Paraíba

Coluna

Minha trajetória e as políticas de incentivos ao ensino superior

Luan Henrique Anselmo da Silva, autor do texto. - Foto: Arquivo pessoal.
Essas políticas de assistência são vitais para mim e para tantos outros universitários [...]

Por Luan Henrique Anselmo da Silva*

Eu nasci na cidade de Timbaúba, no estado de Pernambuco, que possui 46.147 habitantes. Minha mãe conseguiu ter acesso ao ensino superior, mas precisou conciliar o trabalho para pagar a faculdade particular. Durante esse período, enfrentamos algumas dificuldades financeiras. Meu pai, um homem negro, vindo de uma família muito carente, também enfrentou muitos desafios em sua educação. Para ajudar meus avós paternos, ele precisou conciliar o trabalho, para contribuir com as despesas familiares, e a escola durante o ensino médio, que conseguiu concluir após muitas dificuldades. Atualmente, minha mãe é professora do ensino fundamental no município e meu pai trabalha como mototáxi na cidade.

Eu fui uma criança que estudou como bolsista em uma escola particular até a metade do ensino fundamental II. Depois disso, frequentei duas escolas públicas no estado de Pernambuco. Sempre sonhei em estudar em uma Universidade Pública Federal, mas enfrentei muitas dificuldades em obter assistência para me preparar para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); especialmente porque cursei a maior parte do ensino médio durante a pandemia de Covid-19.

Para me preparar e realizar esse sonho, precisei estudar sozinho utilizando materiais gratuitos disponíveis na internet. Tinha muitas dificuldades com a habilidade da escrita de redação, entretanto, após muita prática durante toda a pandemia, consegui desenvolvê-la. Mesmo sem muita assistência durante meus estudos, obtive um bom desempenho na prova. Quem diz que a pandemia era só uma gripezinha e nada mudaria na vida das pessoas, sou prova que vivenciei muitas dificuldades por causa dela. 

A Lei de Cotas, Lei nº 12.711/2012, fruto da luta dos movimentos negros, possibilitou minha entrada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no curso de Terapia Ocupacional. No entanto, dentro do Centro de Ciências da Saúde, ainda sinto falta de uma maior representatividade negra na universidade

Durante o processo seletivo do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), inscrevi-me nas ações afirmativas atualmente denominadas LB PPI (Candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a um salário mínimo e que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas). A Lei de Cotas, Lei nº 12.711/2012, fruto da luta dos movimentos negros, possibilitou minha entrada na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no curso de Terapia Ocupacional. No entanto, dentro do Centro de Ciências da Saúde, ainda sinto falta de uma maior representatividade negra na universidade, tanto entre os estudantes quanto entre os/as professores/as do meu curso.

Antes mesmo de iniciar as aulas na universidade, precisei trabalhar durante quatro meses como atendente em uma loja de acessórios de celular para juntar dinheiro para minha mudança para João Pessoa. Esse período de trabalho foi necessário para comprar meus móveis, mesmo com a ajuda dos meus pais.

Para me sustentar financeiramente na capital da Paraíba, fui beneficiado por um dos programas do estado de Pernambuco, o Programa de Acesso ao Ensino Superior (PE no Campus). O objetivo do programa é melhorar as condições dos universitários egressos do ensino médio público de Pernambuco cuja residência de procedência é distante da cidade da universidade. O auxílio é concedido por meio de uma bolsa de apenas dois anos, sendo R$1.240,00 no primeiro ano e R$620,00 no segundo. Para obter o benefício, o estudante deve estar em situação de vulnerabilidade econômica, ter cursado integralmente o ensino médio em escolas da rede pública estadual de Pernambuco e ingressar em instituições de ensino superior da rede pública estadual ou federal.

O benefício me ajudou muito a me manter na universidade, embora não dure até o final da graduação. No entanto, foi essencial para me estabilizar como universitário em uma nova cidade.

Como muitos estudantes de minha cidade frequentam as universidades federais tanto da Paraíba quanto de Pernambuco, a prefeitura de Timbaúba criou um projeto que disponibiliza ônibus com rota para as capitais. Esses ônibus funcionam durante a semana para universitários que estudam à noite, tanto em instituições federais quanto particulares.


Universitários timbaubenses entrando nos ônibus fornecidos pela Prefeitura de Timbaúba, através do programa de transporte universitário gratuito. / Foto: Divulgação/Prefeitura de Timbaúba.

Além disso, há um serviço nos finais de semana para que os estudantes que moram na capital possam retornar ao interior. Esse projeto já foi cancelado por motivos financeiros segundo a prefeitura, porém os movimentos dos universitários timbaubenses fizeram ele retornar devido a sua importância social para os estudantes. 

Minha trajetória de transição do interior de Pernambuco para João Pessoa, na Paraíba, só foi possível graças a essas políticas de assistência universitária.

Minha trajetória de transição do interior de Pernambuco para João Pessoa, na Paraíba, só foi possível graças a essas políticas de assistência universitária. Os ônibus foram fundamentais para eu manter a interação com meus familiares sem precisar arcar com os custos das viagens. Além disso, o programa PE no Campus foi essencial para cobrir os gastos na universidade e no meu apartamento, como a compra de materiais de estudo e o dinheiro para as passagens do meu apartamento até a universidade.

Sem elas [políticas de assistência], seria muito mais difícil arcar com os custos de moradia, materiais de estudo e transporte, além de manter o vínculo com minha família

Essas políticas de assistência são vitais para mim e para tantos outros universitários filhos de trabalhadores. Sem elas, seria muito mais difícil arcar com os custos de moradia, materiais de estudo e transporte, além de manter o vínculo com minha família. O apoio da prefeitura de Timbaúba e do Estado de Pernambuco através do programa PE no Campus foram pilares fundamentais para que eu pudesse seguir meus estudos e me adaptar à vida universitária em João Pessoa. É assim que vejo o Estado brasileiro cumprindo com seu papel social, como está previsto na Constituição Federal (1988) art. 3º inciso III: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Dessa forma eu, como tantos outros cidadãos do interior, conseguimos ter acesso às oportunidades mínimas que todo brasileiro deveria ter para realizar a sonhada permanência no ensino superior.

Para saber mais

PERNAMBUCO. Secretaria de Educação. Perguntas Frequentes sobre o PE no Campus.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Cotas. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/lei-de-cotas. Acesso em: 14 jun. 2024.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Cidades e Estados: Timbaúba (PE). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pe/timbauba.html. Acesso em: 14 jun. 2024.

*Tenho 20 anos, sou acadêmico do curso de Terapia Ocupacional da UFPB, e apaixonado pelo curso. Hoje sou pesquisador sobre a história da profissão dentro do estado da Paraíba e disposto a estudar as possibilidades de atuação da terapia ocupacional.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

***Este relato faz parte de uma série da coluna "História Pública & Narrativas Afro-Atlânticas", do NEABI-UFPB, com o objetivo de trazer histórias de estudantes que entraram na universidade por meio das políticas de cotas. Leia o primeiro texto da série aqui.

Confira outros relatos da série

: Não estou me perdendo para o mundo, eu estou descobrindo o mundo : 

: Minha história não é uma história de ninar...:

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Edição: Carolina Ferreira