Paraíba

Coluna

Memórias quilombolas: conheça a Mestra Edite, da comunidade Caiana dos Crioulos

Mestra Edite, em 2019. - Foto: Adriana Augusta.
A Mestra Edite desde criança foi engajada nos cocos de roda e ciranda

Por Luciene Tavares da Silva Lima*

Mulher forte valorosa;
Aqui venho homenagear;
Lá das serras das Caianas;
Pense num belo lugar;
Se encontra a Mestra Edite;
Com suas histórias a contar;

Desde criança encantadora;
Cheia de talentos a jorrar;
Parteira tradicional de mãos cheias;
Afilhados por todo lugar;
Coquista, cirandeira, rezadeira;
A Mestra Edite faz o quilombo se alegrar!

(Luciene Tavares)

É por meio da epígrafe dessa poesia que trago aqui as narrativas de vida de uma mulher que fez e tem feito história por onde anda, levando a cultura do seu lugar, a Mestra Edite.

Edite José da Silva nasceu em 8 de outubro de 1944, na comunidade quilombola Caiana dos Crioulos, no município de Alagoa Grande, estado da Paraíba, onde vive até hoje. Filha de José Antônio da Silva e Maria Ana da Conceição, casou-se aos 19 anos de idade com o Senhor Manuel dos Santos Silva, com quem teve 23 filhos, 11 dos quais - dez homens e uma mulher – estão vivos. Tem 30 netos e oito bisnetos. Mestra em Cultura da Paraíba, coordenadora do grupo de ciranda e coco de roda Brilho do Coco, da Mestra Edite, ela integra a Organização de Mulheres Negras de Caiana (OMNC). É uma griot (contadora de histórias), parteira tradicional, rezadeira e luta pelos direitos da população e das mulheres negras.

A Mestra Edite foi uma criança muito ativa, e em suas brincadeiras inovava de acordo com o que era possível em meio à simplicidade e precariedade que se tinha. Construía suas próprias bonecas de sabugos de milho do roçado de seus pais, como também com as folhas e galhos de uma planta chamada mata pasto. Fazia os batizados e casamentos das bonecas. Sua mãe e suas tias ajudavam no preparo das comidas doando alguns alimentos para as brincadeiras das crianças, e era um momento festejado com bastante alegria.  Até hoje, mesmo na idade adulta, a mestra celebra essa infância vivida por meio dos casamentos das bonecas que tem em casa. Como é cheia de habilidades, costuma costurar e fazer bonecas de pano, trazendo toda ancestralidade da cultura negra e quilombola.


Mestra Edite com algumas das suas bonecas. / Foto: Acervo pessoal de Mestra Edite.

Na infância era difícil estudar, pois ajudava os pais no roçado para o sustento da família. Veio adentrar o ambiente escolarizado já na adolescência. Fez até a antiga 2ª série em um grupo escolar que havia na época no quilombo, já que ainda não existia escola na comunidade. A partir daí era obrigatório dar continuidade aos estudos na cidade, porém ela não conseguiu prosseguir, porque seu pai não autorizou devido à distância em deixar a filha mulher sair do quilombo e ir para a cidade sozinha. Era, de certa forma, uma proteção que os pais tinham com os filhos.

Durante muitos anos, a Mestra Edite trabalhou na escola da comunidade. Era auxiliar de serviços gerais, porém desempenhava a função de Merendeira. Na escola, Edite não era apenas a senhora que fazia a merenda das crianças, mas sim a pessoa que era uma das referências na comunidade: a mãe, avó, contadora de história, a nossa matriarca.

Após seu casamento, veio a habilidade de ajudar outras mulheres no trabalho de parto, tudo gratuitamente. Fez mais de 30 partos pela comunidade. Os dons de parteira e rezar veio de sua mãe que tinha grande fama em ser rezadeira da comunidade de Caiana. Rezava mal olhado, espinhela caída, peitos abertos, dores de cabeça, além de atender às comunidades circunvizinhas, como Engenho Mares, entre outras.

A Mestra Edite desde criança foi engajada nos cocos de roda e ciranda e, por isso, até hoje leva a cultura do seu lugar por onde passa com seu grupo Brilho do Coco.


Mestra Edite com seu grupo de ciranda Brilho do Coco. / Foto: Acervo pessoal de Luciene Tavares.

Assim, a história da Mestra Edite contribui significativamente com a comunidade quilombola Caiana dos crioulos e a Educação Escolar Quilombola, pois são memórias que devem ser valorizadas e passadas de geração em geração. São conhecimentos formativos que se somam aos saberes da escola para que as crianças de Caiana dos Crioulos se sintam pertencidas ao ambiente escolar. Esses conhecimentos contribuem com a construção identitária das pessoas do lugar.

Dica de leitura

Memórias e saberes de Caiana dos crioulos na formação de professores: modos e formas de aprender na educação escolar quilombola. Disponível aqui.

*Luciene Tavares da Silva Lima é mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Formação de Professores (PPGFP) da Universidade Estadual da Paraíba. Coordenadora do Projeto Vivenciando Caiana, Quilombo Caiana dos Crioulos, Alagoa Grande (PB), Presidente da Organização de Mulheres Negras de Caiana (OMNC), membro da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, poetisa, supervisora na Rede Municipal de João Pessoa/PB em Escola Quilombola Prof.ª Antônia do Socorro Silva Machado. E-mail: [email protected]

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Edição: Carolina Ferreira