Paraíba

Coluna

Ocupando o centro a partir das margens: a bicicleta como instrumento transformador nos espaços periféricos

Cineteatro São José durante o FNEBici Campina Grande, em 2023, - Foto: Bruna Almeida.
A rua deve ser vista não só como passagem, mas como local de encontro e trocas de experiências

Por Bruna Almeida* e Bruno Barbosa** 

Ao longo dos anos, os pedestres e ciclistas foram aos poucos perdendo espaço nas cidades e nos grandes centros urbanos em detrimento do uso do automóvel. Isso se deve a uma série de fatores históricos e decisões políticas que visam transformar o espaço a partir da adoção de um modelo de desenvolvimento das cidades centrado no automóvel. A priorização de grandes rodovias, espaços enormes dedicados a estacionamentos e infraestruturas viárias aconteceram, na maioria dos casos, em prejuízo das infraestruturas voltadas à mobilidade ativa, como calçadas, ciclovias e espaços públicos. Não são comuns programas de incentivo ao transporte ativo ou ao transporte público coletivo, modelos mais sustentáveis, eficientes e acessíveis à população como um todo.

Contudo, graças a sua praticidade, baixo impacto ambiental e alta economia, a bicicleta se tornou, ao longo do tempo, um dos meios de transporte mais populares no Brasil e no mundo. E não apenas como uma maneira de lazer, mas como transporte, sendo capaz de transformar a cidade e os espaços periféricos de diversas maneiras. Ao promover o uso da bicicleta como meio de transporte viável, pode-se observar uma redução do tráfego de veículos automotores particulares, a acessibilidade aos usuários que não despendem do ônus financeiro referente à compra de um veículo particular, entre outros. 

Porém, além de todos os benefícios mencionados, o uso da bicicleta depende de uma infraestrutura cicloviária consolidada, composta de ciclovias bem conectadas, faixas exclusivas, bicicletários, entre outras facilidades. Esse tipo de estrutura transforma e modifica o espaço em que é implantado, e permite que o uso da bicicleta seja mais convidativo e seguro aos usuários.

Com isso, as pessoas tendem a ficar menos motivadas a utilizar esse meio de transporte, justamente, por todas as dificuldades encontradas em relação ao seu uso.

A falta de uma infraestrutura voltada para o ciclista tem consequências diretas na qualidade do deslocamento por bicicleta, como riscos à segurança, podendo ocorrer lesões e acidentes, por terem que compartilhar as ruas com os veículos motorizados particulares, e pedestres sem proteção adequada. A falta de bicicletários também é um empecilho para aqueles que querem usar a bicicleta como meio de transporte por não ter maneiras eficientes de armazená-las durante o dia a dia. Com isso, as pessoas tendem a ficar menos motivadas a utilizar esse meio de transporte, justamente, por todas as dificuldades encontradas em relação ao seu uso. 

A facilidade de locomoção, através de uma mobilidade urbana eficiente, está diretamente ligada à qualidade de vida e é um meio para inserir-se nas oportunidades que a cidade oferece, considerando o acesso ao trabalho, ao lazer, à saúde e à educação. O que predomina nas cidades brasileiras atualmente é a concentração de emprego e serviços no centro da cidade e um espraiamento urbano cada vez maior. 

Esse modelo de cidade excludente, que empurra para as periferias os cidadãos com menor poder aquisitivo e distancia a moradia do trabalho e do lazer, dificulta o acesso de quem vive nas áreas mais periféricas. Assim, a falta de infraestrutura adequada, especialmente em espaços periféricos, pode contribuir para uma desigualdade social, onde as pessoas economicamente mais vulneráveis têm menos opções de transporte e mais dificuldades no uso cotidiano da mobilidade ativa.

O modelo atual de cidade fragmentada e desigual tem transformado o espaço público em espaço de passagem

O modelo atual de cidade fragmentada e desigual tem transformado o espaço público em espaço de passagem, com a perda de funções de sociabilidade e com o foco nas velocidades impostas pelo transporte motorizado. A falta de planejamento, ou a priorização de interesses econômicos, transforma a ocupação urbana e a mobilidade em uma ferramenta de exclusão social.

A rua deve ser vista não só como passagem, mas como local de encontro e trocas de experiências, logo a qualidade e acessibilidade desses espaços é fundamental para que as pessoas se apropriem e vivam a cidade em sua totalidade. Acessibilidade deve ser vista não apenas como a facilidade do acesso, mas também de apropriação, através da ideia de pertencimento e empoderamento, que parte de uma política de mobilidade urbana que promova a inclusão social, a equiparação  de oportunidades e o exercício da cidadania e do direito à cidade.

A Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012) tem dentre os seus objetivos: “reduzir as desigualdades e promover a inclusão social” (Art. 7º, inciso I) e “promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais” (Art. 7º, inciso II). Atualmente, existem algumas iniciativas públicas que incentivam o uso da bicicleta como meio de transporte, que tem como objetivo promover a mobilidade sustentável nas cidades. Um sistema de mobilidade urbana planejado, integrado e que incentive a mobilidade ativa é uma forma de democratização do espaço público. 

Um mapeamento feito na cidade de São Paulo mostra que quando se trata de infraestrutura cicloviária, as pessoas brancas de classe alta são especialmente consideradas. A renda dos residentes a 300 metros das ciclovias e ciclofaixas é 43% maior do que a média da cidade. A renda nas estações de bicicleta compartilhada é 223% maior do que a média. Este fator, somado à insuficiência de uma infraestrutura de transporte, reforça a segregação social. Essa problemática não abrange só o tema da mobilidade, mas a própria produção da cidade e ocupação dos espaços.

Em Campina Grande (PB), o que se vê são ciclofaixas desconectadas umas das outras, estreitas, obstruídas e concentradas no centro urbano da cidade, sendo talvez um problema pequeno para aqueles que utilizam da bicicleta como meio de lazer e passatempo, e que também devem ser atendidos com qualidade, mas representa um problema muito maior para quem se utiliza desse meio como transporte cotidiano, e que enfrenta dificuldades frequentes em seu deslocamento, graças à insuficiência da infraestrutura cicloviária existente. 

A participação da sociedade é fundamental para que a mobilidade urbana seja eficiente

Os projetos, ações e desenhos desenvolvidos pelo poder público devem partir do conhecimento das necessidades e demandas da população, para que as soluções para a mobilidade urbana sejam implementadas e alcancem melhores resultados. Assim, a participação da sociedade é fundamental para que a mobilidade urbana seja eficiente. Essa participação só será efetiva com o empoderamento da população mais vulnerável, historicamente excluída na esfera pública.

No contexto das eleições municipais, é importante estender o debate sobre as infraestruturas cicloviárias e a qualidade de vida e segurança dos ciclistas, para além da mobilidade sustentável, a criação de locais seguros exclusivos para bicicletas depende do planejamento urbano, a escolha de locais estratégicos permitem que os ciclistas os usem e os acessem, se integrando bem ao sistema de transporte existente. Iniciativas como o Programa Ciclovias, que visa construir um sistema integrado de ciclovias em todas as principais cidades do estado de São Paulo, podem e devem ser debatidas e implementadas.

Os candidatos e futuros gestores e agentes legislativos municipais devem priorizar esse debate, fortalecendo o planejamento e a implantação de políticas públicas de transporte e mobilidade urbana que tenham como meta uma gestão participativa desse processo. O período das eleições municipais oferece uma oportunidade para discutir as opções disponíveis em Campina Grande. Essas opções podem ser consideradas e sugeridas de forma integrada a partir de diferentes experiências que já estão em andamento para formar uma nova agenda pública da cidade. O objetivo é equilibrar a distribuição da infraestrutura cicloviária para aumentar a eficiência, alcance e sustentabilidade da mobilidade urbana, focando na acessibilidade e na infraestrutura necessária para os modos de transporte ativo nos espaços periféricos de nossa cidade. 

*Bruna Almeida é arquiteta e urbanista pela Universidade Federal de Campina Grande e pesquisadora do Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba.

**Bruno Barbosa é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal de Campina Grande e pesquisador do Observatório das Metrópoles - Núcleo Paraíba.

***Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.

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Edição: Carolina Ferreira