A professora Mouzinho compreende a Educação como meio de transformar vidas
Por Solange Rocha*
Há considerável informações e estudos sobre o ativismo de mulheres negras no tempo presente, construindo simbolismo para visibilizar as suas trajetórias históricas, avanços sociopolíticos e desafios persistentes que transformam o passado em presente, ou seja, o racismo, uma injustiça histórico-estrutural que agrega violências que se espraiam nas convivências humanas. Violências que podem estar logo ali, seja nas relações cotidianas, em lojas, em aeroportos, nas dependências do local de trabalho ou no meio familiar, etc.; seja nas diferentes instituições públicas e privadas, como ocorre no Brasil, cuja sociedade é marcadamente cis-heteropatriarcal e que, ao longo do tempo, se “renova” com a conveniência do Estado. Essa marca define parâmetros para o controle dos corpos, ou seja, a “necropolítica”, termo cunhado por Achille Mbembe para melhor compreensão das relações sociais, incluindo a racial na atualidade.
Entretanto, as lutas de mulheres negras e suas/seus aliadas/os possibilitam a reinvenção de marcos políticos como o 25 de julho, o Julho das Pretas e, mais recentemente, o Julho das Terezas de Benguela para o desenvolvimento de projeto educacional. Acerca das duas primeiras referências de resistência do feminismo negro, a historiadora Rayssa Andrade Carvalho (2022) elaborou uma historicização da construção das narrativas que envolvem as reconfigurações das ações e fortalecimento do Movimento de Mulheres Negras Brasileiras.
Neste breve texto, o que quero salientar é a elaboração e aplicabilidade de uma prática pedagógica de educação antirracista desenvolvida numa escola integral do município de Bayeux (PB) por uma professora e colega de profissão que é minha homônima, a historiadora Solange Mouzinho Alves. O seu projeto é datado do ano de 2020, sendo que a execução ocorreu em meio às necessidades de reconstituir as atividades de ensino por conta da pandemia da Covid-19.
Mouzinho criou e desenvolveu virtualmente o Julho das Terezas de Benguela, visando cumprir a legislação educacional atual que normatizou a Educação Antirracista, tendo entre suas diretrizes a valorização da população negra
Num clima de perplexidade, apreensão sobre o futuro, mas com a necessidade de manter as aulas remotas, Mouzinho criou e desenvolveu virtualmente o Julho das Terezas de Benguela, visando cumprir a legislação educacional atual que normatizou a Educação Antirracista, tendo entre suas diretrizes a valorização da população negra, incluindo a visibilidade e o protagonismo de mulheres afro na História das Américas. Nesse sentido, teve como referência o 25 de julho: Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha (1992) e o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, conforme estabelecida pela Lei 12.987/2014, para desenvolver atividades educativas com estudantes do Ensino Médio da Escola Cidadã Integral João Caetano, localizada em Bayeux (PB).
Ao obter êxito com tal ação educativa, nos anos seguintes, Mouzinho Alves prosseguiu aperfeiçoando o projeto e no ano atual, 2024, na sua quarta edição, o eixo de aulas e debates estão centrados no seguinte tema: Negras no Poder: a importância do empoderamento e da inclusão social das mulheres negras - 2024. Entre os assuntos abordados estão a liderança das mulheres nos quilombos; lutas e resistências no Brasil escravista; os desafios de ser mulher negra no pós-abolição e a importância das mulheres negras nos espaços de poder. Tais temáticas têm sido potencializadas com a prática interdisciplinar, em parceria com docentes de outras áreas do conhecimento (Geografia, Sociologia e Língua Portuguesa), ampliando, assim, o escopo de docentes comprometidos com antirracismo no ensino e o aumento de tempo para aprofundamento dos conteúdos.
Importa salientar que, estamos em ano de eleição municipal (executivo e legislativo), portanto, o eixo temático escolhido pretende também preparar estudantes para exercitar a sua cidadania republicana, assim como é relevante destacar as desigualdades de acesso ao poder de mulheres negras e a necessidade de avançarmos com modificações que possam garantir a representatividade da diversidade de gênero e raça na política brasileira.
Mouzinho Alves, com a autoformação, inseriu as tecnologias digitais na sua vida profissional. Por isso mesmo, sempre suas ações pedagógicas são compartilhadas e divulgadas nas redes sociais: Instagram: @mouzinhosolangeoficial e, mais recentemente, se criou o Canal You Tube (janeiro/2024), alargando o diálogo da sua prática pedagógica, posto que, além de todas as funções de uma professora, coloca-se para um debate público e com o público. Porventura, pode ser uma contribuição para impor alguma “fratura” nos imaginários e nas vivências racistas cada vez mais “expostas” em espaços virtuais, seja como denúncia das pessoas vitimizadas; seja como tentativa de desqualificar aqueles/as que denunciam tal nefasto fenômeno social.
Podemos indagar: há algo de excepcional nas ações formativas da professora referida? Não. E nem deveria, pois a legislação antirracista e inclusiva é vasta, obrigatória (Lei 10.639/2003) e com vários desdobramentos legais (2004, 2009). Contudo, como tem sido demonstrado em várias pesquisas, ainda é inconsistente a efetivação das alterações curriculares nas redes de escolarização formal.
Mouzinho Alves está atenta aos desafios do tempo presente como o enfrentamento do racismo estrutural e das desigualdades de gênero no espaço escolar
Ademais, a professora Mouzinho compreende a Educação como meio de transformar vidas, aliás, a sua própria trajetória profissional foi forjada num curso de licenciatura em universidade pública. Não por acaso, o seu arcabouço motivador é: “Educar para transformar”, possibilitando a elaboração e a concretização de propostas educacionais sobre grupos subalternizados (povos indígenas, população negra, mulheres em sua diversidade, dentre outros) e suas relações com as classes dirigentes, promovendo um ensino que considera as mudanças definidas pela ação política de movimentos sociais e os marcos normativos educativos, cujos fundamentos e princípios destacam a Escola como uma instituição formadora com a função de assegurar uma aprendizado emancipador e antirracista. Em síntese, Mouzinho Alves está atenta aos desafios do tempo presente como o enfrentamento do racismo estrutural e das desigualdades de gênero no espaço escolar, assim como valoriza as diversidades existentes no Brasil.
Para saber mais
ALVES, Solange Mouzinho. "Racismo na escola, não!" Relato de uma experiência de educação antirracista na Escola Cidadã Integral João Caetano em Bayeux/PB. In: SILVA, Durvalina, SILVA, Terlúcia; SILVA, Uliana (Orgs.). Dossiê 20 anos da Lei 10.639/2003: A Paraíba fez sua lição? João Pessoa: Livro Eletrônico, p. 86-95. Disponível aqui.
CARVALHO, Rayssa A. Olope (movimento/ação): memórias paraibanas em torno do Dia Internacional das Mulheres Negras. Disponível em: https://www.brasildefatopb.com.br/2022/07/28/memorias-paraibanas-em-torno-do-dia-das-mulheres-negras-al-e-caribe-e-dia-de-tereza-de-benguela .
*Solange Rocha é professora do Departamento de História da Universidade Federal da Paraíba e do Programa de Pós-graduação em História (PPGH/UFPB). Integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas Afro-Brasileiros e Indígenas (NEABI/UFPB).
**Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato PB.
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Edição: Carolina Ferreira