar a discussão sobre as condições de acesso à alternativa de transporte por App

Por Bruno Barbosa* e Demóstenes Moraes**

A superpopularização dos aplicativos de mobilidade nos espaços urbanos vem sendo responsável por produzir mudanças significativas na forma que os cidadãos se deslocam na cidade. O fácil e rápido acesso a um veículo particular torna possível que viagens, que outrora seriam demoradas e onerosas, se tornem relativamente rápidas e cômodas. 

Outro fator que garante a ampla difusão do serviço, é a redução do tempo de deslocamento e o acesso a informações em tempo real sobre rotas e horários. 

Os aplicativos relativos a esses serviços de transporte contam com outras facilidades como o pagamento eletrônico e veículos de tipos diferentes e alguns adaptados, promovendo a acessibilidade e facilitando a locomoção considerando as diferentes demandas. Entre elas, é importante destacar as das mulheres que buscam motoristas do sexo feminino.

Além das vantagens mencionadas, é possível, para quem tem acesso aos aplicativos, realizar uma comparação dos preços entre os diversos prestadores desses serviços. 

Os preços podem ser acessíveis e os serviços podem oferecer alguma qualidade a parte expressiva da população, com variações em função de eventos e condições específicas de tráfego. Porém, o que normalmente não é tão falado é o impacto pouco visível que esse tipo de tecnologia e de serviço pode ter: inicialmente, é importante destacar a desigualdade de acesso em vários âmbitos relacionados aos aplicativos.
 
Assim, dificuldades na conexão com a internet para solicitação do serviço assim como de acesso a um smartphone podem representar obstáculos para pessoas que não possuem esses aparelhos ou não são digitalmente incluídas, especialmente os segmentos da população com rendimentos mais baixos e a população idosa. 

Outra exclusão a evidenciar refere-se a territórios nas cidades que são evitados pelos motoristas desses serviços por aplicativos, como os bairros, favelas e assentamentos populares, ocupados predominantemente por população de baixa renda.

Outra exclusão a evidenciar refere-se a territórios nas cidades que são evitados pelos motoristas desses serviços por aplicativos, como os bairros, favelas e assentamentos populares, ocupados predominantemente por população de baixa renda. Estes territórios podem ser evitados pelos motoristas devido à percepção de insegurança e à estigmatização dessas áreas como perigosas ou problemáticas, agravando a exclusão dos moradores dessas regiões. Em Campina Grande (PB), bairros como Conceição, Nova Brasília (Glória), Pedregal, Jeremias Araxá, Quarenta, Jardim Continental, Mutirão e Serrotão são frequentemente alvos dessa classificação por parte dos motoristas, onde o serviço, tanto embarque quanto desembarque é mais cauteloso, ocasionando mais dificuldades dos usuários para solicitação do serviço.

Outra questão refere-se às condições dos prestadores de serviços, que são precárias quanto a condições de trabalho, mesmo com algum avanço recente na organização da categoria no Brasil. A falta de proteção ligada à informalidade da profissão e à ausência de direitos e proteções legais deixam os motoristas expostos e vulneráveis. 

A insegurança financeira, a desvalorização da profissão e os desafios ligados à saúde por uma carga horária de trabalho extensa são apenas alguns dos desafios enfrentados por esses trabalhadores. Questões que se tornam ainda mais significativas quando relacionados a questões de gênero, visto que a participação das mulheres motoristas em aplicativos cresce no nosso país. 

Tal precariedade nas condições de trabalho é contrastada pela alta lucratividade das empresas de aplicativos que gerenciem os serviços e, obviamente, essas condições inadequadas afetam a qualidade dos serviços prestados.

Vale registrar, ainda, que proprietários de empresas concessionárias de transporte coletivos têm reclamado da concorrência e da diminuição da demanda. Em Campina Grande e outras cidades, a redução da frota no período pandêmico resultou numa diminuição de passageiros, o que impactou diretamente a receita das empresas de transporte coletivo e abriu espaço para a concorrência com aplicativos de transporte.  

Se os serviços de transporte coletivo não têm atendido de forma suficiente e adequada todos os territórios dos aglomerados urbanos e metrópoles, em especial os populares e periféricos, com essa concorrência, é possível que a tendência à concentração em regiões e setores mais rentáveis se acentue.

Outros pontos preocupantes são o aumento no número de veículos particulares deslocando-se ao mesmo tempo em determinados setores das cidades, gerando congestionamentos, retenções dos fluxos dos transportes coletivos e poluição. É importante considerar que não há formas para integrar tais serviços por aplicativo com estes transportes.

Embora se reconheça o avanço tecnológico que os aplicativos representam na mobilidade urbana, existem aspectos tanto positivos quanto negativos nessa relação, sendo estes últimos capazes de agravar ainda mais as condições de acesso à vida urbana que pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade já se encontram. 

As dificuldades de acesso ao serviço de transporte por aplicativo, a exclusão de parte da população e a precariedade das condições dos prestadores desses serviços não permitem perceber essa alternativa, apesar de ter ampliado significativamente a opção de deslocamentos nas cidades para uma parcela da população. Esses aspectos não são apenas uma alternativa de deslocamento, são também um direito básico de se deslocar e se apropriar da cidade, sendo parte do direto à cidade.

No contexto das eleições municipais, é importante ampliar a discussão sobre as condições de acesso à alternativa de transporte por aplicativo que, de maneira ampla, está relacionada às desigualdades e discriminações socioterritoriais, ao acesso aos meios técnico-informacionais e digitais e às condições de trabalho dos prestadores desse tipo de serviço. 

Iniciativas públicas como a do município de Araraquara (SP), com uma plataforma digital municipal para esses tipos de serviço, com melhores condições para os trabalhadores, devem ser debatidas. Mas é necessária uma perspectiva abrangente e integrada tendo em vista os diversos e relevantes aspectos relacionados ao serviço: a ampliação de acesso público à internet; a inclusão digital; a regulação da atuação das empresas e prestadores de serviços de transporte por aplicativo; os impactos negativos no trânsito e na mobilidade das cidades da ampliação de circulação de veículos motorizados individuais; a segregação de territórios populares periféricos entre outros temas.

O contexto das eleições municipais é uma oportunidade para realizar o debate e discutir as alternativas em Campina Grande, cidade referência no Nordeste pelas inovações tecnológicas, que poderão ser pensadas e propostas de forma integrada a partir de várias experiências em curso para compor uma nova agenda pública municipal. O intuito seria o de buscar equilibrar a ampliação do acesso digital ao serviço por aplicativo com a eficiência, alcance e sustentabilidade na mobilidade urbana, sem abrir mão dos imprescindíveis investimentos no transporte público coletivo de qualidade e nas infraestruturas adequadas para os modos de transporte ativo. 

**Bruno Barbosa é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Campina Grande e pesquisador do Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba.

**Demóstenes Moraes é professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFCG; pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles; integrante da Coordenação do FNRU e dos Conselhos do BrCidades e do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

Apoie a comunicação popular, contribua com a Redação Paula Oliveira Adissi do Jornal Brasil de Fato PB
Dados Bancários
Banco do Brasil - Agência: 1619-5 / Conta: 61082-8
Nome: ASSOC DE COOP EDUC POP PB
Chave Pix - 40705206000131 (CNPJ)

Edição: Carolina Ferreira